mês de julho passou rápido. Do dia 20 até o dia 29, Anya visitava as amigas, e aproveitava para passearem no centro de Bergen, festavam, faziam piquenique, passavam tardes ensolaradas fazendo churrasco, foram para algumas casas de montanha, as tais famosas hytta. Ela estudava onde quer que fosse, escrevia, trabalhava até às 15 horas, ia para a casa dela ou das amigas depois do trabalho. Martin foi para a casa da família, uns dias com o pai em Austevoll e uns dias com a mãe em Tysnes.
Ele fazia massagem nos pés dela quando ela chegava cansada, faziam comida juntos, limpavam a casa, ouviam as músicas preferidas. Estavam começando a construir uma bolha só deles. Ela até tentava não gostar dele, tinha sempre em mente que ela não gostava do sexo com ele, e que a relação era só uma chuva passageira, uma distração, e que brevemente em agosto os dois iriam cada qual para o seu lado.
O telefone dela tocou e ela falou para que ele atendesse informando que estava ocupada, no banheiro. Era Noah. Martin ficou enciumado, por isso não falou nada. Noah desligou.
— Quem era?
— Seu amigo Noah.
— Tudo bem? Quer falar sobre isso?
— Ele sabe que você não o quer ou você fica dando esperanças?
— Não brinco de dar esperanças a ninguém. Não se brinca com os sentimentos das pessoas. Não é certo, não é legal.
— Desculpa. Só não entendo a insistência dele quando você me disse que já falou várias vezes que não queria ser namorada dele.
— Você já me ouviu conversar com ele e sabe que eu não dou esperanças. Apenas sou gentil com quem é gentil comigo. Você leu todas as milhares de mensagens que trocamos, então qual é a dúvida?
— Ele é muito bonzinho, muito educado, uma pessoa muito maravilhosa e muito prestativa. Ele está apaixonado, eu não estou, e isso é tudo. Não quero e não vou magoá-lo. Não tem necessidade você compreende?
— Sim.
— Qualquer dia desses vou falar com ele no telefone e lhe dizer umas boas verdades.
— Está com ciúmes?
— Não.
— Está sim.
Então os dois começaram de novo a guerra de cócegas e a correr atrás um do outro feito crianças, fazendo brincadeiras e rindo.
— Olha aqui, Martin. Leia todas as minhas mensagens de novo, e-mails, snaps, o que você quiser, leia do início até onde conseguir. Não preciso te mostrar nada, é pessoal, só dizem respeito a mim e a ele, a ninguém mais. Não te devo satisfações, você sabe. Disse que não estamos juntos. Me diz isso toda hora. Mas eu não tenho nada a esconder, então pega logo esse telefone de vez.
Martin pegou o telefone dela e ficou lendo tudo, vendo tudo o que podia enquanto ela tomava banho, arrumava-se e se vestia. Anya achava que seria bom ele ler tudo o que tinha no telefone dela. Assim veria que ela estava solteira não por falta de opção, assim como ele, mas por vontade. Ela achava que era um bom momento para quebrar o orgulho e o ar de soberba que ele ostentava. Às vezes Martin se comportava como se Anya devesse levantar as mãos para o céu por estar ficando com um cara que nem ele. Na verdade, ela era muito mais bonita e carismática do que ele. Quando Anya voltou para o quarto, Martin continuava a bisbilhotação no telefone dela.
— Médicos, pilotos, empresários… 28 anos, 40 anos?
— Você bisbilhotou meu telefone inteiro? Essa foto aí, com o médico, foi tirada hoje, é meu amigo do trabalho, somos amigos no F******k.
— Sim.
— Que bom, assim você vai ver que sempre que estou em casa é porque quero, sempre que escolho estudar, ao invés de passear, não é porque sou uma solteirona qualquer que ninguém quer. E você se acha demais às vezes, que é militar, que tem isso e aquilo, que pode isso e aquilo. Mas na verdade, Martin, eu que sou diferente.
— Bisbilhotou minhas fotos?
— Sim.
— Fui casada por muitos anos.
— Com um homem rico?
— Meus três ex-maridos eram muito ricos. O primeiro, com quem fui casada por 6 anos, no Brasil, era o mais rico de todos. O segundo, um norueguês que conheci no Brasil, empresário, era mais rico que o terceiro, e o terceiro, um norueguês que conheci aqui, era razoavelmente, ele é master graduado em engenharia marítima. Chefe disso e aquilo e não sei lá mais quantas.
Ela contava tudo isso revirando os olhos, fazendo mímicas com os títulos de seus ex. Ele ria.
— Eu me casei no cartório e na igreja, com festa para mais de 100 pessoas, com tudo que um casamento pode ter.
— Por que separou?
— Meus ex-maridos não conversavam comigo assim como um casal normal, eram muito cheios de si, “Daianne não faça isso, não faça aquilo, não beba, não fume, não use roupa de rapper de favela”, era tudo muito formal. Era um casamento, não era amor.
— Como?
— Não tinha cócegas, não tinha luta corporal, não tinha briga de comida, não tinha muitas coisinhas simples, que são as que me fazem feliz. Eu quero amor de filme. Quero um amor de verdade e simples.
— Eles te deram tudo e você os deixou. Mais cedo ou mais tarde você vai me deixar.
— Nossa, que paranoia. Não posso deixar o que não tenho. Não é assim? “Ohhhh nunca vou ter o seu amor; ohhh nunca vamos ser mais que isso, duas pessoas que se encontram às vezes e fazem sexo e que não tem nada uma com a outra”. São suas regras. Não reclama depois. Sou muito boa em seguir regras, fiz isso a vida toda!
Martin se perguntava por que ela se mudou para a Noruega, como conheceu seu marido norueguês no Brasil, onde o conheceu, o que ela fazia no Brasil antes de mudar. Cada dia mais ele queria saber do passado dela, de toda a vida dela, até da infância. Anya não contava as dores dela, os traumas e os problemas nem para as amigas. E não confiava nele o bastante para contar esse tipo de coisas. Ela o achava imaturo nesse aspecto. Ele vivia numa bolha que nada podia entrar ou sair, era o mundo que ele construíra. Só que essa bolha era tão frágil que podia explodir a qualquer momento. Ele não queria saber de problemas, nem estava habituado aos problemas reais de terceiro mundo. Pobre menino rico!
Dia 29 de julho, sexta-feira. Os dois cada vez menos estavam saindo para as baladas. Quando saíam era para dançar. Não viam nada nem ninguém ao redor, dançavam até cansar e voltavam para casa dele.
— Você quer sair, Martin?
— Só se você quiser.
— Eu quero se você quiser.
— Você gostar de dançar.
— Gosto. Mas por mim podemos ficar em casa. Não é importante sair.
— Para mim é a mesma coisa.
— Para mim também.
Eles tinham esse tipo de discussão toda vez que iam sair. Vamos ou não vamos, eis a questão! E muitas das vezes acabavam em casa mesmo. Como daquela vez.
