A parte mais difícil da manhã era ter que me levantar para ir trabalhar. E apenas pelo fato de não querer olhar para a cara dele. Minha noite tinha sido um completo inferno, e a culpa era toda dele. Ainda sonolenta, me espreguicei tentando despertar mais um pouco e me levantei da cama, seguindo lentamente para o banheiro.
Eu estava horrível. Olheiras e um aspecto cansado tomava conta do meu semblante. Nem toda maquiagem do mundo salvaria aquele desastre. Assim que tomei meu banho, vesti meu uniforme e dei um jeito na juba, amarrando-a em um coque e enfeitando com um laço cor-de-rosa.
Eu estava na mais santa paz, saindo da minha residência e tentando fechar a maldita da minha porta, quando escutei a sua voz.
— Bonito laço, vizinha...— juro que tentei respirar. Meus olhos se fecharam automaticamente, enquanto eu tomava coragem para me virar e olhar para ele.
— Blaine...— finalmente consegui respirar, dando o gôto[1] antes de falar o nome dele, ainda de costas, buscando coragem para me virar e encará-lo.
— Você falando meu nome assim, vou ficar excitado. — o filho da mãe estava se divertindo com tudo aquilo. — Mas.... Eu prometi ser seu amigo, e não tentar comer você.... Ainda.
Tínhamos estabelecido uma ordem pela manhã, há uns seis dias. Mas todas as vezes era a mesma coisa, e eu ainda era pega de surpresa por aquele pressentimento de que ele seria mais do que meu amigo, já que fazia de tudo para me lembrar que trepava com todas as amigas e eu era a única com quem tinha estabelecido uma regra. E se dependesse de mim, não duraria muito tempo. Eu só queria que fosse algo além de uma transa qualquer. No dia em que ele entrou no café, eu até cogitei a ideia de uma transa e ir cada um para o seu lado, só que ele era do tipo que ficava gravado na mente, mesmo que fosse apenas um toque singelo.
— Desculpa, eu... — me virei para olhá-lo, e antes não tivesse feito isso. O que tinha de errado com ele e as camisas? Alguma alergia a qualquer tipo de tecido da cintura para cima?
— Você...?
— Esto-o-o-u... — eu tinha que parar de gaguejar perto dele.
— Lilith, respire. — pediu ele, me encarando e se divertindo com as minhas trapalhadas. — Pelo uniforme charmoso, que deixa sua bunda uma delícia, presumo que está a caminho do trabalho... Acertei? — o meu nome, sendo pronunciado por ele, era música para os meus ouvidos. E saber que ele olhava para minha bunda me deixava ainda mais sem ação.
— Acertou. — por pouco não me atrapalhei novamente. Eu já estava ficando mais do que nervosa, com as mãos suando e louca para me afastar, não por medo dele, mas por medo de fazer algo errado com ele.
— Vamos. Eu acompanho você até lá...
— Espera... Você vai assim?
— Assim como?
— Blaine, não se faça de tonto. Você não pode entrar na cafeteria em que trabalho sem camisa...
— Sem problema. — disse ele sorrindo. Quando prestei mais atenção, vi que ele tinha um moletom amarrado na sua cintura, e que eu, por reparar apenas em outras partes do corpo dele, não tinha percebido. — Vamos?
— Você nem ia para o café, aposto... — resmunguei um pouco emburrada, sem conseguir olhá-lo naquele momento. Uma hora eu ficava hipnotizada por ele, e em outra estava querendo enfiar a minha cabeça em um buraco bem fundo. Ainda bem que o trajeto era curto, ou eu teria um infarto.
— Como você sabe? — soltou uma sonora e bem-vinda risada. — Sou solteiro, não sei cozinhar.... Estou passando fome. Já olhou bem o meu tamanho? — tentei não levar para o lado do duplo sentido, no entanto, foi inevitável. Ele sabia exatamente o que estava fazendo, e estava adorando me torturar. Um homem completamente diferente do que eu tinha conhecido um mês atrás, no café. Este Blaine era animado, bem-humorado e bastante sarcástico, e até mesmo simpático, do jeito dele.
— É. Você é grande. — me concentrei para sair o mais natural que pude.
— Enorme...
— Blaine!
