DAVID
Esforço-me para não contestar as ordens de Dona Hordéllis e mantenho o sorriso no rosto, agindo com gentileza cada vez que uma de suas amigas tenta uma aproximação mais íntima e intrusiva. Inferno. Falta um ano para que alcance os quarenta e estou aqui, sendo tratado como um adolescente que precisa ser disciplinado.
Ela não pode exigir mais do que isso. Não pode.
— Você não está sorrindo. — Reclama para que apenas eu escute e não deixo de gemer, vendo que sim, ela sempre pode exigir mais.
Intercepto um garçom e pego duas taças de champanhe, virando uma atrás da outra.
— O quê? — Pergunto, quando a vejo me olhar em reprovação.
Ela comprime os lábios em uma linha fina e balança a cabeça em negativa, bufando baixo para não chamar atenção, mas me olhando de forma carinhosa logo depois.
— Só quero a sua felicidade, meu querido. — Sorrio de forma sincera, dando-lhe um beijo no meio da testa.
— Eu sei, minha vida. — Ela enxuga uma lágrima solitária e dá três tapinhas na minha mão, se afastando do abraço.
— Kaciana está aqui, trouxe a filha junto. — Não posso deixar de gemer em lamentação, sabendo exatamente o que ela quer com esse comentário.
Hordéllis está decidida em me achar uma esposa e não vai sossegar até que eu ceda, nesse momento, ela está depositando todas as suas fichas em Kaciana Álvares e não tem nada nesse mundo que eu possa fazer para mudar sua opinião, então eu apenas permito.
É desgastante e está levando todo o meu autocontrole para não voltar pra Europa, encontrar algum país lá pelo leste e sumir do mapa. Foi difícil me reconstruir após o acidente que levou a vida da minha mulher e filho, foi um sacrifício enorme pisar de volta nessa terra sem lei, onde vítimas são tratados como culpados, mas o fiz por ela e meu pai, os únicos que ainda me restaram.
— Faça isso pela sua mãe. — Diz com um sorriso travesso, ciente de que eu nunca poderia negar algo pra ela.
E como se soubesse que estamos falando dela a mulher chega, enrolando os braços em meu pescoço de forma possessiva.
— David, meu querido. Como está? — Ela usa um tom exageradamente meloso e luto contra a vontade de torcer meu rosto em desgosto.
— Kaciana. — Beijo um lado de seu rosto, me afastando do seu abraço e deixo meus olhos caírem sobre o corpo da mulher. — Você está linda. — Admito, não mentindo no elogio. A mulher possui um corpo cheio de curvas, torneado sem deixar de ser feminino e escolheu um vestido azul colado, elegante.
Ela sorrir de forma larga, mostrando os dentes esbranquiçados e aceita o elogio, mostrando que é uma mulher experiente e que sabe da própria beleza.
— Essa é sua filha? — Minha mãe toma a frente, sorrindo para uma jovem que tenta não passar seu desconforto.
— Prazer, Nelly Álvares. — Estende a mão para que a minha mãe pegue, sorrindo de forma discreta.
— O prazer é meu, minha querida. — Responde, abaixando as vistas para checar a garota e antes que ela perceba tomo à frente.
— Você disse que sua filha tinha sido uma das minhas alunas. — Comento para que as três mulheres escutem, mas mantenho meus olhos presos nos de Kaciana.
Ela sorrir sedutora, engatando sua mão no meu braço.
— Sim, mas acho que você não lembra dela. Nelly nunca gostou de chamar muita atenção. — A mulher explica e percebo que o comentário deixou a menina ainda mais desconfortável.
— Eu sempre me lembro dos meus alunos. — Afirmo, estudando o rosto da garota com ainda mais curiosidade.
Nelly.
Esse nome não me é estranho, mas olhando para o rosto da menina não consigo lembrar de nenhuma das minhas alunas. Talvez, Kaciana tenha razão e eu não lembre dela justamente pela sua falta de participação em minhas aulas.
— Já faz muito tempo. — A ouço murmurar.
— Quanto tempo? — Pergunto, avaliando seu rosto e depois seu corpo.
Ela não parece tão menina, mas ainda tem um olhar inocente e uma expressão juvenil demais para a frase "faz muito tempo".
— O quê?
— Quanto tempo faz desde que foi minha aluna. — Digo, me sentindo extremamente curioso.
— Quase dez anos.
— Quase dez anos. — Repito, percebendo que de fato é muito tempo.
Dez anos.
Porra.
— Como eu disse, faz muito tempo. — Ela volta a falar, parecendo por algum motivo zangada.
Franzo o cenho, estudando a mudança de comportamento da garota.