Então Anya foi visitar outra amiga em Fyllingsdalen, queria dar-lhe um pouco de espaço, falava para ele ligar para alguém, visitar um amigo, fazer reuniões em sua casa. Mas ele sempre tinha uma desculpa. No dia seguinte Anya tinha um aniversário para ir, em Sotra, na casa de outra amiga que costumava dar festas de Halloween. Martin não quis ir. Ele foi para Sotra também, mas foi para se encontrar com um velho amigo da escola naval.
ϸ ϸ ϸ
Os dois trocaram mensagens, falaram o quanto estavam se divertindo, e estava tudo bem. Quando a noite foi ficando longa, Martin já bêbado e as respectivas festas em que se encontravam, chegando ao fim, os dois se falaram no telefone e ouve um mal-entendido entre eles. Anya queria muito ir com ele para a festa dos amigos dele, conhecer as pessoas com quem ele convivia; essa reunião ficava bem perto de onde ela estava, mas Martin nunca a convidou diretamente. Como não queria forçar uma barra foi para a casa de sua amiga. Quando eles se falaram ao telefone, no fim das suas festas, ele comentou que ela deveria ter ido lá. Que não era tão divertido sair sem ela. Anya amou ouvir aquilo e se ofereceu para ir buscá-lo de carro, se ele quisesse uma carona. Martin disse que ela podia ir, entrar e falar com todo mundo, para que seus amigos a conhecessem. Ficou combinado então, que iria buscá-lo, mas que não poderia ficar na festa, mas não avisou que era por ter que trabalhar de manhã bem cedo no dia seguinte.
Chateado, o homem afirmou que não queria mais que ela fosse buscá-lo por não querer se aproveitar dela fazendo-a dirigir tão longe e tão tarde só para isso. Ela entendeu e aceitou, dirigiu então de Sotra para sua casa. Horas mais tarde, ele ligou, quando ela já estava deitada e demonstrou muita insatisfação pelo fato de ela não querer ter ido cumprimentar seus amigos. Falou que Anya só queria que ele ficasse no meio das amigas dela, só ele tinha que se adaptar ao mundo dela. Anya não sabe nem como, nem quando aquilo virou uma discussão, mas quanto mais ela tentava explicar pior era entendida. O desacordo virou uma briga, o que a entristeceu. Dormiu agarrada com seu travesseiro no meio de lágrimas. A intenção dela era de que ele ficasse à vontade com os amigos, e que se caso quisesse, ela o teria buscado de carro, dado uma carona, nada mais que isso.
No dia seguinte ela ligou para ele depois do trabalho, mas não foi atendida, nem respondeu à mensagem dela. Sempre que algo o incomodava ele dava um gelo nela. Bastava que Anya dissesse uma palavra que ele não gostasse, ou qualquer outra coisa desse tipo. Ela se corroía toda por dentro quando ele ficava bem estranho, ou se não respondesse uma mensagem, mas isso era tudo, ela também não podia fazer mais nada. Então depois do trabalho ela foi almoçar na casa de uma amiga que morava próximo à casa dela. Lá estavam vários casais. Inclusive Martin tinha sido convidado, mas recusou. O almoço foi muito agradável, as pessoas eram divertidas, Anya esqueceu um pouco do lado negativo da vida quando estava com as pessoas da sua mesma cultura. Eram 4 casais, as brasileiras e seus maridos noruegueses. Anya se sentia um pouco solitária quando ia a esses encontros, pois na maioria das vezes estava desacompanhada.
Por volta de sete horas da noite o telefone dela tocou, era ele. Eles se cumprimentaram, perguntaram se estavam bem um ao outro, e ela falou onde estava, Martin falou que poderia ir buscá-la, mas não poderia ficar muito tempo, poderia entrar e cumprimentar as pessoas, ficar um pouco por educação. Assim fez, chegou muito educado, sentou-se um pouco na varanda, o tempo agradável colaborava para que as pessoas estivessem de bom humor, e depois eles foram para o cinema.
O |
aniversário do pai de Martin chegou e ele estava indo para uma ilha chamada Austevoll, onde seu pai morava, isso ficava a uma hora e meia de Bergen. Anya resolveu fazer uma torta de abacaxi para que ele levasse na visita. Era 2 de agosto, uma terça-feira, quando ela tirou a foto da torta. Comprou uma camisa cinza, da Jean Paul, no Laksevåg Shopping, mais cedo e embrulhou como presente. Martin ficou muito grato com isso, mas perguntou para ela assim meio sem graça:
— O que eu vou dizer para eles? Meu irmão vai estar lá, minha irmã. Eles sabem que eu não fiz essa torta e que não comprei esse presente.
Anya respondeu que ele poderia dizer a verdade, que foi uma amiga latina. — Ah, Martin, você pode até nunca ter apresentado uma namorada aos seus amigos ou familiares, mas com certeza eles sabem que você não é homossexual. Então qual o problema de eles pensarem que você esteve com uma mulher e que ela ajudou você nisso? Relaxa.
— Mas eles vão especular.
— E vão te encher de perguntas?
— Não.
— Então pronto.
Anya quase sempre ia direto do trabalho para a casa dele, já que seus filhos estavam de férias viajando para outra cidade. Durante o período escolar, quando estavam em casa, ficava mais em casa, mas as crianças também estavam sempre fora, com os amigos, ou . Ela os levava de um lado para o outro, quando eles precisavam de carona. Afinal de contas era verão na Noruega e ninguém ficava em casa quando o tempo está tão bom.
Entre um passeio e outro, os dois estavam sempre tirando fotos, ela tinha uma foto de cada passeio, de cada evento especial. , sempre preocupados em agradar um ao outro, mas não podia passar disso. Anya não podia falar qualquer coisa que tivesse a ver com os dois no futuro, ou falar de sentimentos, que Martin logo acabava com o assunto. Então ela não tentava, já que ele foi honesto desde o primeiro dia de encontro, e ela aceitou as regras. Pura inocência de uma pessoa achar que no amor tem regras a serem seguidas.
5 de agosto de 2016, sexta-feira.
Anya foi convidada para outro aniversário, dessa vez em Lepsøy. Passou uma tarde maravilhosa com suas amigas brasileiras, enquanto Martin estava fora de Bergen com a família. Ele até ligou para perguntar como ela estava, o que foi uma grande novidade no relacionamento deles, já que normalmente só o fazia quando queria conversar ou marcar algo. Ela gostou muito dessa novidade.
No domingo eles voltaram a ficar juntos e foram fazer suas caminhadas. Explorando a cidade de Bergen, aproveitando a beleza de uma cidade tão linda e com a natureza tão resplandecente. Por exemplo, os nativos acham estranho alguém que eles não conheciam iniciar uma conversa em lugares como paradas de ônibus, dentro de um ônibus, ou até mesmo no trabalho, escola. Já para os brasileiros isso era muito comum no Brasil.
13 de agosto de 2016, sábado.
Martin tinha um convite, para uma exposição de artes, de um conhecido, a galeria ficava no meio de Bergen. Ele nunca avisava nada para ela com antecedência, por isso Anya nunca sabia de seus planos, ou ele contava em cima da hora, ou nem contava. Ela não podia cobrar nem reclamar de nada disso, mas em compensação ela sempre contava tudo com mínimos detalhes e com bastante antecedência.