— O que foi? — perguntou, fazendo cara de desentendido.
— Argh! Pode parar com esse papo de “eu sou enorme”. Duvido que seja isso tudo que acabou de insinuar.
— Do que você está falando?
— Droga.... Não. Parou. Já deu esse nosso papo matinal. Você não quer ser meu amigo, você quer mesmo é infernizar a minha vida! Andando sem camisa.... Lavando a moto sem camisa... Saindo de casa sem camisa.... Correndo sem camisa.... Se exercitando sem camisa...
— Também faço outras coisas sem camisa, se você quiser...— brincou, tentando não rir da minha cara. — Vou aliviar um pouco. Prometo ser apenas um bom amigo... — disse ele, quando paramos na lateral do café. — Apenas bons amigos. — sussurrou, se aproximando mais de mim.
Blaine já estava envolvendo minha cintura com seus braços fortes e aproximando seu rosto do meu. Só que, para minha infelicidade, Kate apareceu na hora em que ele ia me beijar. E onde eu ia enfiar a minha cara, depois de ser flagrada no beco e nos braços de um homem daqueles quase me rasgando no meio, em plena luz do dia?
— Bom dia, Lili. — sorriu Kate, e logo o meu cérebro voltou a funcionar. — Me desculpem... — falou sem graça. — Que vergonha.... Vou deixá-los a sós. — não deu tempo de esboçar qualquer reação. Ela já havia sumido e eu ainda estava nos braços de Blaine, tentando respirar novamente.
— Merda... — ele resmungou de forma sedutora. — Podemos ser amigos com benefícios?
— Amigos... Benefícios...
— Isso mesmo. Ou não... — disse ele, aproximando o seu rosto novamente. Estávamos quase nos beijando, até que ele finalmente me beijou.
O coque não resistiu a sua investida e se desmanchou em suas mãos, quando ele segurou firme o meu cabelo, me beijando de maneira dura e deliciosa. Sua língua dançava dentro da minha boca, buscando a minha, e quando conseguiu o que queria, foi algo poderoso. Blaine apertava a minha cintura com força, me fazendo perder o equilíbrio e quase cair. Por um momento eu achei que ali era o céu, beijando os lábios macios dele.
— Blaine... — gemi, afastando nossas bocas. — Espere...
— O que foi? — perguntou ele sem fôlego, ao afastar mais a sua boca da minha.
— Não posso... Desculpa, mas não posso fazer isso — Blaine se afastou, quando terminei de falar — Não posso porque sei que vou me apaixonar por você... — eu tinha medo. Eu o queria muito, porém, tinha que ser da maneira certa. Não poderia ser apenas um caso qualquer.
— Entendo. — falou ele, virando as costas para mim. — Deveria saber que não daria certo mesmo. — algo se quebrou dentro de mim quando ele falou daquela forma. E eu não deveria ter me sentido tão mal, já que não nos conhecíamos direito.
— Blaine... — o chamei, mas já era tarde demais para voltar atrás no que eu dissera.
— Você está certa. — disse ele, sumindo.
Um aperto no meu coração se formou, como se ele tivesse levado um pedaço no momento em que partiu. Foi involuntário quando minha mão foi parar entre meus seios, na tentativa vã de aplacar aquela dor. O gosto do seu beijo e o calor da sua mão estariam sempre registrados na minha memória. E mesmo que eu quisesse apagar, não teria como.
Respirando fundo, reuni forças para começar o meu dia; seria difícil, mas eu teria que começar. Assim que entrei, Kate me olhou preocupada, e quando ela veio na minha direção, desviei para não ter que explicar a ela o porquê dos meus olhos marejados. Nem mesmo eu entendia o motivo. As lágrimas queriam sair de uma forma que eu nunca teria imaginado.
— Algum problema, Lili? — de Joe eu não escaparia.
— Não Joe. Está tudo bem... — tentei ser o mais convincente possível, mas falhei.
— Por que você não vai atrás dele? — arqueou a sobrancelha. E era claro que Kate tinha contado sobre o que viu ao seu marido. — Kate e eu cuidamos de tudo, o que eu não quero é te ver chorando pelos cantos.
— Acho que não vai valer a pena, Joe. — respondi com sinceridade.
