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Capítulo 2 – Mudança

Na análise da futura psicóloga o homossexualismo é uma condição reversível do caráter humano, um estágio opcional da sua sexualidade que poderá ser mudada, no momento em que o homem ou a mulher decidem dizer "não" a este desejo contrário à sua própria natureza, e procura convencê-lo disso:

― Você, como outras pessoas, pode até ter nascido com tendência homossexual, mas isto não quer dizer que são obrigados a viverem em tais condições, é uma escolha, uma opção

― Mas como dizer não a um desejo que queima dentro de nós? Como ter forças para ir de encontro a essa vontade louca que sentimos de nos envolver a outras pessoas semelhantes a nós, ao invés do sexo oposto? Você não faz ideia do quanto é difícil lutarmos contra nós mesmos, é uma batalha na qual quase sempre perdemos

― André, já somos amigos a algum tempo, você hoje tem dezesseis anos e manteve-se esse tempo todo sem qualquer envolvimento sexual, seja como homossexual ou não, ainda está puro, virgem.

Diferente daqueles que foram mais fracos e cederam de primeira aos desejos que sentiam. Isto significa dizer que ainda há uma grande possibilidade de você vencer esta inclinação pérfida do seu ser.

― Você sabe o quanto te admiro e acho legal esse seu jeito de estar sempre tentando mudar as pessoas, mas eu sou como sou e nada, nem ninguém, vai poder me fazer ser diferente. Nasci assim, estranho, diferente dos outros rapazes, com aparência de homem e jeito de mulher. Entenda que o homossexualismo não é uma doença que tomamos um remédio e logo ficamos curados, isso é personalidade, trazemos na bagagem, quando nascemos

 ― Não concordo com este conceito e provar que seu raciocínio a respeito de si mesmo está errado. Olhe-se num espelho e veja: Você é um homem e nasceu para viver como tal, então pare de se deixar vencer por essa falsa aparência de mulher e reaja, lute, seja aquilo para o qual Deus te predestinou, diga não a este desejo impuro que te impulsiona a querer agir tão vergonhosamente!

― Você é terrivelmente persistente com as coisas, sabia?

― Tem razão, amigo, quando decido fazer algo não desisto facilmente, e vou fazer de tudo para mudar este conceito errôneo que faz de si próprio. Você é um homem, apesar desse jeito afeminado, e vou te ajudar a se convencer disso

― Está bem, sua chata, sei que não vai adiantar discutir, mas por enquanto ainda me sinto mulher e pode ir parando com esse papo de paixão.

Porque não vai rolar!

― Isso é o que veremos!

Aquele era o período em que acontecia na cidade o Círio de Nazaré. Considerada uma das maiores festas católicas do Brasil, onde reuniam-se milhares de pessoas vindas de todas as partes do país. Durante o evento, que geralmente durava três dias de festividades, sendo o domingo voltado a passeata dos devotos em procissão, as famílias reuniam-se em seus lares, juntamente com parentes e amigos, para juntos festejarem a tradição.

 André foi educado num lar cristão, mas havia se decepcionado com a forma preconceituosa pela qual foi tratado, exatamente por aqueles que se identificavam como filhos de Deus e que ensinavam a respeito do amor de Cristo. Assim, mudou seus conceitos e tornou-se católico.

 Acompanhando a amiga nas missas e participando da festa do Círio naquela ocasião e estranhava a maneira como os romeiros faziam seus sacrifícios, pagando supostos milagres recebidos pela santa.  Passou a frequentar novos ambientes, fez novos amigos e de repente aquela antiga vida de escárnios e humilhações foi deixando de existir.

 Sueli visitava o filho periodicamente e o incentivava a continuar seus estudos e a jamais desistir de lutar por seus sonhos. Alberto e Rogério, pareciam tê-lo esquecido por completo, sequer perguntavam por ele. Enquanto dava continuidade a longa jornada que o destino lhe reservou, a seu lado permanecia a insistente amiga que fazia de tudo para mantê-lo firme.