No mesmo dia da exposição era o aniversário da filha de sua amiga Marta, em Fyllingsdalen, num local de festas. Então em sua cabeça estava tudo bem, Martin iria para sua exposição de artes e ela para sua festa. Os dois se arrumaram juntos, ele até já estava gostando quando ela escolhia roupas que ficariam melhor nele:
— Olha só, ele quer que eu escolha a roupa dele! — Ele sorriu com a brincadeira. — Já sou quase uma esposa. — Martin ficou tão subitamente sério que a desconcertou. — Nossa, estou só brincando, relaxa. Se eu quisesse estar casada ainda estaria. Ou se quisesse casar de novo, casaria. Não busco um casamento. Não me vejo sofrendo o resto da vida com suas mudanças de humor repentinas. Você é bipolar, Martin. — Ele riu mais uma vez.
Na verdade, quase todas as mulheres do mundo quando amavam um homem o queriam para vida toda. Não há muitas maneiras de distinguir amor e a vontade de ficar junto.
Depois de tudo o que Anya já passou nessa vida, claro que gostaria de ter encontrado um amor para vida toda. Um amor calmo como águas tranquilas, um melhor amigo para todas as horas, um amor sem barreiras, sem preconceito. Mas como convencer seu coração de que todos os mágicos momentos que experimentava com aquele rapaz, eram apenas momentos que ela não deveria dar importância para não se machucar? Como travar uma batalha sentimental dentro do seu próprio peito, dentro da sua própria mente? Como não resultar em danos? Anya já estava com medo da dor. Não por covardia, não por desistir facilmente, mas a vida já havia causado muitos machucados que ela não queria abrir novamente. Tinha medo de tentar e sofrer outra vez. Por mais que se perdesse naqueles olhos azuis vibrantes, ela se esforçava ao máximo tentando se encontrar, resgatar-se no próprio mundo de ilusões. Como se seu ego, sua consciência lhe falasse ao ouvido, dando conselhos e palavras de conforto.
Os dois estavam prontos, lindos e bem arrumados. Ele vestido com uma camisa azul-anil, umas calças pretas, de linho e um cinto social da marinha, com uma fivela larga, dourada envelhecida, muito bonita, combinando perfeitamente. Sapatos pretos de couro.
— Azul é a sua cor! Combina muito com seus olhos! — ela disse.
Então azul passaria ser a cor predileta dele também.
Martin a ajudou com seu casaco, entregou sua bolsa de mão, ajudou a fechar as fivelas do sapato de salto alto. Ela sorria um largo e iluminado sorriso, que podia iluminar e refletir do seu rosto até a alma. Que jogo perigoso esse que ele fazia com ela. Não se trata uma mulher como se ela fosse a coisa mais importante do mundo se, na verdade, não a considerasse dessa maneira. Era uma grande covardia!
Foram caminhando de mãos dadas até o carro dele. Um furgão velho, branco, com um pouco de ferrugem em alguns cantos da parte inferior das portas. Ele a parou, abriu a porta do carro para ela e a ajudou a subir. Então foram até à exposição de artes. Ela achou tudo muito incrível. Ficou maravilhada com as pinturas. Se pudesse, teria comprado vários. Martin gostava da empolgação dela com as mais simples coisas do dia-a-dia. Às vezes ele repetia que seus amigos tinham muito o que aprender com ela, inclusive ele.
Depois da exposição, foram até o aniversário de Lena, a filha de Marta. Lá estavam muitas brasileiras que viviam em Bergen. Anya tinha uma admiração pela beleza das mulheres de seu país. Para ela, as brasileiras eram as mulheres mais bonitas do mundo, pois gostavam de se arrumar, de cuidar da pele, cabelo, unhas, roupas. Eram dedicadas e ocupadas com a beleza, não só do corpo, mas de casa, comida e dos demais.
O aniversário era quase um desfile, de tantas diferentes belezas num só lugar. Muitas brasileiras que eram metade norueguesas estavam lá.
No Brasil não é como a Noruega, que separa bem as faixas etárias das pessoas que convivem, que festejam juntas. Jovens de 16 anos só andam com jovens de 16 anos, até em festas públicas, pubs, a faixa etária muitas vezes não pode passar, por exemplo de 25, varia muito. Talvez isso acontecesse para não misturar mocinhas novas com velhos tarados que podem se aproveitar delas enquanto bêbadas.
A noite foi muito agradável, Anya o apresentou para todos da festa, ele se enturmou rápido, de repente estava conversando com várias pessoas. Tudo estava bem e terminou bem naquela noite fantástica entre os dois.
No decorrer da semana, 16 de agosto, ele até a levou para passear de moto. Estacionaram em frente ao Zacharias Bryggen e foram andar pela cidade que estava cheia de gente e o clima estava muito convidativo!
O |
filho caçula de Anya, Elias, estava com ela em Bergen. Ele morou com ela até que começou na escola de enfermagem no ano anterior, até quase os 9 anos, quando pediu para seu ex-marido, seu primeiro marido norueguês, que seus filhos mais velhos chamavam de pai, cuidasse dele, enquanto ela terminava a escola, pois teria que viajar muito e trabalhar nos fins de semana para poder manter seu orçamento equilibrado. Pois bem, Elias estava na cidade para ir ao concerto do DJ Kygo, um músico que havia ficado muito famoso na Noruega e até fora do país. Anya convidou Martin para ir com eles e ele aceitou. Eles se encontraram no local do show, Koengen, ao lado do castelo medieval no forte de Bergen. Eram 6 da tarde e outra atração havia começado o aquecimento para o show, como chovia Martin comprou umas capas de chuvas para eles. Os três se sentaram no gramado, com as capas de chuva, e Anya fez uma espécie de cabana, Martin segurava uma ponta e ela outra, enquanto Elias se deitava à vontade entre os dois, brincando em seu telefone, bebendo refrigerante e esperando pela grande atração da noite.
Aquilo foi incrível! Foi inesquecível!
Anya, Martin e Elias embaixo de uma cabana improvisada, no meio de uma chuva forte e que cada vez mais aumentava, em um show superlotado no centro de Koengen. Os três riam, Elias adorando toda aquela brincadeira, afinal tinha 9 anos e estava no primeiro show de sua vida, protegido da chuva e do frio, enquanto esperava por seu artista preferido aparecer.
Martin a olhava encantado, maravilhado do fato deles estarem fazendo aquilo. Anya era assim meio “louquinha”, então para ela era bem comum e prático fazer coisas desse tipo para seus filhos, amigos e amores. Ela estava feliz por estar com ele ali. E por ele ser tão disposto a mergulhar de cabeça nas loucuras dela. De vez em quando eles colocavam a cabeça para fora da bolha verde deles feita de capas plásticas, e viam só os pés da multidão. Depois de um bom tempo a chuva e o vento frio passaram.
Assim é a Noruega, de repente você pode vivenciar as quatro estações do ano num só dia.
Anya lembrava que às vezes estava fazendo sol antes de ela entrar num túnel longo, enquanto dirigia, e ao sair do túnel, ou estava chovendo, ou nevando. Foi isso, o tempo melhorou, a chuva passou um pouco, ficou bem fraca e aos poucos passou de vez. O céu até ficou bonito e limpo!