— Só vai saber se tentar. E você sabe que achar não é ter certeza de nada. — Joe sorriu para mim, me deixando sozinha e pensando no que tinha acabado de falar.
— Kate, você conseguiu resolver a questão com a hipoteca? — perguntei para mudar de assunto.
— Infelizmente não, querida — disse ela nervosa. — Tenho que ir hoje ao banco para tentar resolver isso...
— Espero que consiga — sorri para ela, voltando ao trabalho.
Lá no fundo eu sentia que não conseguiria ficar com Blaine sem que me apaixonasse por ele. Eu já tinha passado por uma desilusão e meu coração não aguentaria ser pisado novamente. O problema era que Blaine não sabia o que eu tinha passado.
Ele precisava saber.
Estava tudo escuro na casa vizinha. Blaine não estava em casa e nem sua Harley Davidson estava estacionada na frente da casa, como sempre. Suspirei lembrando do que tinha acontecido mais cedo. Não bastava ser como eu, ainda tinha que ter soltado aquela. Quando Gabriel Leonard MacColl, filho de Katharine e Joel MacColl foi embora, tudo se tornou um borrão. Lembro de ter passado um ano para voltar a sorrir e mais um para voltar a ser sociável.
Desde a sua partida, os pais dele me tornaram parte de suas vidas. Afinal, eles seriam avós do bebê que eu estava esperando. Antes de começar a trabalhar no Joe's, refleti muito sobre que caminho seguir. E me recordo do dia em que Gabby me falou que estava partindo.
“Não posso ficar preso nessa cidade, e nem a você”.
Quando entrei na minha casa, o telefone tocou. A foto de Gregg e seu namorado apareceram no visor.
— Mike!!! — assim que escutei o grito dele do outro lado da linha, soube que tinha sido pedido em casamento. Michael Forks havia pedido o meu melhor amigo para ser mais que namorado. — Se arrume, gata rajada. Vamos comemorar!!!
— Gregory Pitterson, acho que você deve comemorar com o seu noivo...
— Vamos, Lili! — escutei a voz de Mike ao fundo. — Está vendo? O meu Mike concorda com o fato de que precisamos comemorar com você — Gregg estava muito feliz, e não poderia negar que eu também estava pelos dois. Só que ficava sem jeito por ter que compartilhar em um momento tão especial deles.
— Vocês têm certeza que não vou incomodar? — perguntei envergonhada.
— Passamos em vinte minutos para pegar você. E pelo amor de Deus, use algo que mostre suas pernas e um salto bem alto — já podia imaginar Gregg revirando os olhos ao falar. Se dependesse dele, eu usaria salto alto todos os dias, e saias curtas pelo resto da minha vida.
Não deu tempo de falar mais nada e ele já havia desligado o telefone na minha cara. Isso era um sinal para eu correr contra o tempo e me arrumar mais rápido que uma estrela cadente.
Tomei banho às pressas, me maquiando logo em seguida. Não deu para fazer muita coisa, mas gostei do resultado final. Segui até o closet, escolhendo um dos poucos vestidos de festa que eu tinha. Um prateado com um decote nas costas e bem-comportado na frente. Era curto o suficiente para eu ter muito cuidado quando fosse me agachar ao pegar algo. Para finalizar, uma bota preta de camurça, de cano curto com detalhes de pedraria nas laterais; soltei os cabelos, deixando que as ondulações aparecessem. Dei uma olhada no espelho e eu estava bem-arrumada em pouco tempo.
Sair com eles seria uma boa oportunidade de tirar tudo aquilo de ruim que me consumia. O som da buzina me tirou do transe. E seu eu demorasse mais um pouco, os vizinhos chamariam a polícia.
— Parem de fazer isso... — resmunguei enquanto saía de casa e fechava a porta.
— Graças a Deus você não vai me fazer passar vergonha — disse Gregg olhando para a minha roupa.
— Vá se foder, Gregory — estirei o dedo do meio para ele. — Oi, Mike. Você está lindo! — sorri para o noivo do meu amigo e tornei a encarar Gregg.
— Boa noite, Lili — Mike retribuiu o sorriso — Você também está muito bonita.
— É assim que se faz quando elogiamos uma pessoa... — soltei com um tom bem debochado.