Longe de qualquer amizade com outros rapazes. Muitas vezes chegou até enfrentá-los com fúria, defendendo-o de suas insinuações, sempre cobrando duro para que ele reagisse contra seu desejo contrário a natureza e fosse determinado a querer assumir a masculinidade que existia dentro dele. E aos poucos ela já vislumbrava resultados positivos, principalmente no que dizia respeito a seu jeito afeminado, depois de muita luta André dava sinais de progresso e portava-se de forma mais masculina.

 O tempo passou bem rapidamente e Karla foi para a faculdade cursar psicologia, enquanto ele decidiu envolver-se mais nos negócios dos tios. O convívio entre eles era tranquilo e passaram a trabalhar lado a lado nos restaurantes que possuíam. Aos poucos passou a ter interesse por culinária e aos dezoito anos já dominava bem a arte de preparar pratos com receitas diversificadas, o que despertou-lhe o desejo de se especializar na área, tornando-se um excelente chefe, expandindo os negócios da nova família que o acolheu, quatro anos mais tarde, Karla concluída com êxito seu curso de psicologia.  Montava seu consultório e atendia os primeiros clientes. E ele, ficava muitíssimo conhecido por toda a sociedade paraense por causa de seus admiráveis dotes culinários.

Diante disso, os tios entregaram em sua responsabilidade os restaurantes, que multiplicou para seis maiores, visitados diuturnamente pelos mais conceituados nomes sociais e sua fama ultrapassou fronteiras, espalhando-se por vários estados. E alcançou os países vizinhos, levando-o a receber elogios de críticos importantes e alguns prêmios por suas conquistas gastronômicas.

Era uma noite fria de luar incomparável, e os dois amigos dividiam o mesmo sentimento de vitória:

― Finalmente conseguimos conquistar nossos ideais, meu amigo. Eu, me tornei a psicóloga que sempre sonhei e olha você, quem diria, o maior chef de cozinha desta região

― Ei, não apenas desta região, mas do Brasil e de vários países vizinhos, esquece de quantos prémios já conquistei?

― Desculpe seu chato, é verdade, você chegou longe!

― E tudo foi assim, de repente!

― É o destino de cada pessoa, meu amigo, quando está escrito acontece e ninguém pode impedir. Olhe só sua trajetória: Nasceu numa família da qual parecia não pertencer, eram cheios de preconceitos com sua maneira de ser. Depois de muita humilhação por parte do pai que amava mais a religião do que o próprio filho e do irmão egocêntrico, foi amparado pelos tios, que não tinham nenhum herdeiro, se tornou este chef importante e agora é dono desta rede de restaurantes visitados pela alta sociedade. Veja como são as coisas, querido, simplesmente inexplicável!

 ― Sim, de um pobre afeminado, rejeitado por todos, expulso de casa e sem sequer o direito de frequentar a igreja onde cresci, cantando com os outros garotos no coral infantil, por ser gay, agora sou respeitado por todos

 ― E ainda por cima melhorou aquele jeitinho esquisito de menina, parou mais com o rebolado!

 ― Deixa de ser sarcástica, sua chata, nem era tanto assim!

 ― Ah, não? Pois saiba que às vezes ficava difícil saber se era André ou Andréia!

 ― Que ódio de você, amiga, para com isso!

 ― Está certo, parei a brincadeira, mas me diz uma coisa: Apesar de eu pegar bastante no teu pé para evitar que tivesse qualquer experiência homossexual, você por acaso não resistiu e cedeu?

  ― Claro que não. Fui tentado várias vezes, sim, mas resisti. Teve ocasiões em que quase cedi, uma vez fui ao apartamento de um cara e lá quase rolou, mas na hora H eu saí fora!

  ― Minha nossa, então ainda rolou um clima?

  ― Não, sua boba, se quer saber, nem isso rolou!

  ― E porque não?

  ― É algo inexplicável!

Me senti fortemente atraído por ele, mas ao chegarmos na hora onde tudo tinha que acontecer eu senti repulsa dele, ao ser tocado tive nojo!