Martin encontrou alguns amigos e amigas da marinha, ficou um pouco com eles. Anya encontrou uma amiga brasileira, que havia convidado e dado um bilhete para que ela viesse para o show também, Anya pensou que ele ia ficar de longe a olhando enquanto estava com os amigos. Por um momento pensou que ele estava com vergonha de apresentá-la, pois demorou uma eternidade até se aproximar dela e a apresentar para os seus amigos. Elias já havia ido até ele várias vezes, e foi assim que eles se aproximaram dela e da amiga. Elias em pouco tempo sabia o nome de todas as pessoas, quando Kygo entrou no palco os amigos de Martin revessavam quem carregava Elias nos ombros para que ele visse todo o show. Anya ficou maravilhada! Ela era só sorrisos. E aos poucos Martin foi chegando também. A envolvendo pela cintura por trás dela e curtindo o show junto a ela.
Anya entendia que ele nunca apresentara uma namorada a nenhum dos amigos e que ele era muito tímido. Ela deu a ele espaço. O concerto foi muito bom, a alegria das pessoas era contagiante. Quando o show terminou os três foram para a casa de Anya, Martin e Elias adormeceram no quarto dela. A cama dela era uma queen size, enorme, que acomodaria facilmente quatro pessoas. Seu edredom também era único, do tamanho da cama. Mesmo assim ela dormiu no cantinho da cama, quase caindo, porque os dois adormecidos tomaram todo o espaço. Havia quatro quartos na casa de Anya, mas falta de cama ou quarto não foi o motivo pelo qual ela escolhera não os acordar. Ela simplesmente os achou tão lindos dormindo ali, que não teve coragem de acabar com esse momento.
No dia seguinte, Martin e Elias já eram melhores amigos. Ele saiu com Elias para caçar Pokémon, e Anya não podia acreditar em tal entrosamento. Os dois só falavam do jogo infantil mais popular da época, Pokémon Go. Eles pareciam estar se dando muito bem, e isso de alguma forma confortava o coração dela. Anya apesar de não esperar nada dele, assim achava inevitável que não se sentisse feliz e aliviada por Martin estar chegando mais próximo de seus filhos, sem preconceito.
A |
nya estava de volta em Førde para continuar seu ano letivo na faculdade de enfermagem. Ela amava estudar, mas estava um pouco triste por se distanciar de Bergen, e de Martin. Afinal de contas seus filhos estavam em Bergen, sua casa, suas amigas, seu trabalho e Martin estava em Bergen. Ela estava perdida em suas lembranças, conversando com seus pensamentos, lembrando de como ele havia agido diferente no domingo em que ela teria que viajar de volta a Førde por causa da escola.
ϸ ϸ ϸ
Anya estava sempre participando de algo com as amigas, planejando um aniversário, participando de um batizado, de uma confirmação, casamento, aniversários de bodas de 30 anos, de 40 anos, etc., aniversários de casamentos e assim por diante. Quando optava por ficar tranquila na casa dele, somente com a presença dele, era porque gostava de sua companhia, não porque fosse dependente, acomodada ou solitária. Mas nem tudo eram flores. Aquele domingo foi um dos dias que ele estava tendo uma crise de bipolaridade. Às vezes, Martin mudava de humor de repente, ficava sério, não falava ou começava a andar de um lado para outro. Mal respondia o que ela perguntava. Anya sempre vinha com sua voz baixinha, mansa, formulando o que ia dizer, perguntava se ele queria ficar sozinho, se queria que ela fosse para casa. Ele respondia que não sabia. Que estava sem paciência de ficar trancado dentro de casa o tempo todo com ela.
— Isso não é verdade. Não ficamos trancados dentro de casa sem fazer nada. Eu dou aulas de zumba, duas ou três vezes por semana, eu trabalho, você trabalha, eu leio muito, você estuda português, estamos sempre em algum evento, caminhamos, estamos sempre fazendo algo.
Então ele disparou: — Acho que estamos junto demais.
— Estamos mesmo — respondeu ela. — Eu posso ficar mais na minha casa quando vier para Bergen nos fins de semana, Martin.
— Eu gosto de ficar com você. Mas às vezes você é muito pra mim. Não estou acostumado a ficar todo tempo com alguém. Preciso do meu espaço, preciso fazer coisas de homens com homens, preciso de um pouco de liberdade, respirar, não porque não quero estar com você, Anya, mas apenas porque preciso disso. E você não entende isso. Você precisa estar sempre com alguém.
— Eu entendo você, Martin. Já falamos sobre isso milhares de vezes. Eu falo pra você que você pode conversar comigo. Acha um jeito, mede as palavras e chegamos sempre a um acordo. Eu sempre estou falando pra você sair com os amigos, pra ligar pra eles e marcar algo.
— Não. Você está sempre comigo e fica zangada quando eu estou longe de você.
— É comum querer ficar perto, mas não é o fim do mundo, nem precisa ter uma discussão por isso. Você sempre espera ficar totalmente sem paciência e começar a se comportar estranhamente pra poder dizer o que está sentindo.
— É, eu sou assim. Sou estranho.
— Tudo bem, Martin. Vou embora.
Anya começou a pôr a sua jaqueta, seu sapato para ir embora.
— Toda vez que discutimos você se arruma para ir embora, Anya.
— Você me enlouquece, Martin. Me deixa muito confusa. Eu não sei o que você quer, e tudo o que eu faço é porque eu acho que estou fazendo o que você quer.
— Não quero que você vá embora.
— Então peça pra eu ficar.
Ele riu. — Fica.
— Tá bom, eu fico um pouco mais, mas tenho que dirigir pra Førde, são 3 horas de carro. Mas só se você me prometer que vai tentar se abrir mais, conversar, dizer o que sente. Eu sou sua amiga, você compreende?
— Sim.
— Vai dirigir, vai correr, vai treinar, você tem livre acesso aos centros de treinamento que pertencem à marinha e tem um aqui bem perto da sua casa. Faz algo com essa impaciência, Martin. Já estão cada vez mais frequentes.
— Eu sei.
Ele saiu de carro. Foi dirigir. Foi buscar sushi. Rimou.
Quando Anya estava em Førde, ela morava com sua amiga peruana, na casa do ex-marido dela. Um caso longo e complicado. Eles não eram mais um casal, mas moravam juntos. Ele era uma pessoa muito boa, e aceitava que as duas ficassem lá. Anya contara tudo para essa amiga. Sobre a complicada relação amorosa de verão que ela viveu. Ou ainda estava vivendo.
A semana foi se arrastando como se as horas do relógio não passassem. Martin não mandava mensagem, Anya até já havia mandado ‘boa noite’, ‘bom dia’, mas ele mal respondia às mensagens dela. Ela já sabia que eles iam terminar, estava sentindo que ele queria terminar, ela estava sofrendo, pois gostava muito dele. Apesar de saber que não eram namorados, ela ainda não estava conseguindo lhe dar com aquela situação sem envolver raiva, sentimento de rejeição, saudades, dor.