— Não sou obrigado a elogiar animais, minha flor — Gregg tinha sorte por eu o amar tanto, senão o estaria esganando naquele exato momento.
— Já sei que a noite vai ser divertida — Mike riu, ligando o carro e seguindo para o nosso destino.
Não tinha muitas boates na cidade, no entanto, havia sido inaugurada uma, recentemente, no centro da cidade. Lá se podia comer e dançar em um ambiente agradável, e caro. Mike estava tão empolgado que tive que segurar a sua onda para que não gastasse além do que era necessário comigo. Gregg era outro que não parava de me perguntar se eu queria algo mais. No final, o que deveria ser uma comemoração de noivado acabou se tornando uma disputa de quem pagaria a conta. Só fiquei feliz quando a situação se resolveu e Mike venceu. Minutos depois, ele estava na pista de dança segurando um copo de suco de morango, enquanto eu e Greg tomávamos nossos drinques de nomes estranhos.
Upgrade U da Beyoncé estava tocando nas alturas e eu rebolava como uma louca no meio dos meus amigos. Chamávamos atenção de todos por nossa dança pra lá de sensual. Mike segurava minhas mãos no alto, e depois as fazia deslizar por seu corpo, e Gregg segurava minha cintura por trás, conduzindo meu quadril. Eu era a salsicha sem utilidade no meio daquele hot-dog, porém, eu amava tudo aquilo. Amava meus amigos e o amor deles. Deus, eles eram perfeitos um para o outro.
Fechei os olhos e senti a música. Já não sentia mais as mãos dos meus amigos sobre mim, e sabia que eles estavam dançando colados. Quando tornei a abrir os olhos, não sabia onde começava ou onde terminava Mike e Gregg. Eles se esfregavam e se acariciavam, em um beijo delicioso de se ver.
E eu continuei minha dança, feliz pelo meu dia ter terminado daquela forma. Se existia uma pessoa de bom senso, era o DJ daquela noite. Assim que começou a tocar Dance For You, fui à loucura; até os meninos vieram para perto fazer aquela dancinha coreografada. Gregg fazia caras e bocas e Mike dançava ao meu lado.
Ríamos tanto que até cheguei a chorar. Em pouco tempo fui esquecida novamente pelo casal, e segui com a minha dança solitária. Eu estava na santa paz da minha vida quando o vi. Tudo de bom que me aconteceu naquela noite foi por água abaixo. Um flash de tudo que passei veio na minha mente e, de repente, já não fazia mais sentido dançar, pois me senti enjoada. Só em olhar para Gabriel novamente senti a raiva tomando conta de mim, a raiva que achei estar adormecida. Relembrei as vezes que sonhei com o momento em que o visse novamente na cidade, e em todas as vezes eu saía por cima. Falei para mim mesma que seria superior a tudo e seguiria a minha vida.
O Gabriel do outro lado da pista tinha ganhado corpo e estava mais arrumado. Ele era muito parecido com Joe. Não era muito alto, o cabelo loiro e o porte físico até atlético, porém os olhos eram azuis como os de Kate. Tão dóceis em sua mãe, e tão dolorosos nele.
Até pareceu que ele tinha sentido o meu olhar sobre si, quando virou a cabeça e me encarou. Ficamos assim por minutos, eu acho. Mike e Gregg estavam tão empolgados na comemoração que não perceberam que eu tinha parado de dançar. Ao lado dele estava uma mulher muito bem-vestida, além de ser uma loira muito bonita. Sem desviar o olhar de mim, ele falou algo em sua orelha e ela assentiu. Gabby, deixando o copo sobre a mesa, veio na minha direção com o semblante sério.
— Lili, quanto tempo! — ele falou mais alto para que eu pudesse escutar sobre a música. Dois anos se passaram e ele me vem com isso?
Quando eu estava a ponto de mandá-lo para o quinto dos infernos, senti uma mão firme em volta da minha cintura. No início achei que era um dos meninos, mas não; o toque era mais firme e, ao mesmo tempo, quente. Desviei o olhar de Gabriel para ver quem era, e tive uma surpresa ao perceber que era Blaine.