   ― Ora essa, então aí está a confirmação de minha tese feita para você a alguns anos atrás, você é um afeminado, mas não é gay!

   ― Estou muito confuso, como nasci com esse jeito de mulher, tenho o maior tesão ao ver um cara lindo e no momento em que sou tocado por ele me sinto enojado?

   ― Meu amigo, acontece que nem todos os afeminados são obrigatoriamente gays, alguns apenas possuem esse jeito delicado, mas no fundo são homens. A mesmas coisas acontece com os bissexuais, eles possuem uma aparência normal, mas no fundo gostam de pessoas do mesmo sexo e opostos

    ― Mas que droga de confusão é esta, porque Deus não continuou fazendo apenas pessoas do sexo masculino e feminino, tinha que complicar as coisas?

    ― Vem cá, já que sentiu nojo de beijar um homem, porque não me beija para ver o que sente?

    ― Pirou de vez, menina, eu hein?!

    ― Quer parar de ser chato, André? Vem, me beija!

    ― Minha nossa, Karla, me solte!

Ela segura-o com força e cola sua boca na dele, buscando suavemente o sabor de seus lábios carnudos e vermelhos, lhe fazendo sentir um arrepio estranho e um prazer nunca antes experimentado. Desde aquele dia André permaneceu confuso com seus sentimentos.

 Por mais que se esforçasse não conseguia entender a si mesmo, até pouco tempo atrás tinha plena certeza de ter interesse sexual por homens, mas agora, depois de ter sido beijado por Karla e sentindo aquela estranha sensação, já não tinha tanta certeza de mais nada.

 Esforçava-se para permanecer distante da amiga, que passou a reclamar das inúmeras desculpas dadas por ele sempre que o convidava para saírem juntos. Alegava muito trabalho ou urgentes compromissos. A verdade é que André não conseguia parar de pensar no quanto foi gostoso ser beijado por ela e não sabia ainda como lidar com esta nova situação em sua vida. Um afeminado sentindo-se atraído por uma mulher?

Esta indagação tirava-lhe o sono e o apetite todos os dias. Karla, inconformada com as frequentes desculpas dadas pelo amigo na intenção de mantê-la afastada, decidiu romper a distância entre ambos naquela tarde ensolarada de domingo:

 ― Finalmente tive a sorte de encontrá-lo em casa, vem, vamos sair um pouco...

 ― Desculpe, amiga, estou indisposto para sair

 ― Deixe disso, André, acha mesmo que vai poder esquivar-se de mim a vida inteira? Anda, vamos até a Orla ver o pôr do sol, precisamos conversar!

 ― Está bem, entre e espere um instante. Em poucos minutos os dois já estavam seguindo no novíssimo HB20 de Karla, seu primeiro carro do ano comprado com dinheiro ganho com o próprio trabalho e sem ajuda dos pais.

Os dois amigos iriam aprender a ter maior afinidade um pelo outro depois daquele encontro, que mudaria o rumo de suas vidas. A Vila de Icoaraci, localizada entre os rios Guajará e Maguari, desenvolveu-se ao ponto de ser reconhecida como cidade, apesar de continuar sendo administrada pela prefeitura local, sem um governo próprio. Assim como as demais ilhas de Mosqueiro e Cotijuba. Ambas, também, com praias bastante visitadas pelos paraenses. Naquele dia em especial o casal decidiu relaxar na Orla, uma área construída às margens do Guajará, com seus muitos bares e lanchonetes com suas músicas ao vivo.

 Escolhido por um número cada vez maior de visitantes que procuram fugir da vida agitada na capital no decorrer da semana. Depois de um lanche e um bom papo numa das diversas lanchonetes, saíram de mãos dadas a desfilar pela rua calçada de pedras artisticamente preparadas para aquele fim. E, enquanto andavam, conversavam sobre o início daquela grande amizade:

 ― Lembra quando nos conhecemos e de como você era esquelético e tímido?

 ― Sim, e você toda sardenta!