Anya estudava, visitava outras amigas em Førde, sua amiga Thaila, em Vevring, em Florø e adjacências. Ela participava das atividades do grupo da escola como boliche, bingo, vôlei, etc. Tinha um boliche marcado com as pessoas da escola na semana seguinte. Voltou para Bergen, no dia 25 de agosto, uma quinta-feira, e foi ao dentista buscar seu aparelho ortodôntico. Quando Anya sofreu violência física de seu ex, ele apertou tanto o queixo dela quando estava caída no chão que deslocou a parte inferior. Devido à isso Anya, teve que pagar muitas consultas no hospital central de Bergen, para uma cirurgia no queixo, além de um dentista particular. Ela teria que ficar usando esse aparelho transparente, uma prótese de plástico por muito tempo até corrigir o problema. Também não conseguia abrir muito a boca e sentia dores todas as manhãs. Quando Anya chegou no apartamento de Martin para que conversassem sobre o fim do namoro, o caso do aparelho se tornou uma brincadeira. Ela escondia dele, ele queria ver. O aparelho grudou nos dentes dela de uma tal forma que não saía por nada no mundo, como ela ia comer? Eles riam e aquilo ali virou motivo de muitas gargalhadas. Os dois riram tanto que não havia mais clima para brigas. Afinal, ela tinha ido lá para que eles de certa forma fossem brigar. Pois iriam sentar e se despedir. Ele a ajudou a retirar aquele aparelho depois de muita tentativa e esforço. Era de morrer de rir.
Então, depois de passarem o dia juntos, eles se sentaram para conversar e ele falou que não podiam mais continuar com aquilo que estavam vivendo. Falou aquelas famosas frases típicas de homens quando estão querendo terminar uma relação, que ela era linda, “mas ela era linda mesmo”, e ela respondia:
— Sou linda mesmo.
Ele dizia que ele não era bom para ela, que ele não era a pessoa certa para ela, e ela dizia:
— Eu sei disso.
Ele continuava meio chocado com as respostas: Dizia que ela com certeza ia arrumar uma pessoa muito melhor, Anya concordava com tudo que ele estava dizendo, dizia:
— Eu sei que você não é a pessoa certa para mim, eu sei que vou conhecer alguém melhor.
Ela aceitou o fim do “namoro”. Ela de frente a Martin, no sofá da casa dele, na pequena sala. Estava bem arrumada e pronta para sair, ele a olhava bastante e depois de muitos abraços de despedida ela não resistiu e começou a chorar sem parar, um choro sentido, as lágrimas não paravam, e ele limpava as lágrimas dela, ela tentava parar, mas não conseguia:
— Eu estou chorando porque você veio me adular, abraçar, falar coisas bonitas e de repente pareceu muito triste. Mas eu concordo com você. Eu sei que nós nunca vamos dar um passo adiante, e mais cedo ou mais tarde você iria pular fora, que seja agora então enquanto vou estar um ano em Førde estudando. Melhor agora que depois, quando eu estivesse mais envolvida com você.
Ele também estava visivelmente se esforçando para não chorar, para não fraquejar. Estava muito triste e inquieto.
— Não me arrependo de nada que vivi com você, Anya. Aprendi muitas coisas que vou levar comigo pra sempre.
— Eu também, Martin. Foi muito bom ter conhecido você.
Era inevitável não se desmanchar em choro. Ela estava sentindo uma tristeza tão grande, mas tão grande, que a sufocava por dentro. Era uma dor física que invadia a alma. Depois de muito tempo se despedindo Anya reuniu forças e foi embora. Ele a acompanhou até a porta, ela se foi. Ela parou no caminho, nas escadarias do prédio dele para tentar se recompor, ficou muito tempo ali sentada sozinha, sem conseguir parar de chorar. Não sabia o que fazer para parar aquele choro. Depois que não havia mais o que chorar ela levantou e foi embora, mas quando começou a dirigir voltou a chorar até chegar em casa.
O passar dos dias, chegou o final de semana, 27 de agosto. Anya foi se resgatar na casa das amigas mais uma vez. Não se tratava de estar festando o tempo todo, ela nem podia por questões financeiras e por conta do trabalho e da escola, mas procurava manter sua mente e seu foco o máximo possível longe das tristezas que a corroíam por dentro. Na verdade, estava fugindo de um colapso. Tinha muito medo de ficar em casa e se entregar a uma depressão. Não queria sofrer muito. Estando com as amigas ela somente ria. Era muito divertido estar com elas. Algumas brasileiras se reuniram na casa de uma delas, que era muito receptiva e muito querida por todas, Crysla, morava entre Loddefjord e Fyllingsdalen, não muito longe da casa de Anya. Elas como sempre fizeram comida juntas, beberam, foi um dia de risos e comédia, pois todas tiraram sarro da cara de Anya por causa do aparelho transparente dela que ela não conseguia remover sozinha quando tinha que comer. No final das contas o marido dessa amiga que ofereceu o almoço em sua casa é que teve que ir retirá-lo no banheiro.
No finzinho de noite elas resolveram sair um pouco para dançar na noitada de Bergen. Foram para o Tonga Bar e estavam se divertindo bastante. Dessa vez Anya se encontrou também com a moça que morava em sua casa, Maria. Sua inquilina. Elas não eram amigas, mas mantinham uma relação muito amigável por morarem juntas. Martin e essa inquilina não se suportaram desde o dia em que se viram. Anya não sabe o porquê, apenas que os dois retorciam um pouco o rosto um para o outro, e depois do episódio dele ter praticamente expulsado ela de sua casa, o clima só piorou.
Anya curtia a noite de patroa com as amigas quando Martin mandou uma mensagem para ela. Os dois começaram a se perguntar como estavam, onde estavam, e ele a convidou para ir ao encontro dele, com os amigos num clube de artes que se chama Landmarka, ao lado do Festplassen, Storvatn, onde os eventos públicos costumavam acontecer. Anya revolveu ir até lá, rapidinho, para ver como estava a festa, despediu-se de todas e falou que voltaria em pouco tempo, só queria ir conferir a outra festa. Maria, a inquilina de Anya, decidiu acompanhá-la até onde estava Martin.
Chegando ao clube Anya pagou a entrada das duas e elas entraram para procurá-lo. Não o acharam e elas foram comprar um drink. Depois de andarem um pouco entre a multidão conseguiram encontrá-lo com seus amigos e com Magnus. de Martin. Elas foram até eles e os cumprimentaram. Martin de repente começou com seu comportamento estranho de bipolaridade. Ele mal as cumprimentou e de repente sumiu. Anya ficou sem entender nada. e nada, nem sinal de Martin. Maria já estava conversando com Magnus e os dois pareciam estar flertando um com o outro. Anya saiu a procura de Martin e o viu conversando com uma garota norueguesa. Até então para ela estava tudo bem, os dois não estavam juntos, Anya só não entendeu o porquê dele a ter convidado para sair da festa onde ela estava com as amigas, para ir encontrá-lo nessa festa se ele não queria estar com ela.
