NELLY
Entro no banheiro bufando pelas narinas, permitindo que a porta bata sem nenhuma delicadeza e assustando outras convidadas da festa que revisavam suas maquiagens. Murmuro um pedido de desculpas esfarrapado e bufo sem perceber de tão irritada, seguindo direto para uma cabine privada dentro do banheiro e me tranco.
— Argh! Como ele pode ser tão cretino? — Falo pra mim mesma, baixando a tampa do vaso sanitário e sentando. — Você não lembra de mim, Sr. Bragança? — Desdenho, adotando um tom debochado e três oitavos mais baixo que eu meu.
Bufo.
Droga, Nelly!
Isso é tudo culpa sua, você aceitou vim até esse coquetel mesmo sabendo que se tratava da festa de aniversário da empresa dele.
O que você esperava? Flores e beijos ardentes?
Acorda!
Passo as minhas duas mãos pelo rosto, percebendo que continuo o tratando de forma formal, dando a ele o poder de superioridade de anos atrás. Sr, Bragança. Pressiono meus lábios um no outro até formarem uma linha fina e passo a abanar meus rosto com as duas mãos, me negando a derramar mais uma lágrima essa noite, como se já não bastasse...
Ah, droga.
Eu já estou chorando.
— Patética. — Deixo escapar, batendo minha cabeça na porta de leve, sabendo que minha aparência a essa altura está vergonhosa.
Me permito chorar, me esforçando ao máximo para não chamar atenção das mulheres do lado de fora, contendo cada um dos meus soluços.
— Você está bem? — A pergunta vem depois de duas batidas na porta e prendo a respiração, reconhecendo a voz.
Cassandra Muller.
A editora-chefa da revista onde trabalho.
Limpo a garganta, enxugando meu rosto com as pontas dos dedos mesmo sem ter pretensão alguma de abrir a porta.
— Sim, obrigada. — Minha voz falha no fim da frase, mesmo que eu tenha me esforçado para soar o mais natural possível e um silêncio se instaura.
Limpo a garganta, percebendo que ela continua do outro lado da porta.
— Sério, eu apenas julgo que não deveria ter bebido tanto. — Mentira. Eu nem sequer bebi.
— Você está passando mal? Devo chamar alguém para lhe ajudar? — Faço uma careta, percebendo o quanto ela é insistente e pondero, escolhendo bem minhas palavras.
— Não, eu só precisava fazer xixi. — Ela faz uma pausa, provavelmente percebendo que a conversa está ficando íntima demais.
— Compreendo. Tente moderar na bebida e intercale com água, eu nunca pensara nisso, mas talvez fazer xixi ajude para que o álcool saia mais rápido do nosso corpo. Tenha uma boa noite...
— Nelly.
— Tenha uma boa noite, Nelly. Meu nome é Cassandra, foi um prazer conhecê—la, mesmo de uma maneira tão... exótica. — Acompanho seus pés se afastarem pela pequena frecha da porta e sorrio, concordando que sim, esse episódio foi além de exótico.
E ...
Céus, ela não me reconheceu!
Chorar na frente de uma desconhecida seria estranho, mas chorar na frente da sua chefe, bem, eu nem sei o quão constrangedor seria.
Aproveitando a deixa para terminar de enxugar minhas lágrimas e saio da cabine, percebendo que estou sozinha no banheiro. Sigo até o grande espelho coloca na parede logo acima das pias e tento consertar meu visual, enfiando alguns fios soltos do penteado que Zuleica, nossa nova cozinheira insistiu em fazer no meu cabelo.
"Sexy sem ser vulgar"
Ela disse com um sorriso sapeca no rosto, um sorriso corriqueiro seu, já percebi. Mas não a culpa, ela é linda e jovem demais para se tornar uma causa perdida assim como eu. Ave Maria, Só basta uma depressiva naquela casa.
Após ajeitar meu cabelo cuido da minha maquiagem, corrigindo a parte borrada e colocando alguns acréscimos de base aqui e ali. Guardo todos os meus pertences na bolsa e fito minha imagem no espelho, não sentindo nada. Essa é a hora que eu me recomponho e falo palavras de motivação pra mim mesma, certo? Então, porque raios eu só sinto vontade de sair dessa festa e correr para debaixo das minhas cobertas?