— Está me chamando de velho? — Ergo uma sobrancelha, ela me olha espantada, piscando um par de vezes.
— Ela não quis insinuar isso, David. Você tem praticamente a minha idade. — Kaciana tenta contornar a situação, acreditando que eu esteja realmente chateado, tornando tudo mais divertido.
Resolvo entrar no papel, fingindo uma indignação que não me atinge.
— Você me acha velho? — Pressiono, observando as bochechas da menina ruborizarem. É… fofo.
— E-Eu ... éééé... — Gagueja, intercalando o olhar entre mim e a mãe.
Céus, essa festa está me saindo mais divertido do que imaginei.
Nelly acabou de salvar-me da monotonia.
Ouço minha mãe bufar ao meu lado, indicando que sua paciência chegou ao limite.
— Ora, por favor. É claro que você está velho, não notou a presença dos cabelos brancos? — Diz e rio baixinho, me virando em sua direção.
— Touché. — Digo, depositando um beijo em sua cabeça.
Me viro na direção da garota, a olhando com um pedido de desculpa e pego sua mão, beijando o dorso de forma galante.
— Peço desculpas, mas realmente faz uma boa quantidade de anos desde que fui seu professor e muitos outros alunos vieram depois, no entanto, acredito que você tenha sido uma aluna exemplar. — Beijo sua mão, me sentindo ligeiramente culpado por não lembrar do seu rosto, embora o nome continue sendo familiar.
— Não tem problema. — Ela diz em voz acelerada, puxando sua mão da mão com certa rispidez. Murmurando que precisa ir ao toalete.
— Crianças, não é mesmo? — Kaciana fala, rindo sem mostrar os dentes e tudo que faço é concordar com a cabeça, mesmo não concordando com o genro que usou.
Nelly não é uma criança.
— Você disse que ela faz jornalismo, não é mesmo? — Minha mãe pergunta, ainda observando o caminho que a garota seguiu.
— Sim, ela acabou de se formar. — A mulher diz sem muito interesse e estranho seu comportamento, qualquer pai ou mãe fica meloso ao falar das conquistas dos filhos, mas quem sou eu pra julgar o relacionamento de alguém... Não tenho mais filho.
Ele está morto, junto com minha mulher.
Limpo minha garganta, chamando atenção das duas mulheres.
— Vou ao bar buscar algo menos, observo as bolhas do champanhe estourarem uma a uma na taça e franzo o cenho, buscando alguma palavra adequada.
— Fraç? — Minha mãe diz em tom de desdém e a encaro.
— Eu ia dizer "pomposo" , mas vou aceitar a sua sugestão. — Pisco um olho para ela, virando na direção de Kaciana logo em seguida. — Gostaria de algo?
A mulher sorrir de forma sugestiva, ignorando o fato de que estamos diante da minha progenitora e me analisa de maneira lasciva, deslizando a língua pelos lábios cobertos por um batom claro.
— Um jantar, talvez? Você me deve um. — Ouço minha mãe soltar um risinho ao meu lado e assinto para a mulher, indicando que cumpro minhas promessas.
— Que tal amanhã? — Ela me dá um sorriso sedutor, deslizando uma de suas mãos pela minha gravata.
— Vou te esperar às 20:00hrs, não chegue atrasado. — Sorrio, tocando sua mão com delicadeza e a afastando de mim.
Caminho em direção ao bar, dando uma última olhada para trás e checando se as mulheres ainda me observam, quando percebo que elas engataram alguma conversa aleatória e já não me olham, desvio da direção correta, entrando em um corredor que vai dar direto no meu escritório.
Isso, lá tem bebidas de verdade.
Passo a acelerar meus passos, parando para cumprimentar alguns sócios no caminho.
— Seu pai sempre falou maravilhas sobre você, rapaz. — Um velho conhecido diz, dando tapinhas no meu ombro. Sorrio condescendente, ficando o menor tempo possível com cada um.
Rapaz.
Será que algum deles percebem que já sou um homem formado, com três diplomas e viúvo?
Com certeza não, pois continuam me tratando como se eu fosse a porra de um adolescente.
Onde raios fui me meter?
— Dê os meus comprimentos ao seu pai. — Alguém no meio da multidão diz e assinto mais uma vez, inventando uma desculpa qualquer para me sair de qualquer indício de uma conversa mais duradoura.
Decido que não posso mais esperar por uma bebida e pego uma taça de champanhe, mas que isso vá contra as minhas próprias palavras.
O santíssimo sabe que eu não posso aguentar essas pessoas sóbrio, foi por causa deles que me mantive afastado por todos esses anos e também foi por tudo isso que escolhi a profissão de professor ,ao invés, de CEO da Bragança joalheria.