Anya não foi até eles. Martin não a viu. Ela voltou para perto de Maria e Magnus e contou para Maria que ele estava lá conversando com uma garota num clima bem íntimo. Então as duas foram dançar. Uns amigos de Magnus que estavam perto começaram a dançar com elas também. Um deles estava dançando até mais empolgado com Anya do que os outros, abertamente flertando com ela, segurando a cintura e tentando uma aproximação corporal. Quando Anya até havia esquecido que Martin era um babaca que estava flertando com outra na mesma festa que ele a havia convidado para estar perdida em meio aos ritmos da música que embalava à noite, hip hop, ela o percebeu em pé olhando-a. Anya estava quase beijando o rapaz atrevidinho, que a puxava o tempo todo para perto do rosto dele, quando Martin se aproximou dos dois. Anya então saiu daquele local de dança e retornou para onde Maria e Magnus estavam. Mais uma surpresa. Eles estavam se beijando! Maria e Magnus estavam bem empolgados num beijo que nem a perceberam ali. Quando a perceberam, Martin também se aproximou com uma expressão em seu rosto que parecia que ia explodir. Anya falou para Maria que ela poderia ficar ali com Magnus, mas que ela precisava ir. Não queria continuar ali olhando para aquele idiota, Martin.
As duas começaram a vestir suas jaquetas, os amigos de Magnus perguntando porque elas já estavam indo, alguns pediram para que ficassem, e quando Anya estava de saída, percebeu Martin a olhando com um olhar tão sério, uma expressão psicótica em seu rosto, como se tivesse direito de estar com raiva de alguma coisa.
— Que idiota, que babaca, esse menino! Ainda fica ali nos encarando como se ele fosse o quê? Vamos, Anya, vamos embora antes que esse babaca nos tire do sério — Maria falou.
Anya fechou o último botão de sua jaqueta e quando já estava indo, virou, olhou bem séria nos olhos de Martin e lhe mostrou o dedo do meio. Todos que estavam com ele e Magnus viram. Então ela se foi, com Maria, para o apartamento de um dos pretendentes de Maria, um rapaz que era meio que namorado dela. Anya estava mal. Chegando lá ela não conseguia parar de chorar, o acompanhante de Maria ofereceu um chá, até estava um pouco preocupado, consolou-a um pouco com um papo cabeça de homem, e foi para seu quarto com Maria. Anya estava muito triste. Ninguém entendia a razão de ela chorar tanto. Na verdade, ela estava botando para fora todo o choro que não havia chorado desde 25 de junho. Anya só queria chorar até suas lágrimas secarem, mais nada. Pensava em mil coisas ao mesmo tempo, na divisão dos bens, com seu ex-marido, pensava no prejuízo que estava tendo com seus ex, no quanto estava mal na escola. Pensava no quanto ela estava frágil.
Antes de Maria ir dormir com seu amigo, avisou para Anya que as duas só tinham 2 horas para dormir, que logo teriam que sair, pois ela teria que ir trabalhar. Anya estava com o rosto todo inchado de chorar, estava de vestido colado e salto, a maquiagem toda borrada, os cabelos desfeitos. Ela não tinha dinheiro para pagar um táxi para retornar para a casa de sua amiga Crysla.
Passada as duas horas, Maria saiu arrumada do quarto de seu amigo e apressou Anya, que olhou seu estado no espelho do banheiro e resolveu telefonar para Martin. Ele atendeu no primeiro chamado. Eram 7 horas da manhã. Ela explicou que estava no centro, na casa de um namorado de Maria, e que não tinha como pegar um táxi e que não ia embora do jeito que estava, que o motivo de ela estar ligando para ele, é que a culpa de estar lá, com o rosto inchado, toda descabelada e a maquiagem borrada era dele. Se não fosse por ele não teria saído do Tonga Bar e não teria sofrido nenhum abalo emocional, que com certeza já estaria numa cama quentinha com as amigas. Ele então foi buscá-la no centro, do lado do prédio da polícia central de Bergen.
Ele a levou até a casa de Crysla. Os dois quase não se falaram durante o caminho até lá. Quando ela desceu do carro ele desceu também, os dois se abraçaram fortemente por um bom tempo, ela chorou ainda mais no ombro dele, teve a impressão de que ele também estava chorando, mas não tentou ver. Então Martin falou adeus, ela disse adeus e saiu em direção à casa da amiga sem olhar para trás.
Chegando na casa da amiga as duas ficaram conversando o resto do dia. Crysla foi uma amiga maravilhosa nesse dia. Fez de tudo para que Anya sorrisse e as duas tiveram bons momentos juntas. No fim da tarde chegaram algumas outras amigas que iriam continuar com os ensaios para a apresentação de cancã.
De volta a Førde, Anya era só tristeza. Estava muito machucada, sentida com a vida, com o mundo, com tudo. O esgotamento mental e físico estava tomando conta do seu dia a dia. A sorte dela era que estava sempre rodeada de boas amigas, que a ajudavam a esquecer os problemas. Anya lia o tempo todo e ensaiava entre uma pausa e outra. Martin e ela continuaram a se falar uma vez ou outra ao telefone. Falavam-se como amigos. No decorrer da semana, Martin enviou uma mensagem, falando que foi muito bom a ter conhecido, mas que os dois nunca ficariam juntos porque ele nunca ia ser o primeiro em nada na vida dela. Que ela já tinha um passado, filhos, histórias, e que ele não aceitava isso.
Anya respondeu tudo o que há muito tempo estava entalado em sua garganta. Ela o chamou de ‘pobre menino velho e infantil’, que havia esquecido de crescer. Escreveu que ele era um Peter Pan envelhecido, que não era mais um adolescente, mas se comportava como um! Disse ainda que quem não precisava dele era ela, acostumada com homens de atitude, não um playboyzinho que fazia de conta que era o rei da Noruega. Os dois trocaram diversos SMS desse tipo durante o dia todo. Anya escreveu numa de suas respostas, que ela era muito feliz com os filhos dela, ao contrário dele que tinha uma vida vazia e que quando ficasse velho ninguém iria se quer visitá-lo num asilo.
Ela escreveu mensagens enormes com tudo aquilo que há muito tempo sentira vontade de lhe jogar na cara! Numa das mensagens havia esse desabafo: “Compra um enorme espelho para você se ver dos pés à cabeça. Para toda vez que você achar que é mais importante do que uma estrangeira, só porque é mãe de três filhos, que trabalha e estuda, e dá duro para viver, você cair na real e ver quanto vazio você é garoto! Você não é nada! Você não é nada a mais que um simples solteiro procurando sexo sem compromisso, e que acha que é rico. Você nem sabe a diferença de ser rico ou pobre. Eu sim. Eu era pobre no Brasil, e fui casada com três homens ricos de verdade, e posso te dizer que estou vivendo a época mais feliz da minha vida toda, como solteira, apesar de tudo que já me aconteceu. Eu tenho orgulho de mim e dos meus filhos, e meus filhos serão tão fortes e tão bem-sucedidos quanto eu! Eles já têm pai, inclusive dois, o de sangue e o padrasto norueguês. E não somos como você que tivemos mamãe e papai que te colocou numa escola militar para brincar de soldadinho de chumbo! Nem assim você virou mais homem! Esquece que eu e meus filhos existimos! Volta para a creche de onde você saiu. Adeus. Me deixa em paz.”