— Tire o olho da minha garota, cara. — buguei. Eu literalmente saí de órbita naquele momento. — Ou faço você engolir os dentes... — Blaine não precisava falar alto para ser ouvido. Ele tinha o timbre de voz grosso e rouco suficiente para ser ouvido.
— Desculpa, mas não estava de olho na sua garota como você deve estar pensando... — Gabriel deu um passo para trás, com medo, eu acho. — Somos velhos amigos — o quê?! Velhos amigos? — Só queria dar um oi.
— Oi — eu disse friamente e voltei a olhar para Gabriel da mesma forma que a minha voz saiu. Ele parecia nervoso com a forma como Blaine o encarava.
— É bom ver você depois desse tempo que passou...
— Tem algo interessante para falar com a Lili, Gabby? — Gregg entrou em ação. — Até onde eu saiba, você deveria estar de joelhos e pedindo perdão pelo que a fez passar....
— Tudo bem, Gregg. Vamos embora... — suspirei, tentando manter a calma.
— O que esse merda fez? — Blaine rosnou ao perguntar.
— Coisas que deveriam estar enterradas, Blaine — olhei para ele, mostrando o quanto aquela situação era constrangedora para mim. As pessoas a nossa volta já haviam começado a prestar atenção e tudo o que eu não queria era ser o assunto da cidade novamente.
— Você deveria ter vergonha de falar com ela, Gabby — Mike se aproximou de mim, encarando o homem que um dia achei que me amava.
— Já entendi — debochou Gabriel, colocando as mãos nos bolsos — não mexa com a Lili, Gabby... Não fale com a Lili, Gabby... Você fez muito mal a Lili, Gabby. Vocês acham que não escutei isso a tarde toda dos meus pais? Eu voltei. Aceitem isso. — como assim ele tinha voltado? Não! Ele não poderia voltar para a cidade, afinal, ele estava na universidade!
— Aceitar que você está na cidade tudo bem, mas que queira falar com a Lili e fingir que nada aconteceu, isso não. — rebateu Gregg, sendo segurado pelo braço por seu noivo. — É muita cara de pau sua, depois de tudo...
— Chega! — eu gritei o mais alto que pude. — Blaine, me tira daqui, por favor — eu tinha que sair daquele lugar barulhento, cheio de pessoas que presenciaram o meu sofrimento. Queria ir o mais longe possível.
— Como você quiser. — disse Blaine, atendendo ao meu pedido. Nem Gregg e nem Mike se opuseram a minha decisão de sair da boate com outra pessoa.
Eu nem senti que Blaine estava me conduzindo até chegar ao lado de fora, onde o som da música tinha ficado mais abafado e distante. Mil coisas se passaram na minha mente. E se Kate não tivesse ido resolver a questão da hipoteca da casa dela, e sim ter ido buscar o filho no aeroporto? Porque ela não me avisou que ele havia voltado? E como ficaria minha vida com Gabby todos os dias no café?
Merda, eu estava quase chorando.
— Lili? — Blaine me chamou gentilmente, já montado na moto. — Vamos, suba.
— Como sobe em uma moto com essa roupa e esse tipo de sapato?
— Não se preocupe, apoie o pé no pedal e passe a perna por cima. — explicou me passando o capacete. Assim que terminei de colocar o capacete subi na moto, evitando olhar para ele pelo retrovisor. — Segure firme na minha cintura.
Ainda bem que ele me avisou para segurar firme, ou eu teria voado para longe. Blaine sabia exatamente o que estava fazendo ao pilotar a moto, então eu pude me permitir chorar no trajeto. O mais curioso é que ele me levou para o único lugar que eu jamais teria imaginado: sua casa. Pensei que ele me levaria para um lugar aberto, ou sei lá no que pensei; tinha muita coisa pairando sobre a minha cabeça.
— Sua casa? — questionei, ao descer.
— Venha... — pediu quando também desceu da moto.
Em silêncio, e um pouco envergonhada por estar com aquele vestido minúsculo, segui-o. Cogitei ir até a minha casa e trocar de roupa, mas tinha medo de, assim que chegar na porta, Gabby aparecer por lá. E se eu tinha certeza de uma coisa era de que ele viria atrás de mim. Fosse lá qual o motivo real, eu teria de me assegurar que não o deixaria entrar na minha vida novamente. Independente da forma que tentasse.
