Quando abriu os olhos, Daniela estava numa cama de hospital. O recinto dava a impressão de estar rodopiando. Um cheiro acre de produtos químicos impregnou nas suas narinas. O cheiro lembrava-lhe uma experiência vivida e já esquecida. Tão remoto, e no entanto, tão familiar, aquele cheiro a fazia querer pular da cama do hospital e sair correndo.A primeira pessoa que viu foi Valentina, mas não a reconheceu.— Dani! Está tudo bem. Fica calma! — Valentina a confortava.— Quem é você? — Daniela perguntou, sem noção de nada.— Sou Valentina, sua amiga; não se lembra? Trouxeram você para cá há dois dias. Chegou inconsciente e só agora está voltando a si. O médico acha que se trata de um milagre. De acordo com os que viram o local do acidente, você devia estar morta. Quando uma turma de socorro trouxe você para cá, estava inconsciente e cheia de contusões, mas felizmente não havia fraturas. O motorista, no entanto, não teve a mesma sorte.— Motorista?— Sim, o chofer que dirigia o carro. Ele
Antonino ligou para Franco, enquanto se vestia na frente do espelho.— Algum sinal dele, Franco? — a voz de Antonino tinha um tom áspero, de poucos amigos.— Ainda não, primo — Ouviu a voz de Franco tão audível como se estivesse ao seu lado.— Vamos agilizar o processo. Esse desgraçado tem que sumir da face da terra o mais rápido possível e eu mesmo quero fazer isso. Só me avise quando encontrá-lo.— Concordo que dessa vez ele foi longe demais — Franco falou.— Ele não fez isso com qualquer pessoa, Franco. Ele tentou matar a minha mulher. Eu vou pegar esse cara; eu mesmo.— Fica frio. Ele não vai se esconder para sempre.— A gente se vê daqui a pouco.Antonino terminou de se vestir, abriu a porta do quarto e desceu as escadas. Encontrou Conchita na sala de jantar e disse:— Cuide bem dela, Conchita. — Sim, senhor Goldacci. Não se preocupe com nada.— Rosa chegará em breve para organizar tudo.— Está bem, senhor.Antonino entrou no seu jatinho particular e em menos de uma hora estava
Dois meses se passaram desde o acidente de Daniela. Ela perdera a memória completamente e não reconhecia Antonino como seu marido, por isso, cada um tinha o seu próprio quarto. Antonino trouxe Enzo e Carmem para viver com eles. Porém, depois de duas semanas, Carmem teve que partir; foi chamada para cuidar de Angélica, a sua nora, que estava numa gravidez de alto risco.E naquela manhã, Daniela acordou e permaneceu um bom tempo de olhos fechados, sem coragem para levantar-se. Ao se virar para o lado abraçou um corpinho quente e macio e quando abriu os olhos lá estava o garoto deitado ao seu lado, com os olhos grandes fixados nela.Mesmo sem conseguir lembrar de nada Daniela sentia um carinho enorme por aquela criança que a chamava de mãe. Permaneceu imóvel, olhando para o menino de olhos castanhos e cabelos escuros.— Estou com fome, mamãe.Daniela levantou da cama e fez sua higiene matinal. Quando retornou para o quarto, estendeu a mão para Enzo que estava sentado na cama. O garoto s
Quando desceu para jantar, usando um vestido curto de malha e sandálias, Daniela sentou sozinha na mesa enorme da sala de jantar. Certamente Antonino já deveria ter saído para a sua reunião de negócios. Os dois empregados como sempre, estavam ao lado da mesa como soldados, numa posição de sentido. Ela não estava com muita fome; comeu alguma coisa muito rápido e voltou para o quarto.Ficou na janela observando a noite e ouvindo o barulho do mar. Os pensamentos tumultuavam o seu cérebro. Queria se lembrar de alguma coisa do seu passado com Antonino para chegar a alguma conclusão sobre eles dois, mas tudo permanecia em total escuridão. Porém, mesmo sem memória, ela sentia que havia algo muito forte entre eles. Quando ele chegava perto, o coração dela pulava e uma corrente elétrica atravessava o seu corpo, causando-lhe tremores. A noite estava quente e Daniela resolveu sair da casa. Já do lado de fora sentou nos degraus de pedra e contemplou a beleza daquela noite. O mar estava barulhen