Martin a respondeu de volta, falando que ela era muito impulsiva, e que os dois não davam certo, que ela não era esportista, só queria ficar em casa, e que estava atrasando-o nos seus treinos, falando que seus treinos eram muito importante na sua profissão, que eles tinham grupos de competição e depois que a conheceu estava se sentindo despreparado. Escreveu que ela queria um homem para sustentá-la. Deu como exemplo as vezes que teve de pagar um cinema ou uma bebida para ela numa festa.
Anya ficou tão furiosa, mas tão furiosa, que não queria mais discutir com ele. Pediu que a deixasse em paz, pois ela estava voltando para seu ex. Era melhor ele parar de m****r mensagens.
Com o passar da semana continuaram trocando mensagens, só que mais brandas, desejando felicidades um ao outro, sorte, pedindo desculpas pelo que os dois haviam escrito, e até falando um adeus com muito carinho, sempre ressaltando que foi muito bom terem se conhecido, que não se arrependiam de nada, mas que os dois estavam cientes que um não havia sido feito para o outro. Ele não era o homem decidido que ela esperava encontrar para passar o resto da vida junto. Nem ela era a garota solteira, atlética e rica que ele esperava.
Anya então resolveu responder às mensagens de Noah, que desde que as aulas recomeçaram não parara de m****r mensagens ou ligar. Anya foi se encontrar com ele num café, os dois conversaram bastante e ela falou para ele que quem sabe dessa vez os dois poderiam tentar se conhecer melhor nos meses que viriam. Noah era o tipo de príncipe encantado que qualquer mulher sonha em encontrar um dia. Ele era alto, tinha 1,85. Era solteiro, sem ex, sem filhos, morava sozinho em seu castelo, tinha um bom trabalho, era formado e ao contrário de Martin, ele era muito comunicativo, muito doce e muito ingênuo apesar de ter a mesma idade que Anya.
Noah era o cara ideal para Anya, sem sombra de dúvidas. Era um cara para casar e construir uma vida ao lado. Seria seu melhor amigo e confidente, o melhor companheiro. Ela não quis falar sobre Martin para Noah. Não porque tivesse algo a esconder, mas achava que era muita bagagem que carregava consigo durante esses últimos meses. Muita confusão amorosa em apenas 4 meses. Achava que não tinha o direito de chegar despejando tudo aquilo em cima de outra pessoa, que achava muito doce, muito meigo, um amor de pessoa. Ela iria contar sim toda a sua vida para ele, mas no momento certo.
Chegando o fim de semana novamente Anya estava de volta em Bergen e decidiu, com as amigas, que iam viajar para Oslo no dia 15 de setembro. Iriam para um minicruzeiro de fim de semana. Todas se ocuparam em achar os bilhetes aéreos, de barco e formar o grupo de viagens. Assim o final de semana foi passando muito rápido. Apesar de Anya não conseguir tirar Martin dos seus pensamentos, sabia que só o tempo iria ajudá-la nisso.
Martin saiu com os amigos na sexta-feira, 2 de setembro, e no dia seguinte. Anya trabalhava, estudava e ensaiava com as amigas. Então, no sábado resolveu parar de chorar e sair com uma amiga antiga do curso de norueguês. As aulas dela não seriam obrigatórias naquela semana então ficaria em Bergen, em casa, lendo para um exame. Maísa era o nome da amiga. Elas foram para o Zacharias Bryggen onde estava tendo um concerto de piano na parte do piano-bar e diferentes discotecas nos andares de cima.
Martin mandou uma mensagem para ela, perguntando se estava na rua. Quando ela respondeu que estava no Zaken, ele disse que não sabia que ela gostava daquele tipo de música. Anya o surpreendeu quando disse que era bom provar novas coisas. Então, Martin disse que estava indo lá e ela concordou. Ele foi com um amigo, e ela apresentou sua amiga. O clima entre Anya e Martin ainda era de muito romance. O jeito que se olhavam constrangia as pessoas ao redor. Pareciam imãs. Uma atração física que puxava um para o outro, ninguém mais ali existia. Ele se sentou ao redor da mesa dela com seu amigo e ela foi buscar um drink para eles. Quando voltou para a mesa, um rapaz muito bonito que já estava flertando com ela desde a hora que chegaram, aproximou-se e a tirou para dançar. Ela aceitou. E dançaram umas três músicas sem parar. Ele beijou a mão dela, veio até a mesa e perguntou se ela queria uma bebida. Ela recusou. O rapaz se apresentou aos demais na mesa e foi buscar uma bebida para ele, acenou para ela do bar e voltou a sentar com seus amigos.
— É seu novo namorado?
— Não posso ter um novo namorado se eu não tinha namorado nenhum antes.
Martin tinha aquele olhar apertando os olhos e os lábios quando estava com ciúmes, mas não admitia. Ele tirou Anya para dançar também. Os dois dançaram bastante aquela noite. Era difícil para ela resistir a ele. Ela sabe o quanto ele a fez chorar e sofrer, mas o que fazer com essa alegria que conforta seu peito toda vez que está ao lado dele? Quando está ao lado dele não existe nenhum outro lugar no mundo que desejasse estar. Embora ela soubesse da dor que era ficar sem ele depois, pois ela quase morrera de tanta saudade quando terminaram, ainda assim não sabia como agir quando ele estava perto, ela só via Martin, só queria estar ali com ele. O medo dela era que ele se fosse de novo, então ele a convidou para ir para a casa dele. Ela sabia que não deveria ir, mas não tinha como dizer não, se não tivesse aceitado, ela sabia que teria passado o resto da noite se torturando e chorando em sua cama.
Acabaram passando a noite e o resto do dia seguinte juntos, só dormiram juntos, Anya não conseguiu ter relações sexuais com ele e ele compreendeu. Dormiram bem agarrados um com o outro, e Anya não entendia nada direito, pois a forma que ele a abraçava era como se ele também tivesse sofrido bastante com a ausência dela. Depois que acordaram foram passear.