Blaine abriu a porta de sua casa e logo em seguida cedeu espaço para que eu entrasse. Achei que o estilo da casa dele fosse mais dark ou algo parecido, mas não. Era quase tudo branco e muito organizado. O sofá em L, no canto da sala, era cor de vinho e ficava de frente para a tevê conectada a um sistema de som de última geração. Uma cozinha com uma linda ilha em mármore e armários ultrabrancos. A sala de jantar com uma mesa de vidro no centro e cadeiras cromadas, e, como não poderia faltar, com os assentos brancos. Dava até medo tocar em algo e estragar.
— A fábrica de alvejante deve ganhar uma grana com você... — tem coisa que a gente tenta segurar, porém sai naturalmente.
— Acho que sim. — ele esboçou um sorriso, enquanto ficava descalço.
Até que ele tinha os pés bonitos. Observei ele andar pela sala, seguindo em direção à cozinha, abrir a geladeira e colocar água em um copo e suco em outro. Parecia absurdo, mas eu narrava tudo em pensamento, tentando antecipar as ações dele.
— Então, quer conversar sobre o que aconteceu hoje na boate? — veio na minha direção, segurando um copo com um suco vermelho.
— É algo complicado do passado... — suspirei, ao me sentar no sofá ultraconfortável. Deus, eu poderia morar naquele sofá... Até parecia que eu estava deitada sobre as nuvens.
— Temos tempo. Não acho que seja um problema do seu passado, já que está afetando o seu futuro. Passado deveria permanecer lá, esquecido... — nossa, ele era bom mesmo. Blaine sentou ao meu lado, me entregando o copo com suco, mesmo que eu não o tivesse pedido. — Beba, vai gostar. Suco natural de morango, melancia e hortelã.
— Pensei que você me daria algo mais forte... — definitivamente, ele estava me surpreendendo — Não tem uma cerveja?
— Não bebo nada com teor alcoólico. — espere aí... Se ele não bebe, que diabos estava fazendo naquela boate?
— Você é algum tipo de serial killer? Me seguiu até a boate?
— Segui, mas não por ser um — suspirou. — Não sei o que me deu na cabeça. Eu apenas sabia que tinha de estar lá.
Como se eu fosse um animal prestes a fugir, ele se aproximou com cuidado. De cabeça baixa, começou a mexer os dedos da mão, parecendo estar nervoso. Que tipo de mulher fica perto de um cara que acabou de confessar que a seguiu? Eu! Congelei sentada no sofá e olhando para ele. Qual seria o seu próximo passo? Ele tentaria algo, ou ficaria apenas de cabeça baixa, refletindo?
— Eu não consigo parar de pensar em você, Lilith.
Certo. Aquelas palavras entraram na minha mente e ficaram se digladiando. De repente, comecei a escutar minha respiração mais pesada e o coração acelerou além do normal. Eu estava tendo um treco.
— Quero manter distância, e ser seu amigo. Estou tentando... Porém, está difícil.
— Tenho que ir para a minha casa. — falei rapidamente, me levantando, sem saber qual rumo realmente seguir. Não estava com cabeça para pensar em Blaine naquele momento. Os problemas estavam chegando a galope, um atrás do outro. — Blaine, não sei o que falar agora. Só preciso de um tempo para colocar meus sentimentos e pensamentos em ordem.
— Compreendo. — disse, com o tom de voz um pouco irritado.
— Olha, desculpa se deixei você chateado... — comecei, mas logo fui cortada.
— Eu não estou chateado com você, Lili. Estou comigo. Não é sua culpa... — levantou, andando até a porta por onde há poucos minutos eu tinha entrado e a abriu. Já sabia que aquela era uma dica para sair e me esconder na minha casa.
— Blaine... — resmunguei, quase resignada. — Se fosse em outra circunstância, não contaria até dez para tentar algo, e me permitir ser feliz... Só que, agora, não é tão fácil. E além do mais, ninguém se apaixona por outro na velocidade da luz...
— Você fala demais, Lilith. — falou apontando para o lado de fora. — Venha, vou te deixar em casa.
— Oh... Certo — passei por ele como um foguete, vermelha de vergonha por ter dito que ele seria minha opção de felicidade e mais envergonhada ainda por ter falado que ninguém se apaixona num estalar de dedos.