O neuropsiquiatra chegou à ilha no dia seguinte. O doutor Rodrigo Mascarenhas era um homem na faixa dos cinquenta e poucos anos, alto e forte, com barba e cabelos grisalhos. Daniela o levou ao cômodo espaçoso no terceiro andar, lugar que havia sido preparado para o tratamento.Na antessala havia um sofá, uma mesa e um armário com várias gavetas. Mas havia também a segunda sala anexada à primeira. O segundo cômodo tinha paredes brancas e persianas nas janelas; havia uma poltrona reclinável e logo à frente, um sofá bastante confortável. E sobre uma mesinha de canto havia seringas descartáveis e materiais de primeiros socorros.Daniela estava ansiosa para começar o tratamento, porque o que mais desejava era ter a sua memória de volta para poder desfrutar de uma vida normal.***Daniela e Antonino passaram o dia sem conseguir ficar a sós devido à movimentação que estava acontecendo por causa da chegada do médico. Mas mesmo que estivessem sozinhos ela não saberia o que dizer a ele. Depois
Depois da chegada de Rosa a vida de Daniela ficou um pouco mais calma e ela passava a maior parte do dia fazendo caminhada pela ilha. Um dia, subiu numa pedra bem alta e percebeu que havia uma movimentação de pessoas na ilha vizinha. Conchita havia lhe dito certa vez que a feira da ilha era aos sábados.E naquela manhã Daniela se preparou para um pouco de diversão. Vestiu short e camiseta, calçou havaianas, em seguida desceu com Enzo no colo e o colocou dentro do barco. Viu o olhar inquisidor do segurança e disse:— Só vou dar uma volta de barco com o meu filho. Não se preocupe, vamos ficar bem.Ligou o motor e se dirigiu para a ilha vizinha. Chegou lá em quarenta minutos. Amarrou o barco e caminhou com o filho sobre as madeiras do píer, em seguida pisou na areia macia. O dia estava quente e bonito, com o céu azul sem nuvens. Enzo, como sempre, parecia feliz e tranquilo. Ela olhou para trás e viu ao longe o segurança dentro de um barco, vigiando-a.Depois de uma caminhada prazerosa o
Antonino viajou na manhã seguinte e passou cinco dias fora. Quando retornou Daniela e ele pouco se falaram por causa das muitas reuniões que ele fazia, trancado na biblioteca com os seguranças.E enfim, chegou o dia da festa. Há tempos que Antonino evitava ir a festas e eventos, mas aquela era muito importante porque os duzentos convidados selecionados eram pessoas importantes para os negócios da Goldacci Indústria Farmacêutica.E quanto à Daniela, ela estava feliz porque finalmente pôde sair da ilha. Estava muito elegante dentro de um vestido longo verde e Antonino de smoking; e como sempre, era o homem mais cobiçado pelas mulheres e invejado pelos outros homens.Quando entraram todos se voltaram para observá-los.Fernando Barbosa e sua esposa, Maria Clara, vieram recebê-los. Daniela observou como o contraste físico deixava o casal bastante interessante. Fernando Barbosa era alto, loiro e elegante, se bem que Daniela o achou magro demais para a sua altura. A esposa, baixinha e morena
No dia seguinte, após a festa na casa de Fernando Barbosa, Daniela viu Franco chegar bem cedo e se trancar com Antonino na biblioteca para uma reunião secreta, como era de costume. Valentina avisou que iria visitá-la e Daniela mandou um segurança com o barco, mas como ainda não haviam chegado, ela almoçou na companhia de Rosa. Depois do almoço Daniela desceu em direção à praia. Naquele dia o sol estava a pino, o céu estava sem nuvens e o mar continuava agitado e belo com suas águas espumantes batendo forte de encontro as rochas.Caminhou para longe e se sentou na areia debaixo de uma amendoeira para pôr em ordem os pensamentos. Sua memória estava retornando aos poucos através de sonhos ou mesmo de alguns flashes quando ela estava acordada. O neuropsiquiatra havia lhe dito que ela estava a caminho da cura.Porém, o desânimo amargava os seus dias. Na verdade, nem sabia se estava ali apenas por causa do acidente ou se havia um outro motivo. Algo dentro dela dizia que estava deixando de