Naquela manhã, quando Karla chegou ao seu consultório, foi-lhe anunciado que uma visita lhe aguardava desde bem cedo. Tratava-se de Vitor que estaria ali para esclarecer algumas questões de ordem pessoal, visto que depois do último desentendimento em razão de suas constantes ausências ficaram incomunicáveis e, apesar dos muitos telefonemas, não foi por ela atendido. A presença inesperada do namorado pareceu incomodá-la:
― Eu poderia saber qual a razão desta visita ao meu local de trabalho, assim tão cedo?
― Bom dia, minha querida! A resposta é bem simples: Se a montanha não vai até Maomé, ele irá até ela
― Pois então que sejas breve em seu discurso, Vitor, pois tenho muito o que fazer por aqui!
― Pelo que me consta você confiou a mim a responsabilidade de dar prosseguimento a administração deste instituto porque queria se dedicar mais ao atendimento direto ao público nas comunidades mais carentes, fazendo um trabalho social que admito considerar impor
Na noite daquele mesmo dia Roberta ousou visitar Karla para tentar se redimir de suas atitudes que a levaram a envolver-se sexualmente com ela, reconhecendo que fez proveito de seu momento de carência afetiva, usando suas experiências de conquista para influenciá-la neste sentido. Porém, o resultado não foi o esperado e ao bater à porta do apartamento da amiga foi surpreendida com seu brusco rompante: ― Como ainda ousa vir aqui depois do que me fez? Por favor, retire-se e não me procure mais! ― Calma, amiga, vamos conversar! ― Você se aproveitou de meu momento de fraqueza para usar nossa amizade afim de despertar em mim desejos imundos que eu abomino, e por fraqueza me deixei dominar, mas não quero mais voltar a praticar tal coisa em minha vida, por isso fique bem longe de mim e leve com você essa maldição! Ao proferir estas palavras fechou a porta com grande ímpeto e a visita saiu dali envergonhada, seu olhar contemplava o piso em porcelanato e
Era um sábado, o calor da tarde naquela época do ano era intenso, principalmente numa região de clima árido, André e Karla retornavam à casa de Sueli e Alberto, era o filho pródigo buscando mais uma vez a paz com seus familiares. Foi sua mãe quem os avistou primeiro, correndo e os abraçando com muita ternura. Ao se aproximarem do pátio puderam avistar um homem idoso sentado numa cadeira de balanço, cuja estrutura era de ferro, mas revestida de material artesanal. Bastante confortável, ele movimentava-se nela lentamente, num balançar tranquilo, admirando as diversas plantas no quintal. Sueli avisou-lhes que se tratava de Alberto que a vários meses permanecia naquela situação depois de ser acometido de Alzheimer, parte de seu corpo paralisou e sequer conseguia falar. André se aproximou cauteloso, o homem tinha o olhar congelado, firmado nas arvores que dançavam com o suave soprar do vento, ele se ajoelha na frente do pai que parecia distante dali, e lhe fala carinhosam
André era o caçula de uma família radicalmente religiosa, composta por quatro pessoas: Sua mãe, uma assistente social de amplo reconhecimento pelos serviços públicos prestados em favor dos menores infratores, por quem não media esforços para libertá-los das drogas e do mundo do crime, onde viviam às margens da sociedade. Seu pai, um pastor evangélico ortodoxo, extremamente rígido quanto a moralidade e os costumes litúrgicos de sua igreja, e Rogério, seu irmão mais velho que o desprezava por causa de sua homossexualidade. Os dois filhos do casal foram desde cedo educados de acordo com a doutrina cristã pentecostal imposta pelo líder religioso. Preparando-os para no futuro darem continuidade a seu ministério pastoral. Porém, ele jamais foi totalmente aceito e amado pelo pai, devido seu jeito afeminado que lhe tornava diferente do outro irmão. Os desentendimentos eram constantes entre o casal por conta disso e o clima familiar era quase sempre insuportável:<
Na análise da futura psicóloga o homossexualismo é uma condição reversível do caráter humano, um estágio opcional da sua sexualidade que poderá ser mudada, no momento em que o homem ou a mulher decidem dizer "não" a este desejo contrário à sua própria natureza, e procura convencê-lo disso: ― Você, como outras pessoas, pode até ter nascido com tendência homossexual, mas isto não quer dizer que são obrigados a viverem em tais condições, é uma escolha, uma opção ― Mas como dizer não a um desejo que queima dentro de nós? Como ter forças para ir de encontro a essa vontade louca que sentimos de nos envolver a outras pessoas semelhantes a nós, ao invés do sexo oposto? Você não faz ideia do quanto é difícil lutarmos contra nós mesmos, é uma batalha na qual quase sempre perdemos ― André, já somos amigos a algum tempo, você hoje tem dezesseis anos e manteve-se esse tempo todo sem qualquer envolvimento sexual, seja como homossexual ou não, ainda está puro, virgem.
― Então porque não desiste desta condição vergonhosa e assume seu lado masculino?― Você fala como se fosse algo fácil de fazer― Pode não ser fácil, mas com certeza não é impossível, basta esforço. A homossexualidade é apenas uma declinação psicológica, uma falha moral que vem na bagagem ao nascermos e que, ao não ser praticada desaparece por completo de nossas vidas, é apenas um desejo contido na sexualidade do homem ou da mulher que deve ser combatida com veemência― Você parece ter mesmo nascido para ser uma psicóloga, sabe convencer seus pacientes de que realmente podem mudar o rumo de suas vidas― Não estou tentando apenas convencê-lo desta verdade, mas também lhe fazer entender que todos nós, seres humanos, temos poder de mudar aquilo que somos, independentemente do que venha a se
― Bom que você veio, já estava morrendo de saudades. ―Também andei pensando muito em você, para mim isso é ainda muito estranho ― Porquê? ― Logo eu, um gay, parecendo está apaixonado pela melhor amiga? ― Você não é mais um gay, meu bem, é um homem normal como qualquer outro ― Agradeço o incentivo. Mas deixa eu te contar as novidades: Advinha quem apareceu de repente no restaurante hoje cedo? ― Nem faço ideia, me fala ― O Henrique! ― De quem você está falando? ― Daquele meu primeiro amigo, quando ainda morava na casa de meus pais ― Desculpe, não recordo se ter lhe ouvido falar algo a respeito ― Eu lhe falei dele algumas vezes. O que devo lhe contar é que ele surgiu do nada, conversamos e depois fomos para meu apartamento, onde ficamos relembrando os velhos tempos ― Que bom, amor, as vezes é bom relembrar o passado ― Mas acontec
Era uma belíssima tarde de verão, o sol se deitava sobre o rio e o olhar da moça descansava sobre o sereno movimento das águas, quando um desconhecido se aproxima da pequena orla às margens do Guajará e ao longe ela o observa, um homem elegante, pensativo e com um ar de tristeza que o deixava distante dali, mesmo estando presente a poucos metros de onde ela estava. Tudo indicava que aquele encontro não era nada casual, o destino traçava mais um de seus vários planos para levar a personagem da história que ele mesmo criou a viver mais uma grande aventura. O homem elegante e de semblante triste, que se manteve recostado no parapeito feito à base de massa e tijolos, cujos traços de expressões espalhados pelo olhar cansado e sem esperança chamava-se Vítor, e vinha de um passado feito de grandes decepções no amor. Ela observava em silêncio, admirando-o em segredo. Depois de algum tempo, percebendo que ele parecia distante em seus próprios pensamentos,