— Eu não sou feia. — Digo pra mim mesma, permitindo meus olhos descerem para o formato do meu corpo no vestido azul. Ele possui mangas longas que chegam até meu punho e um decote generoso na parte da frente, se colando ao meu corpo da parte do colo até um pouco acima dos joelhos, se abrindo em uma fenda lateral que expõe minha perna esquerda.
Só é gorda e sem graça. — Minha consciência repete as palavras de Kaciana que também se tornaram as minhas ao longo dos anos e abaixo meus olhos, apertando meus dentes contra meu lábio inferior.
Gorda e sem graça.
Fecho meus olhos e busco por ar, travando minha própria guerra interior enquanto o banheiro volta a ficar cheio, me dando a dica de que preciso voltar lá pra fora e encara-lo.
Do que eu tenho medo, afinal? Ele nem sequer lembra de mim, então tão pouco lembrarei do que falei em minha formatura.
Bufo, mais uma vez.
Como ele pode sair com minha mãe e não conciliar o sobrenome? Fui sua aluna por TRÊS ANOS e ele foi meu anjo da guarda.
Como pode não se lembrar?
— Com licença, você se importa? — Pisco, olhando da mulher para seu vestido aberto, levando alguns segundos para entender que me pede ajuda para fechar seu zíper.
— Pronto.
— Obrigada, lindinha. — Sorrio de boca fechada, sussurrando um "de nada" quando ela se posiciona ao meu lado na pia e lava suas mãos de forma vagarosa, desperdiçando uma boa quantidade de água.
— Então, você conhece o David?
David.
O nome sai de maneira natural e informal dos seus lábios, deixando claro a familiaridade dela com ele.
David.
— Eu... — Gaguejo, me esquecendo do que ela perguntou.
David.
— Eu nunca te vi antes. — Não espera que eu termina a fala e se antecipa, me olhando de cima a baixo sem nenhum pudor, batucando um dos dedos no queixo enquanto faz a checagem.
Abro a boca para responder que não nos conhecemos, mas que eu conheço sim o …
David?
Mas, fecho assim que percebo o quão ridículo isso soaria, já que ele mesmo deixou claro que não se lembrava de mim, além do quê, eu só o conheço por Sr. Bragança.
Sorriso forçado.
— Não nos conhecemos, estou apenas acompanhando minha mãe. — Digo, dando as costas para a mulher sem lhe dar a oportunidade de fazer qualquer outro questionamento.
[•••]
Quarentena e cinco minutos depois e posso afirmar que nunca mais na minha vida usarei cinta liga.
Nunca.
Nunquinha.
Jamais.
Sinto como se o ar fosse faltar dos meus pulmões a qualquer momento e me levar ao desmaio, sepultando minha vida social de uma vez por todas.
— Melhore essa cara. — Kaciana sussurra para que apenas eu escute, tomando um pouco mais do seu champanhe para disfarçar quando um casal se aproxima.
Forço-me a sorrir, esperando a apresentação formal que minha mãe será obrigada a fazer já que estamos apenas nós duas e não tem como evitar, embora, eu tenha a certeza de que escolheria não fazer se tivesse opção.
— Esta é Kiara. — O homem diz se referindo a sua acompanhante que logo reconheço como a garota do banheiro e sorrio sem graça.
Minha mãe cumprimenta a mulher com um sorriso falso, forjando uma simpatia que nem de longe poderia ser vista como verdadeira e só então percebo, o homem, que minha mãe apresentou como Dr. Paulo não apresentou a mulher como sua esposa, namorada ou qualquer outra coisa esperada, apenas falou o nome dela.
— Com licença. — Hordéllis, a matriarca da família Bragança e mãe do meu ex professor fala, tocando o meu braço de forma delicada. Viro-me para ficará de frente para ela e pisco algumas vezes, não entendendo o sorriso exagerado da mulher.