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4 de setembro de 2016. Os dois foram passear numa das montanhas mais conhecidas de Bergen, a Stoltzen. Uma escadaria sem fim até o topo, mas que paga cada passo dado, cada fôlego perdido ao longo da subida, a paisagem lá de cima deveria ser vendida como colírio para os olhos.— Ah, se meus olhos pudessem bater fotos! — falou Anya quando teve o prazer de contemplar as paisagens nórdicas da Noruega. Ela se deslumbrava com tamanha beleza! Saltitava de alegria com as paisagens que via, namorava com a natureza. Às vezes parava o carro só para ficar dois minutinhos conversando com o silêncio, contemplando aquelas imagens que mais pareciam ter sido pintados a óleo. — Deus, como és maravilhoso! — Martin sempre a ouvia dizer isso. E já sabia a tradução. O sol estava todo empolgado com seus raios reluzentes, todo amostrado com seu brilho resplandecente! — Que maravilha! Não há lugar tão belo quanto a Noruega nos seus dias ensolarados de verão! — Você diz
8 de outubro de 2016, sábado. Finalmente chegou o grande dia da apresentação de cancã e samba que as cinco amigas tinham se dedicado tanto a ensaiar. Palco montado, convidados a postos, tudo pronto. Elas tinham camarim, frutas e champagne. Luzes, espelhos, cabides para as fantasias. Sua amiga Clara havia feito tudo nos mínimos detalhes, e acima de tudo com muito amor por seu marido. Essa seria não só uma homenagem de brasileiras para os demais convidados, mas uma declaração de amor de Clara para seu marido Ola. Ao chegar no local Anya usava com um vestido de época, em tecido marfim, cheio de babados brancos e uma calda. O traje tinha um corset embutido e usava também um chapéu de cowboy e uma pistola. Suas botas faziam parte do traje, convertido com véu e veludo da mesma cor do vestido. A decoração da festa estava deslumbrante, um dos detalhes eram sacolas de dinheiro, estilo velho oeste, espalhados pelo chão, próximo ao mural de fotos. Os convidados
4 de novembro de 2016, sexta-feira. Anya estava em seu quarto, em casa, no terceiro andar. Rodeada de livros e com o minilaptopminilaptop que Martin emprestou para ela escrever seus artigos da escola. Quando de repente sem ela menos esperar ele entrou porta a dentroadentro. Ela ficou muito surpresa, jamais esperava ele ali, ele não avisou nada que estava voltando do mar. Ele estava fardado, com seu uniforme azul de marinheiro, pôs sua mochila no chão e a puxou pelo os pés de uma tal forma que ela veio parar na borda da cama. Ela estava usando um de seus vestidos de casa e ele se ajoelhou tão rapidamente e levantou a roupa dela retirando-a do seu caminho, rasgando a calcinha dela em mil pedaços em frações de segundos, que ela não sabia como reagir. Antes que ela terminasse a frase “Eu quero tomar um banho antes”, já estava sentindo aquela boca quente e molhada entre suas pernas, sugando com tanta vontade, como se nunca tivesse feito aquilo antes na vida, que ela mal c
19 de dezembro de 2016, segunda-feiraDe volta à rotina de Bergen, Anya foi comer sushi com os filhos, eles adoravam fazer programas juntos, ir ao cinema, restaurantes, viajar e passavam horas conversando sobre todos os assuntos. Martin a encontrou mais à noite para assistirem Star Wars no cinema. De longe, pareciam o casal perfeito, ela fazendo gracinhas, ele rindo das tonteiras dela, sempre tirava fotos dela e quem via de longe não poderia imaginar que havia uma sombra ameaçando os dois. Anya sentia como se ele escondesse algo em seu coração. Sabe aquele velho ditado: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço? Ele falava que estava tudo bem, às vezes aparentava estar satisfeito, mas em certos momentos parecia que a máscara iria cair. Do jeito que ela era gentil, era capaz de apanhar a máscara para ele pôr de volta. Ele parecia estar de malu humor no cinema. Ela tentava quebrara o gelo: — Ah, eu sei que nenhum outro filme vai ser como no dia que viemo
8 de janeiro de 2017, domingoDepois de uma semana de muito cansaço para organizar o ninho de amor do casal, finalmente um dia de descanso, sem móveis para montar, sem nada para fazer. Anya e Martin só queriam curtir o seu domingo de paz e silêncio jiboiando de frente à tv e achar alguma coisa interessante para assistirem, quando de repente o telefone de Anya tocou. Martin estava na cozinha terminando de preparar o almoço. Ela atendeu o telefone. Era uma menina que morava em Portugal, mas que às vezes estava em Bergen, uma amiga de uma amiga de uma amiga de outra amiga. Anya não a conhecia, e nem era sua amiga, mas já estivera com ela algumas vezes na companhia de outras pessoas. O nome dela era Fiona. Ela estava pedindo um enorme favor para Anya, contou uma história mal contada, dramática, falou que tinha vindo de Portugal encontrar alguém em Bergen, e que havia acontecido um desentendimento por conta de ciúmes, então ela tinha ficado na rua, com fome, cansada, com f
Omês de fevereiro chegou ainda mais rápido para ajudar os dois a superar as negatividades e os altos e baixos dessa relação. Em 14 de fevereiro, Dia dos Namorados na Noruega e em muitos outros países da Europa e USA – diferente do Brasil que comemora o Dia dos Namorados em 12 de junho. Anya já tinha reservado bilhetes para assistirem a à estreia do segundo filme de Christian Grey, para eles dois e um casal de amigos que moravam no centro de Bergen, perto do cinema. Martin a convidou para jantar no restaurante preferido dela, para se encher de comer sushi até não aguentar mais. Depois foram para a casa do outro casal que iam acompanhá-los ao cinema, Dalila e Kalib.Chegando na casa de Dalila, ela ainda não estava pronta e todos se sentaram na sala e esperando Kalib chegar do trabalho. O namorado dela estava sempre trabalhando. Quando Dalila saiu de seu quarto, trouxe com ela uma enorme cesta de presentes, coberta com um plástico transparente e amarrada com um laç
Quando Anya tinha tempo para ficar em casa, depois deapós ter lido muito para alguma prova da escola, ela ainda encontrava tempo para ter ideias, como, por exemplo, fazer um aniversário surpresa para Martin. Isso mesmo. Estavam no mês de fevereiro e ela resolveu entrar em contato com a mãe, o pai e o irmão para ouvir suas respectivas opiniões. Todos concordaram e gostaram muito da ideia. Todos se disponibilizaram a ajudá-la, inclusive Marcus , o melhor amigo de Martin que morava na casa dele.Anya adorava participar desse tipo de surpresa. Ela era muito detalhista e criativa. Suas amigas sempre contavam com ela quando se tratava desses assuntos, pois sabiam que ela se alegrava até mais que os aniversariantes. Ela entrou em contato com todos os amigos da lista que Marcus criou, eles fizeram um grupo no Facebook e convidaram todos que podiam. Ela queria uma festa grande, ele estaria completando 31 anos de idade, e como na Noruega as pessoas costumam comemorar a festa d
Anya estava engajada em sua vidinha de mãe solteira moderna. Trabalhando e estudando 4 dias por semana. Embora uma semana tivesse só sete, ela transformava a quinta-feira em dois dias, ficava na faculdade até meio-dia e dirigia de 2 horas e meia a três para estar no trabalho em Bergen, às 15 horas da tarde do mesmo dia. Por sorte seus filhos já eram grandes, quase 17 e 16, já que o de 10, Elias, morava com o pai. Anya também sempre tinha alguém adulto morando com ela para ajudá-la com as crianças em sua ausência. Nas sextas-feiras, sábados e domingos geralmente ela trabalhava a noite e podia dormir até tarde no outro dia. Assim como foi esse fim de semana após dias sem notícias alguma de Martin, isso foi até o dia 16 de março, uma quinta-feira. Anya saiu do trabalho, no centro de Bergen, que ficava bem atrás da estação de trem, e foi visitar sua amiga Dalila, a mesma que tinha um apartamento na rua do cinema. Anya estava bem, sorridente, descontraída, quando o telefone dela tocou e