Eu gosto de tranquilidade, sempre gostei. Ensinar é pra poucos, vem em forma de dom.
Descarto a taça em uma bandeja vazia e sigo pelos cantos, evitando os convidados sem parecer mal educado ou arrogante. Vou sumir pelo resto da noite, minha mãe tem Kaciana e pode se virar sozinha, afinal essa é sua festa de sessenta e um anos.
Bufo pra mim mesmo, contendo a vontade de rir alto por questionar a capacidade de Hordéllis Bragança de se virar sozinha, quando ela é a única desse lugar capaz de colocar qualquer um de nós no bolso. Me distraio com o pensamento e só percebo que bati em alguém quando sinto o choque pelo contato. Rosno, esfregando minha testa com a mão.
— Desculpe. — Uma voz feminina sussurra e sou obrigado a erguer meus olhos, expandindo meu campo de visão.
— A culpa foi minha. — Disparo, ainda sem acreditar que de todos os convidados seria justamente ela a pessoa com que eu trombar.
Será que sua mãe a mandou me vigiar?
— Eu não estava olhando pra frente, o erro foi meu. — Insiste, me fazendo revirar os olhos para discussão inútil. Não me importo de quem foi o erro, desde que esteja tudo bem.
— Tudo bem, o erro foi seu. — Ela me olha em choque, fechando a expressão em uma carranca de chateação.
— Babaca. — Diz baixo, falando apenas para si. Só que eu escutei.
Coloco mergulho minhas mãos nos bolsos laterais da calça, corrigindo minha postura e fito a garota, a encarando com seriedade.
— Eu fui seu professor, exijo respeito. — Ela torce o rosto em desdém e empina ainda mais o pequeno nariz, assumindo uma postura que não combina nada com sua personalidade.
— Pelo que eu saiba você não tem a mínima ideia de quem sou, portanto somos apenas vizinhos que acabaram de se conhecer. — Quero abrir a boca e contestar suas palavras, mas abro e fecho meus lábios sem formular uma única palavra. — Foi o que Imaginei. — Conclui, me empurrando para o lado com um de seus braços.
— Tento certeza..
— Que o quê? Você tem certeza de que eu era uma boa aluna? — Franzo o cenho, não perdendo o tom sarcástico que usou.
— Sinto muito. — É tudo o que consigo dizer, me sentindo o pior ensinador do mundo.
— Não precisa sentir. Não importa mais. — Ela simplesmente diz, contornando o meu corpo e retomando sua caminhada. Fico paralisado, completamente sem jeito e a observo se afastar, notando o quanto ela se esforça para evitar o contato direto com as pessoas, parecendo uma garotinha acuada.
E, de repente, cenas parecidas com essa surgem em forma de lembranças, quando uma das minhas melhores alunas era vítima de bullying por conta do peso e enfrentava problemas com confiança. O nome dessa menina era....
Puta merda!
Nelly Álvares Leitão.
NELLYEntro no banheiro bufando pelas narinas, permitindo que a porta bata sem nenhuma delicadeza e assustando outras convidadas da festa que revisavam suas maquiagens. Murmuro um pedido de desculpas esfarrapado e bufo sem perceber de tão irritada, seguindo direto para uma cabine privada dentro do banheiro e me tranco.— Argh! Como ele pode ser tão cretino? — Falo pra mim mesma, baixando a tampa do vaso sanitário e sentando. — Você não lembra de mim, Sr. Bragança? — Desdenho, adotando um tom debochado e três oitavos mais baixo que eu meu.Bufo.Droga, Nelly!Isso é tudo culpa sua, você aceitou vim até esse coquetel mesmo sabendo que se tratava da festa de aniversário da empresa dele.O que você esperava? Flores e beijos ardentes?Acorda!Passo as minhas duas mãos pelo rosto, percebendo que continuo o tratando de forma formal, dando a ele o poder de superioridade de anos atrás. Sr, Bragança. Pressiono meus lábios um no outro até formarem uma linha fina e passo a abanar meus rosto com
DavidObservo em expectativa o ponteiro menor encontrar o maior em cima do número nove, indicando que não há motivos para minha irritação continuar e como imaginei, ela não vem.Ela não vem...Ela não vem.Ótimo. Um sorriso repuxa meus lábios e dou adeus ao mau humor, quase me levantando para dar saltinhos de felicidade. Começando a ter uma nova perspectiva sobre a manhã infernal que estou tendo desde que acordei.— Sr. Bragança, tem uma jovem aqui querendo vê-lo. — Leila diz do outro lado do telefone assim que o atendo, não esperando sequer que eu tome a primeira fala. — Permito que entre, senhor?Pisco algumas vezes, checando meu relógio de pulso e vendo que não passou mais que um minuto desde a última vez que o chequei. — Quem é a moça, Leila? — Indago, apesar de já desconfiar de quem seja. Minha secretaria faz uma pausa em sua fala e tudo que posso ouvir são sussurros do outro lado da linha. — Leila? — Tento chamar sua atenção.— Senhorita Álvares, senhor. Ela disse que tem horár
NELLYO prédio Bragança é de longe o lugar mais luxuoso e moderno que já estive, nem mesmo a agência que eu trabalhava tinha tanta personalidade em sua arquitetura e decoração, mas isso não impede a sensação de falta de ar que estou tendo desde que saí de casa essa manhã, na boa, eu não sei o que deu em mim para aceitar essa proposta. Ficar perto dele não vai me fazer bem. Então, o que diabos estou fazendo aqui?Você é masoquista. Minha consciência tira sarro e reviro os olhos. Megera.