 ― Mas vejam só como mudamos no decorrer dos anos, agora você se tornou este belo rapaz...

 ― E você, está linda mulher!

 ― Mas vejam só, pensei nunca te ver fazendo um elogio deste a uma mulher!

 André solta a mão de Karla e afasta-se para o lado, encosta-se no parapeito que protegia os pedestres das margens do rio, e com um olhar perdido em direção às águas embaladas pela maré e a força do vento forte que soprava, enquanto ela silenciosamente o seguia de perto, concluiu― Estou confuso comigo mesmo, tudo está obscuro, meus sentimentos, meus desejos.

Fiquei assim depois daquele beijo, senti algo que não consigo entender e explicar

 ― Algo ruim?

 ― Não sei ao certo, como disse, ainda estou confuso. Como posso ter sentido desejos ao ser tocado por você, uma mulher?

 ― Ei, não havia me falado em desejos!

 ― Mas foi exatamente isso que senti e por isso estou perturbado até agora, pois sempre senti atração por homens!

Ela o abraça, sendo ele bem mais alto, encosta a cabeça sobre seu peito e murmura carinhosamente:

 ― Você está apaixonado por mim...

 ― Só pode estar brincando, ficou louca?

 ― Estou nada, isso aí é paixão e das brabas!

 ― Karla, não se iluda, eu sou gay e meu lance é curtir homens!

 ― Então explica o tesão que sente por mim.

 Ou vai negar que fica excitado quando eu te abraço e cheio de vontades ao ver as curvas do meu corpo nessa roupa colada?

  ― Agora você pirou de vez! Até quando vou ter que dizer para não ter esperanças comigo quanto a isso? Poxa, entenda de uma vez que somos duas mulheres, gostamos de homens!

  ― Que ódio André! Pare de se esconder por detrás desse seu jeito afeminado e assume logo este lado masculino que quer sair aí de dentro e é impedido por causa dessa sua mania de querer ser mulher!

 ― Eu a vejo como uma amiga, minha irmãzinha mais nova, tente entender isso por favor!

Karla afasta-se chateada com a rejeição dele, pois morre de paixão pelo amigo. Sempre atencioso, André se aproxima dela e procura em vão acalmá-la, conseguindo apenas leves empurrões.

Depois de um tempo finalmente há entendimento entre os dois e ficam vendo o movimento das águas, abraçados numa parte alta da Orla, que permitia uma vista privilegiada do lugar.  Ela sabia que André não estava sendo sincero, ele havia confessado ter ficado confuso com aquele beijo.

 Em seguida diz não ter qualquer interesse nela como mulher. Isso não fazia sentido, certamente estava querendo esconder seus verdadeiros sentimentos. Mas saberia esperar o momento certo para confirmar as suspeitas que tinha de que ele, mesmo sentindo-se gay e confessando ter interesse por homens, era por ela que suspirava.

No fundo, a psicóloga Karla Maciel sabia que existia um macho preso naquele corpo afeminado. O final daquele dia foi proveitoso para que aumentasse nela a esperança de que em breve se cumprisse o sonho de tê-lo para sempre em seus braços. Haviam se passado várias semanas após o passeio dos dois.

 E André foi convidado a participar de um evento importante num hotel de alto status social, localizado no Rio de Janeiro. Tratava-se de uma tradicional apresentação dos mais conceituados mestres na culinária nacional. E todos os convidados ficaram hospedados ali por uma semana, eram em pares que ocupavam aa suítes.

 Ocasionando o encontro entre André e Lúcio, que se tornaram amigos íntimos, como se já se conhecessem à bastante tempo. Certa noite os dois amigos jantavam juntos. E ao longo da conversa que fluía livremente, descobriram várias afinidades em comum, principalmente sobre a opção sexual, ambos eram gays.

André sentia-se a vontade ao revelar seu interesse em poder viver sua primeira experiência sexual com um parceiro, pois passou toda a vida fugindo de si mesmo, evitando ceder àquele desejo que ardia dentro dele e aquela parecia ser a grande chance de viver a tão sonhada aventura:

― Então você ainda é virgem, André?

