NELLY HORAS ANTES. O dia começou tumultuado e precisei incorporar um espírito sensato para lidar com Kaciana, porque só Deus sabe o quanto minha progenitora pode ser insistente. Eu amo minha mãe com todas minhas forças, mas quando ela cisma com algo é tortura na certa, por isso, a evito desde o nosso último confronto. — Você engordou? — Paro a colher de mingau no meio do caminho e giro meu tronco para encontrar com os olhos azuis, altivos e tão parecidos com os meus. — Porque parece que você ganhou alguns quilos. — Completa, torcendo o rosto em desagrado enquanto me analisa e caminha até estar na minha frente. — Não. — Sussurro, afastando a tigela com o alimento pra longe, sentindo a fome passar. — Tem certeza? Seu rosto está arredondado, suas bochechas mais salientes e sua bunda mal cabe nessa cadeira. — Fecho os meus olhos, contendo as lágrimas e respiro fundo. — Preciso ir trabalhar. — Digo, virando de costas para fugir do seu campo de visão e não presenteá—la com minhas l
DAVIDO sol invade meu quarto pela janela e a claridade atrapalha meu sono, me fazendo despertar antes da hora. Irritado, levanto mal-humorado, chutando o travesseiro que cai da cama em cima do meu pé. Hoje é um péssimo dia por muitos motivos, mas o principal é que hoje deveria ser um dia de comemoração, onde minha esposa e eu faríamos dezoito anos de casados.Só que ela está morta e eu vivo, então esse dia se tornou ruim. Péssimo.
NELLYO homem parece desolado, fragilizado diante de mim, o oposto do que ele vem me mostrando ao longo desse tempo de convívio, pois a pose de "nada me abala", foi embora e deu lugar a um homem quebrado e cheio de culpa. A falta do brilho em seus olhos foi algo que percebi logo quando fomos reapresentados, pois, o cara que eu idolatrava na adolescência era cheio de vida e bom humor, não havia um dia se quer que eu não ganhasse um sorriso seu, mas julguei que isso tivesse ligação com sua posição de diretor executivo da Bragança.Eu estava enganada,
DAVIDDescarto a cápsula de café no lixo e bebo todo o conteúdo da xícara, a porra dessa máquina de expresso foi inventada para salvar minha vida, não tem outra explicação, sou viciado confesso em café desde a época da faculdade e nunca aprendi o jeito tradicional de deixá-lo no ponto certo. Meus anos como educador só intensificaram essa paixão, não sei como conseguiria lidar com as noites em claro corrigindo provas e planejando aulas sem uma boa dose de cafeína. O lí
NELLYSe eu tivesse a sorte da Cinderela e uma fada madrinha aparecesse na minha frente, eu pediria para ela arrancar a merda desse sentimento do meu peito, acabar com as ideias ilusórias que estão voltando com tudo desde que o reencontrei, desaparecesse com todo o meu passado e levasse alguns quilos. Minha mente já não está acompanhando a bipolaridade do homem e estou começando a vacilar novamente. Primeiro, ele insinua que não faz a mínima ideia de quem sou, depois demonstra se lembrar sim, aí me propõe amizade e volta a surtar novamente, do nada, por motivo nenhum. Digito com certa rapidez, descontando no teclado do meu notebook toda a minha frustração. Como se a volta de
NELLY— Você vai!— Não vou.— Vai.— Não. — Alice revira os olhos do outro lado da tela do meu celular, se deitando no chão enquanto tenta manter o celular equilibrado na altura do seu rosto e discutir comigo ao mesmo tempo. Meu dedo desliza até o botão de desliga e fico tentada a apertar.— Nem pense nisso. — Rosna do outro lado
DAVIDAcabei de perceber que somos como gasolina e fósforo, esperando o momento certo para explodir. Eu não sei o motivo, mas estamos em constante discordância, incitando o limite um do outro sem nenhum manual ou consciência, apenas por esporte. A presença dela não preenche o vazio no meu peito, mas quase me faz esquecer de toda a merda que me ronda diariamente, ainda não sei se isso é bom ou ruim, mas, sei que ficar longe dela já não é uma tarefa que eu possa cumprir e juro pela minha mãezinha que tentei. — Quem estará no jantar? — Viro rapidamente para Nelly, descendo os olhos sem querer para seu decote chamativo e me recrimino internamente, forçando minhas íris a focarem na estrada e não nela. — Não sei, minha mãe apenas me intimou. — Dou de ombros, me policiando para não virar o rosto em sua direção novamente e admirar mais um pouco do corpo cheio de curvas, seu vestido está tão colado que possa enxergar cada parte sua sem muito esforço. — Você ao menos sabe o endereço? — Provo
DAVID— Preparada para conhecer o Senhor Octávio Bragança? — Pergunto, percebendo seu olhar curioso depois das falas da minha mãe. — Otávio? O nome dele não deveria ser outro? — Questiona e fico confuso. — Deveria? — Bom, sua mãe usou a termologia "filho", então deduzi que ele teria o mesmo nome que o seu. — Esclarece e rio, achando bonitinho a maneira como ela torce o nariz e contrai os lábios durante sua explicação. — Minha progenitora é louca, podemos tomar de exemplo o fato dela ainda querer controlar a vida do filho de quase quarenta anos. — Brinco, mas falando sério, e ela sorrir, colocando uma mecha solto do cabelo para trás da orelha. — Permita-me. — Peço, fazendo o que ela acabou de fazer com outra mecha solta.— Obrigado. — Foi um prazer. — ofereço-lhe meu braço e ela passa a mão por ele. Nós caminhamos em perfeita sincronia pelo salão de festas, descemos as escadas que dão para o jardim sem nenhum insulto ou agressão física, eu a apresento para o meu pai como a garota