DAVIDA escuridão tornou-se meu abrigo, o álcool meu melhor amigo, mas o sexo, porra, este é o meu anestésico favorito.Empurro sem piedade contra a ruiva fogosa, sorrindo ao ouvir seus gemidos luxuriosos e engancho minha mão em seu cabelo, puxando até que ela fique de joelhos, encostando suas costas no meu peito. Mordo seu ombro, pescoço e bochecha. Ela empurra de volta e rosno, gostando da sua safadeza.A mulher é experiente, sabe exatamente do que um homem gosta na cama e isso me agrada.— Você não vai me falar seu nome? — Diz sedutora, me olhando através do espelho na parede. Estamos em um quarto de motel qualquer, trancados há quase três horas e a mulher acha que já somos íntimos. Deslizo meu dedo pela sua barriga até chegar em sua boceta, acaricio seu clitóris enquanto enfio cada centímetro da minha rola para dentro dela.— Meu nome não importa agora, linda. Você está tomando meu pau na sua boceta apertada e está gostando. — Ela geme em resposta, provando o meu ponto e meto com
NELLY HORAS ANTES. O dia começou tumultuado e precisei incorporar um espírito sensato para lidar com Kaciana, porque só Deus sabe o quanto minha progenitora pode ser insistente. Eu amo minha mãe com todas minhas forças, mas quando ela cisma com algo é tortura na certa, por isso, a evito desde o nosso último confronto. — Você engordou? — Paro a colher de mingau no meio do caminho e giro meu tronco para encontrar com os olhos azuis, altivos e tão parecidos com os meus. — Porque parece que você ganhou alguns quilos. — Completa, torcendo o rosto em desagrado enquanto me analisa e caminha até estar na minha frente. — Não. — Sussurro, afastando a tigela com o alimento pra longe, sentindo a fome passar. — Tem certeza? Seu rosto está arredondado, suas bochechas mais salientes e sua bunda mal cabe nessa cadeira. — Fecho os meus olhos, contendo as lágrimas e respiro fundo. — Preciso ir trabalhar. — Digo, virando de costas para fugir do seu campo de visão e não presenteá—la com minhas l
DAVIDO sol invade meu quarto pela janela e a claridade atrapalha meu sono, me fazendo despertar antes da hora. Irritado, levanto mal-humorado, chutando o travesseiro que cai da cama em cima do meu pé. Hoje é um péssimo dia por muitos motivos, mas o principal é que hoje deveria ser um dia de comemoração, onde minha esposa e eu faríamos dezoito anos de casados.Só que ela está morta e eu vivo, então esse dia se tornou ruim. Péssimo.
NELLYO homem parece desolado, fragilizado diante de mim, o oposto do que ele vem me mostrando ao longo desse tempo de convívio, pois a pose de "nada me abala", foi embora e deu lugar a um homem quebrado e cheio de culpa. A falta do brilho em seus olhos foi algo que percebi logo quando fomos reapresentados, pois, o cara que eu idolatrava na adolescência era cheio de vida e bom humor, não havia um dia se quer que eu não ganhasse um sorriso seu, mas julguei que isso tivesse ligação com sua posição de diretor executivo da Bragança.Eu estava enganada,
DAVIDDescarto a cápsula de café no lixo e bebo todo o conteúdo da xícara, a porra dessa máquina de expresso foi inventada para salvar minha vida, não tem outra explicação, sou viciado confesso em café desde a época da faculdade e nunca aprendi o jeito tradicional de deixá-lo no ponto certo. Meus anos como educador só intensificaram essa paixão, não sei como conseguiria lidar com as noites em claro corrigindo provas e planejando aulas sem uma boa dose de cafeína. O lí