― Pode acreditar!

― Nunca mesmo, nem com mulheres?

― Nada! Mas confesso ter me masturbado inúmeras vezes

― Como homem, ou...?

― De todas as formas possíveis, seu bobo

 ― E que tal agora fazer de verdade?

 ― Demorou!

 — Vamos nessa, então!

Os dois rapazes saíram de volta ao hotel onde estavam hospedados e naquela noite André viveu sua primeira experiência homossexual com Sílvio. Que daquele momento em diante se tornaria, também, seu primeiro namorado. No dia seguinte participaram da última apresentação no evento que escolheria os melhores chefs de cozinha do Brasil.

 Em seguida André retornou para Belém, onde a partir dali passou a ter constantes encontros amorosos com Silvio, que residia na cidade vizinha de Castanhal, onde preferia ficar com o namorado.

Afim de que Karla não percebesse o que fazia e assim evitasse um possível, rompimento na antiga amizade. Vinte dias após encerrar o concurso gastronômico que ocorreu no Rio de Janeiro.

 Foi anunciado os dois ganhadores, ficando André em primeiro e Silvio em segundo lugar, o que merecia uma grande comemoração da parte doa dois. Porém, havia alguém que não poderia ficar de fora desta festa.

 A amiga por quem tinha muito carinho e devia muita gratidão por tudo o que ela representou em sua vida desde que se conheceram.

 ― Não posso negar a ela o direito de comemorar comigo mais esta importante conquista

 ― Claro, eu te entendo

 ― Karla é como uma irmã para mim, foi ela quem esteve estes anos todos? Ao meu lado, me apoiando sempre, sem nenhum preconceito

  ― A única coisa que me preocupa é o fato dela amar você, e se de repente você acabar cedendo aos caprichos desta mulher e se envolver apenas por considerá-la especial demais em sua vida?

  ― Enlouqueceu de vez, Silvio, eu jamais teria este tipo de envolvimento com ela, além do mais estou comprometido com você!

  ― Jura para mim que não há mesmo esta possibilidade?

  ― Cara, eu te amo!

 Os dois amantes se abraçaram e beijaram-se com grande paixão, e uma semana depois André e Karla cuidavam dos preparativos para a grande festa que aconteceria no restaurante três estrelas “Bob Marley”, um tributo ao lendário pai do reggae Bob Marley, falecido em 1980, vítima de câncer. Era o ano de 2009, quando o mais popular chef gastronômico do Pará e um dos mais importantes do país, realizava uma grande homenagem a si mesmo e ao amigo Silvio, pela recente conquista. 

Naquelas três noites de comemorações, com as portas totalmente abertas ao público paraense. Das classes média e alta, apresentou-se o renomado cantor jamaicano Gregory Isaacs. Que passava pela capital durante sua turnê pelo país, apresentando seus reggaes românticos que encantaram a todos os que ali estiveram. Durante a festa André apresentou a Karla o novo amigo, que conheceu durante sua estadia no Rio, que o achou muito simpático e atraente.

Causando um certo constrangimento, pois André ficou vermelho de ciúmes ao perceber que ela estaria flertando seu namorado. Mas nada poderia dizer ou fazer para evitar tal situação, visto que ao agir desta forma iria deixar claro a ela o envolvimento amoroso que havia entre ele e Lúcio.

Assim, se viu obrigado a suportar calado vê-la cada vez mais interessada nele, sem de alguma forma poder evitar o constrangimento, mas isso não impedia que hora por outra eles discutissem por esta razão. Dias após dia o vínculo entre os três somente aumentava, passaram a conviver em estreito relacionamento. André se mostrava confuso em seus sentimentos.