Caminhamos em silêncio até a minha casa. Foi a coisa mais constrangedora que senti. Eu queria ter falado algo, que também havia começado a sentir alguma coisa por ele, no entanto, o silêncio prevaleceu. Gabriel estava na cidade, e não que eu fosse ter algo com ele, mas pareceu errado começar algo quando ainda não tinha resolvido o passado. Assim que peguei as chaves da minha casa, Blaine me puxou para o canto da parede, me beijando. As chaves caíram no chão, e eu estava pouco ligando para elas. Tudo que eu sentia era a boca quente dele tomar conta da minha, enquanto suas mãos seguravam meu quadril com força. O ar me faltava a cada investida dele. Deus, era tão bom o beijo! O calor do seu corpo me esmagando contra a parede...
— Boa noite, Lili — disse de repente, saindo de perto de mim. Meu corpo estava em brasas. Eu mal conseguia juntar dois mais cinco, quanto mais me recompor. — Até amanhã, vizinha.
[1] Ato de fechar a glote voluntariamente para evitar engasgo. Engolir em seco. Engolir saliva.
Não estava tudo totalmente escuro enquanto eu caminhava pelo corredor; no final dele havia uma porta entreaberta. Flashes de luzes azuis e avermelhadas saíam pela abertura, e tudo que eu sentia era um arrepio de medo. Por algum motivo eu não conseguia me distanciar dali e ir embora. Pude ouvir gritos, mas estavam distantes de mim. Assim que abri a porta, vi o que realmente eram as luzes. De repente eu estava do lado de fora de uma casa que nunca tinha visto na vida, e precisei proteger meus olhos contra o ardor que as luzes lhes causavam. Com muita determinação olhei para o céu e vi bolas de fogo se chocarem. O que saíam delas não era apenas luzes, mas sim fogo. Labaredas azuladas, tomando conta de uma bola de fogo avermelhada. Em segundos, após tomar conta, algo foi lançado do céu. O fogo azul foi ficando mais brando e começou a descer rapidamente, enquanto eu corria na direçã
Quando cheguei em casa, a primeira coisa que fiz foi tomar um banho quente e tentar esquecer tudo. Se Gabby achava que voltaria à cidade e encontraria a mesma Lilith, se enganou. Os dois anos serviram para amadurecer a ideia de que ele tinha sido o erro que toda garota tem, antes de achar o seu “Acertei”. Eu respeitava muito os pais dele, no entanto, isso não significaria que eu seria bacana com ele também. Uma hora depois do banho, eu estava sentada no sofá da minha minúscula sala quando o telefone tocou.— Como foi o seu dia hoje, minha flor? — suspirei aliviada por ser meu amigo Gregg.— Terrível — contei a ele o problema de Joe, e assim como eu, ficou muito triste com a notícia. — Eu mesma fiquei sem chão. Fico imaginando tudo o que o Joe está sentindo e tentando esconder dela. Um amor assim, mesmo com a doença, é algo muito raro...—
Eu corria desesperada pela floresta escura. Meus pulmões estamos doloridos devido ao esforço que eu estava fazendo. A terra úmida nos meus pés era resultado da chuva tempestuosa que caía. O caminho era estreito; eu mal podia ver um palmo a minha frente e, mesmo assim, continuei a correr. Se eu não o fizesse, ele iria me alcançar e tudo estaria perdido. O medo tinha tomado conta do meu corpo, enquanto eu fugia para o mais longe possível. Não podia pedir socorro, afinal, quem escutaria meu grito no meio do nada? Ninguém.Às lágrimas se misturavam a água da chuva, que escorria pelo meu corpo. Tenho certeza que tinha sangue escorrendo no braço, resultado da queda que sofri ao despencar de um barranco. Não sei por que ele me perseguia, mas sabia que precisava fugir.No meio do caminho tropecei em algo e gritei com a dor. Não bastava eu ter me arrebentado no barran