— Sua mãe me disse que acabou de se formar em jornalismo, isto é verdade?— Aceno com a cabeça, não entendendo o motivo de Kaciana ter lhe contado algo que nunca foi motivo de orgulho.
— Bom. — Diz, só então me dou conta de que nos afastamos de forma gradual do casal e de minha mãe. — Tenho uma proposta profissional para lhe fazer. — A mulher passa a me olhar de forma diferente e antes que eu tenha a oportunidade de refutar sua proposta e dizer que já tenho emprego, ela põe o dedo indicador em meus lábios e nega com a cabeça.
— Não precisa deixar seu estágio, embora eu tenha certeza que você terá muito mais a ganhar trabalhando na Bragança. — Mais uma vez, abro a boca para recusar a proposta e ela não permite. — Você vai trabalhar com o setor de marketing e ajudar o meu filho a dar uma nova imagem para a empresa, algo mais jovem.
— Eu não…
— Tenho certeza que sim. — Me interrompe, abrindo um largo sorriso onde deixa claro que a conversa chegou ao fim.
Céus!
Essa mulher é louca, uma senhorinha elegante, mas louca de pedra.
Eu não vou trabalhar com o filho dela em hipótese alguma, aquele …
— David!
Isso mesmo, aquele David... Espera, o quê?
Solto o ar frustrada, virando meu corpo a contragosto para encontrar o dito cujo bem atrás de mim, sorrindo para a mãe como se fosse o melhor dos filhos.
— Lembra da senhorita Nelly? — Os olhos escuros seguem até os meus, roubando meu fôlego assim que os alcança.
Respire.
Respire.
Respire.
— Claro, ela foi minha melhor aluna. Como vai, senhorita Álvares? — Estende a mão na minha direção, ainda segurando meu olhar e pisco umas cinco vezes antes de corresponder.
Fui?
Ele lembra de mim agora?
Que diabos.
— Ela vai trabalhar com você. Começa na segunda, seja bonzinho e lhe faça companhia. — Dito isso a mulher sai, nos deixando sozinhos em um clima constrangedor. Ele limpa a garganta e acena com a mão para que o garçom lhe traga uma bebida.
— Então…
— Preciso ir. — O deixo falando sozinho e corro para a saída, fazendo o que deveria ter feito há muito tempo, fugindo desse maldito coquetel.
DavidObservo em expectativa o ponteiro menor encontrar o maior em cima do número nove, indicando que não há motivos para minha irritação continuar e como imaginei, ela não vem.Ela não vem...Ela não vem.Ótimo. Um sorriso repuxa meus lábios e dou adeus ao mau humor, quase me levantando para dar saltinhos de felicidade. Começando a ter uma nova perspectiva sobre a manhã infernal que estou tendo desde que acordei.— Sr. Bragança, tem uma jovem aqui querendo vê-lo. — Leila diz do outro lado do telefone assim que o atendo, não esperando sequer que eu tome a primeira fala. — Permito que entre, senhor?Pisco algumas vezes, checando meu relógio de pulso e vendo que não passou mais que um minuto desde a última vez que o chequei. — Quem é a moça, Leila? — Indago, apesar de já desconfiar de quem seja. Minha secretaria faz uma pausa em sua fala e tudo que posso ouvir são sussurros do outro lado da linha. — Leila? — Tento chamar sua atenção.— Senhorita Álvares, senhor. Ela disse que tem horár
NELLYO prédio Bragança é de longe o lugar mais luxuoso e moderno que já estive, nem mesmo a agência que eu trabalhava tinha tanta personalidade em sua arquitetura e decoração, mas isso não impede a sensação de falta de ar que estou tendo desde que saí de casa essa manhã, na boa, eu não sei o que deu em mim para aceitar essa proposta. Ficar perto dele não vai me fazer bem. Então, o que diabos estou fazendo aqui?Você é masoquista. Minha consciência tira sarro e reviro os olhos. Megera.