 Não sabia exatamente se estaria enciumado por medo de perder Lúcio para a amiga ou se a razão seria inversa, ou seja, se de fato existia dentro dele algum sentimento de amor ou paixão por Karla, como ela mesma vivia afirmando. Mesmo que não tivesse ainda nada definido. Sabia apenas que ao vê-los juntos, mesmo apenas conversando, causava-lhe ciúmes. Certa noite, numa das costumeiras reuniões feitas na casa de Karla, a conversa seguiu por um caminho constrangedor:

   ― Vou aproveitar o calor da bebida para fazer um desabafo: Lúcio, estou apaixonada por você!

  ― O quê, você está louca?

  ― Calma, André, que atitude mais rude é esta?

  ― Rude e inexplicável! Podemos saber a razão de tanta surpresa ao ver uma mulher afirmar que está apaixonada por um homem? Afinal, pelo que sei, Lúcio é livre e desimpedido

Os dois rapazes trocaram olhares de acusação e André tentou consertar o ocorrido:

  ― Desculpe, amiga, foi mal mesmo, me desculpe!

  ― Que deu em você para ficar tão surpreso com minha declaração?

  ― Acho que é porque nos conhecemos a tanto tempo e nunca vi você apaixonada

       ― Não mesmo, André, tem certeza disso? Ele ficou sem jeito, intimidado, pois sabia que ela estava referindo-se as inúmeras vezes em que declarou a ele sua paixão e foi rejeitada

  ― Na verdade, acho mesmo é que você ficou incomodado ao ouvir minha declaração a Lúcio

 ― Claro que não, e porque me incomodaria?

 ― Não sei, mas pretendo descobrir.

Os dois rapazes continuaram a ter seus encontros amorosos sem que Karla soubesse e o ciúmes de André ardia sempre que ele era assediado por Karla. O pior em toda aquela situação era perceber que Lúcio parecia estar cada vez mais fascinado pela insistente conquista de Karla, e as brigas passaram a ser constantes entre ele e André, que se tornou indiferente a amiga, devido o ciúme que lhe consumia. 

Certa noite, quando os três estavam numa festa, Lúcio e Karla dançavam coladinhos uma música que tocava num espaço reservado do ambiente. Enquanto André aguardava na mesa ao lado quase que sem se conter de raiva, mas nada podia fazer para impedir que eles continuassem aquela cena romântica.

Pois daria na vista que havia algo entre os dois e até então ninguém sabia do envolvimento íntimo deles. A amargura no coração de André foi tamanha ao perceber o papel de idiota que estava fazendo. Pois seu namorado aproveitava da situação para curtir a amiga, que decidiu dar o troco.

 A muito tempo, desde que chegaram ali, um outro jovem, aparentando ter uns vinte anos e de porte físico admirável. Que lhe flertava sem nenhum constrangimento. Apesar de já ter percebido o flerte evitava corresponder em respeito a Júlio. Mas, diante do pouco caso dele em respeitá-lo, passou a dar largos sorrisos ao novo pretendente que de imediato dirigiu-se a ele:

 ― Olá, sou Fernando, tudo bem?

 ― André, muito prazer, tudo bem

 ― Desde cedo te observo, parece que somente seus amigos se divertem na festa, não sabe dançar?

 ― Sim, claro!

 ― E porque ainda não escolheu alguém para isso, timidez?

 ― Talvez, sou um pouco introvertido

 ― Quer dançar comigo?

 ― Quê???

 ― O que foi, nunca viu dois homens dançando?

 ― Desculpe, ando pouco em festa

 ― Posso te fazer uma pergunta bastante pessoal?

 ― Claro, fique à vontade

 ― Estava observando seu jeito, você é gay ou só tem mesmo este jeito afeminado que se esforça para esconder?

 ― Não, eu sou gay mesmo, algum problema nisso para você?

 ― Lógico que não, fico feliz em saber

 ― E por que? ― Pelo fato de estar interessado em você, fiquei afim desde o momento em que te vi — André olhou rapidamente para o casal que dançavam coladinhos, ao lado e baixou o olhar, como se fizesse uma breve reflexão:

 ― Parece que o rapaz que está dançando com sua amiga lhe é algo além de um simples amigo

 ― Sim, ele é meu namorado e ela minha melhor amiga

 ― E o porquê da aparente desilusão?