Parei para refletir um pouco sobre tudo. Entender quem Blaine era na verdade não estava sendo fácil, e Deus sabe que eu estava tentando compreendê-lo. Acho que ele era aquele tipo de homem que guarda os sentimentos para si, e só se abre quando é realmente necessário. E parecia que tinha baixado a guarda para mim, me mostrando um lado que eu jamais cogitaria que tivesse. Lá no fundo, eu sabia que ele era o mesmo cara bruto que entrou no café naquela manhã. Só estava feliz por ele estar apaixonado por mim. Ainda não sabia até onde aquilo tudo iria nos levar, mas estava gostando do rumo que as coisas estavam tomando.— Fui ao hospital hoje... — falei mudando de assunto.— Como Joe está?— Acho que não quero pensar muito na dor que ele deve sentir, Gregg.— Eu entendo — meu amigo assentiu para mim, me oferecendo um sorriso de co
Não podia acreditar no que eu tinha acabado de escutar. Tinha que ser uma piada de muito mau gosto da parte dele. Dois anos depois ele me vem com essa? Queria confrontá-lo, mas não era o local certo. Eu sabia que se falasse algo para Gregg, ele seria o primeiro a enfiar um soco na cara daquele desgraçado. Seja lá o que Gabriel tivesse em mente, eu não daria confiança para ele.Respirei fundo, buscando forças para não desistir de tudo. Afinal, Kate precisava de mim naquele momento tão difícil. Minha manhã se resumiu a falar apenas o essencial com Gabby. Graças a Deus ele não tentou nenhum tipo de aproximação física ou seria capaz de perder o controle. Seis horas depois, eu estava fazendo a contagem de estoque e ele contabilizando o que tinha faturado no dia. Assim que deu o meu horário, tirei o meu avental e corri para pegar a minha bolsa
A sensação de frio percorreu meu corpo, devido à pouca roupa que estava usando. Senti que a qualquer momento o ar me faltaria; parecia que eu havia corrido por horas e agora estava sufocando. Alguma coisa estava errada; não era apenas o medo atravessando o meu corpo, algo dentro de mim me falava que não era para eu estar naquele lugar. A floresta era iluminada apenas pela luz do luar e, para onde eu olhasse, não se via nada além de árvores e arbustos.— Você tem que tomar uma decisão — disse uma voz masculina e rouca. Automaticamente me escondi dentro de um arbusto espinhoso, sentindo minha pele ser arranhada, sufocando o gemido de dor.— Não — a voz que respondeu eu conhecia. Me inclinei devagar para não fazer barulho, olhando entre as folhas para tentar enxergar algo, mas não consegui.— Irmão, sabemos o quanto é perigoso retard
Às nove horas em ponto a campainha tocou. Eu já tinha colocado o meu vestido azul decotado e bem marcado na cintura, que se ajustava bem ao meu corpo. Não era curto, ia apenas até dois dedos acima do joelho, alongando o meu corpo com a ajuda de um scarpin vermelho de salto bem alto. O ruim de ser baixinha é que você tem que maltratar seus pés com saltos como aqueles; valia a pena, mas os calos não. Fechei os olhos, parada de frente para a porta e respirei fundo antes de a abrir. Não poderia deixar que o que tinha acontecido com Gabriel prejudicasse a minha noite com os rapazes, e nem com Blaine.— Uau! — elogiou Blaine assim que abri a porta para ele. Seu olhar percorreu o meu corpo, e por algum motivo, aquilo me deixou com vergonha. — Eu tenho uma namorada muito gostosa. — sorriu, vindo na minha direção, me pegando pela cintura e suspendendo meu corpo co
A dor da despedida é um sentimento forte que nos consome por inteiro.Depois do velório de Joe, não apareci no café para ver mais ninguém. Não queria mais fazer parte de nada. Os únicos que me faziam companhia eram Blaine, Gregg e Mike. Não saí de casa por uma semana inteira. Só a ideia de comer uma torta já me deixava deprimida. Sabe, uma hora a dor passa, porém, quando a lembrança volta, os sentimentos que estavam guardados voltam duas vezes pior. Talvez eu não sentisse o mesmo se um dia perdesse o meu pai, o que parecia muito cruel da minha parte, mas era a pura verdade. O senhor Noah Chandler não era bem o pai do ano, e nem vou falar da minha mãe, que por sinal podia ser pior que ele. Os dois são religiosos fanáticos e me davam nos nervos todas as vezes em que os visitava, e isso não acontecia muito.“Vamos sair?” –