DAVIDA escuridão tornou-se meu abrigo, o álcool meu melhor amigo, mas o sexo, porra, este é o meu anestésico favorito.Empurro sem piedade contra a ruiva fogosa, sorrindo ao ouvir seus gemidos luxuriosos e engancho minha mão em seu cabelo, puxando até que ela fique de joelhos, encostando suas costas no meu peito. Mordo seu ombro, pescoço e bochecha. Ela empurra de volta e rosno, gostando da sua safadeza.A mulher é experiente, sabe exatamente do que um homem gosta na cama e isso me agrada.— Você não vai me falar seu nome? — Diz sedutora, me olhando através do espelho na parede. Estamos em um quarto de motel qualquer, trancados há quase três horas e a mulher acha que já somos íntimos. Deslizo meu dedo pela sua barriga até chegar em sua boceta, acaricio seu clitóris enquanto enfio cada centímetro da minha rola para dentro dela.— Meu nome não importa agora, linda. Você está tomando meu pau na sua boceta apertada e está gostando. — Ela geme em resposta, provando o meu ponto e meto com
NELLY HORAS ANTES. O dia começou tumultuado e precisei incorporar um espírito sensato para lidar com Kaciana, porque só Deus sabe o quanto minha progenitora pode ser insistente. Eu amo minha mãe com todas minhas forças, mas quando ela cisma com algo é tortura na certa, por isso, a evito desde o nosso último confronto. — Você engordou? — Paro a colher de mingau no meio do caminho e giro meu tronco para encontrar com os olhos azuis, altivos e tão parecidos com os meus. — Porque parece que você ganhou alguns quilos. — Completa, torcendo o rosto em desagrado enquanto me analisa e caminha até estar na minha frente. — Não. — Sussurro, afastando a tigela com o alimento pra longe, sentindo a fome passar. — Tem certeza? Seu rosto está arredondado, suas bochechas mais salientes e sua bunda mal cabe nessa cadeira. — Fecho os meus olhos, contendo as lágrimas e respiro fundo. — Preciso ir trabalhar. — Digo, virando de costas para fugir do seu campo de visão e não presenteá—la com minhas l
DAVIDO sol invade meu quarto pela janela e a claridade atrapalha meu sono, me fazendo despertar antes da hora. Irritado, levanto mal-humorado, chutando o travesseiro que cai da cama em cima do meu pé. Hoje é um péssimo dia por muitos motivos, mas o principal é que hoje deveria ser um dia de comemoração, onde minha esposa e eu faríamos dezoito anos de casados.Só que ela está morta e eu vivo, então esse dia se tornou ruim. Péssimo.
NELLYO homem parece desolado, fragilizado diante de mim, o oposto do que ele vem me mostrando ao longo desse tempo de convívio, pois a pose de "nada me abala", foi embora e deu lugar a um homem quebrado e cheio de culpa. A falta do brilho em seus olhos foi algo que percebi logo quando fomos reapresentados, pois, o cara que eu idolatrava na adolescência era cheio de vida e bom humor, não havia um dia se quer que eu não ganhasse um sorriso seu, mas julguei que isso tivesse ligação com sua posição de diretor executivo da Bragança.Eu estava enganada,
DAVIDDescarto a cápsula de café no lixo e bebo todo o conteúdo da xícara, a porra dessa máquina de expresso foi inventada para salvar minha vida, não tem outra explicação, sou viciado confesso em café desde a época da faculdade e nunca aprendi o jeito tradicional de deixá-lo no ponto certo. Meus anos como educador só intensificaram essa paixão, não sei como conseguiria lidar com as noites em claro corrigindo provas e planejando aulas sem uma boa dose de cafeína. O lí
NELLYSe eu tivesse a sorte da Cinderela e uma fada madrinha aparecesse na minha frente, eu pediria para ela arrancar a merda desse sentimento do meu peito, acabar com as ideias ilusórias que estão voltando com tudo desde que o reencontrei, desaparecesse com todo o meu passado e levasse alguns quilos. Minha mente já não está acompanhando a bipolaridade do homem e estou começando a vacilar novamente. Primeiro, ele insinua que não faz a mínima ideia de quem sou, depois demonstra se lembrar sim, aí me propõe amizade e volta a surtar novamente, do nada, por motivo nenhum. Digito com certa rapidez, descontando no teclado do meu notebook toda a minha frustração. Como se a volta de