 ― Eu e Lúcio começamos a poucos meses, já minha amizade com Karla vem de anos. Recentemente ela declarou-se a ele e parece que há uma certa aceitação da parte

 ― Entendo. E você pretende fazer o que quanto a isto, ficar aí parado enquanto ela rouba seu namorado e ele se deixa ser levado, sem tomar qualquer atitude?

― E o que poderia fazer, ela não sabe sobre nós dois

― Caramba, sua amiga sequer tem ideia do lance que rola entre vocês?

― De forma alguma, antes de conhecer Lúcio ela havia se apaixonado por mim e jurava que um dia iriamos ter um caso, mas desde nossa adolescência eu a evitei como mulher e aos poucos o seu interesse foi diminuindo.

Então conheceu ele e se apaixonou de primeira

 ― Minha nossa! Posso imaginar como está sendo difícil para você suportar isso

 ― Não faz ideia, meu amigo, dói muito aqui dentro!

Bem, mas já que não pode fazer nada vamos sair um pouco para relaxar

 ― Iremos onde?

 ― Ficaremos a sós em algum lugar

 ― Certo, vamos!

 Os dois já se dirigiam a saída, quando de repente Fernando é surpreendido com um forte soco no rosto, dado por Lúcio, que ao vê-los juntos e saindo do local ficou muito enciumado, partindo para a violência. Karla ficou atônita sem entender a atitude explosiva do amigo e juntamente com André tentavam desesperadamente evitar o pior, enquanto os dois continuavam se agredindo, trocando socos e pontapés. Depois de alguns minutos os dois foram contidos pelos seguranças do estabelecimento e houve trégua, mas foi grande a indignação de André:

 ― Quer me explicar que palhaçada foi esta, Lúcio?

 ― Como palhaçada, me trai com este safado e ainda faz esta pergunta?

Ao ouvir a resposta de Lúcio, Karla finalmente entende as razões daquela confusão toda e fica perplexa com o que acaba de presenciar, enquanto continua a ouvir os dois discutirem:

― Muito bem, então quer dizer que devo assistir calado você se divertindo com Karla?

Inerte, sem o direito de fazer o mesmo?

― Karla é nossa amiga e estávamos apenas dançando!

― Para mim ela é apenas uma grande amiga, mas para você é mais que isso, pois sabe as intenções dela, que está apaixonada! E mesmo sabendo de nosso envolvimento se deixou levar pela sedução e está curtindo a situação, agora vem dando uma de orgulho ferido?

― Você me devia respeito!

― E quanto a você, Lúcio, não me devia o mesmo?

 Karla ouvia tudo em silêncio, mas naquele instante esbravejou com enorme irritação:

 ― Esperem aí, quer dizer que existe um caso entre os dois e a idiota aqui sequer foi informada? E você, André, então se rendeu mesmo a essa maldita tendência gay? Muito me admiro de vocês três, que situação mais vergonhosa me encontro agora, espero nunca mais vê-los movimente!

― Calma, Karla, podemos explicar!

― Não ouse me tocar nem se dirigir a mim de hoje em diante, André, você está morto!

Com estas palavras a jovem encerra seu discurso e sai apressadamente do lugar em direção à avenida.

Tinha a intenção de pegar um táxi para retornar a sua residência, mas foi surpreendida com um carro que vinha em alta velocidade. O acidente foi inevitável. Karla foi apanhada pelo veículo e lançada a alguns metros de distância.

 E o motorista, embriagado, fugiu dali sem prestar socorro à vítima, e em grande desespero os três rapazes tentavam salvar a amiga. solicitando o serviço de paramédicos que só chegaram ao local do acidente meia hora depois, ela permanecia desmaiada, deitada no asfalto, e bastante ferida.

Quando, finalmente, foi socorrida e levada ao pronto socorro e lá chegando começou o grande desespero, pois foram avisados que não tinha leitos disponíveis para recebê-la. A moça continuou naquele corredor da apertada casa de saúde, deitada numa maca até que houvesse um lugar disponível para acomodá-la, mas André, valendo-se de recursos próprios, encaminhou sem perda de tempo a amiga para uma clínica da cidade onde foi logo encaminhada a sala de cirurgia por causa das serias fraturas nos braços e pernas quebradas.

 Já ao romper o dia, enquanto aguardavam qualquer informação da equipe médica sobre a paciente, foram notificados que p procedimento cirúrgico havia sido um grande sucesso e Karla passava bem. Após estarem cientes de que ela estava a salvo, mesmo em estado crítico, devido as fraturas, retornaram para a residência de André. Onde descansaram e retornariam no horário de visitas. Lúcio sentia-se culpado pelo que aconteceu e não parava de se lamentar:

 ― A culpa é toda minha, se eu não tivesse agido daquela maneira inconsequente ela não teria saído de lá transtornada nem estaria agora nesta situação

 ― Sem dúvida, se alguém aqui tem toda a responsabilidade por essa desgraça, é mesmo você!

 ― Por favor, parem de agir como duas crianças, não é hora de ficarmos apontando culpados pelo que aconteceu, o importante agora é torcer para que Karla se recupere logo!

 ― Você tem toda razão, André

 ― Claro que sim, Fernando, precisamos orar por nossa amiga

Se aproximava das quinze horas, quando receberam um telefonema, informando que a paciente estaria com seu quadro de saúde alterado e por conta disso havia sido transferida para a Unidade de Tratamento Intensivo para receber uma atenção especial e, sem perda de tempo, retornaram a clínica para acompanharem o resultado mais de perto. Nos dias que seguiram André se dividia entre seu trabalho e as visitas na clínica.

 Local onde Karla permanecia internada. Foram dois meses nessa rotina até que felizmente ela recebeu alta e retornou para a casa de seus pais. Seu apartamento foi alugado e o consultório fechado por tempo indeterminado. Sem tempo nem condições emocionais suficientes para pensar em relacionamentos.

 Apenas preocupado com a breve recuperação de sua melhor amiga. A quem via como única irmã, que nos piores momentos vividos desde que se viu obrigado a abandonar a casa dos pais nunca o abandonou. Decidiu pôr fim a seu namoro com Lúcio e afastou-se de Fernando, dedicando-se inteiramente a Karla. Foram doze semanas de visitas diárias a amiga que se recuperava do acidente sofrido naquela noite.

 Quando desapercebida foi apanhada de surpresa por um veículo e lançada a vários metros de onde estava, sem que o motorista lhe prestasse qualquer socorro.

Depois de recuperar-se das cirurgias ainda permaneceu m cadeira de rodas por mais um tempo. Porém, sempre contando com a agradável companhia do amigo que passava maior parte do tempo ao seu lado. Durante as conversas que tinham muitas confissões foram feitas e o laço de amizade que lhes unia se fortaleceu mais ainda. No término da fisioterapia, quando Karla já tinha retomado a saúde e fez-se independente da cadeira de rodas, firmando os passos, André lhe fez um inesperado convite:

― Minha amiga, que tal uma viagem para esquecermos toda essa fase ruim que passamos nestes últimos meses?

― Até parece que você leu meus pensamentos, André, estava mesmo pensando mesmo nesta possibilidade

― Então, pronto, viajamos daqui a uma semana A viagem as belas praias de Fortaleza, no estado do Ceará, foram imensamente agradáveis para Karla, que precisava superar todo aquele trauma vivido durante o acidente. Mas, o plano do destino era aproximar mais ainda o casal para que finalmente se concretizasse o plano de amor que estava escrito a este respeito.

 E naquela noite linda de luar os dois amigos deitavam na areia da praia e desde o entardecer conversavam:

 ― Você está feliz agora que acabou cedendo aos teus desejos insanos?

 ― Quer mesmo saber a verdade?

 ― É claro!

 ― Não, não estou...Sempre acreditei que se assumisse minha homossexualidade me sentiria realizado e em paz comigo mesmo, mas me enganei

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