- Abaixa um pouco pra eu lavar os seus cabelos.- Não sei por que toda baixinha é tão mandona.- Isso mesmo, anda logo.Ele fica de joelhos e eu coloco shampoo nas mãos, esfregando o couro cabeludo dele com movimentos suaves, ele deixa escapar um gemido baixinho.- Hum, bom, esfrega mais um pouquinho.Ele segura minha cintura para se equilibrar e deposita um beijo em meu umbigo.Hafiq se levanta e enxágua o cabelo, minhas mãos ensaboadas percorrem seus braços fortes, seu peito, as coxas e as costas macias, ele respira fundo, lavei-o inteiro. Ele me observa com o olhar dócil, a boca curvando-se em um sorriso tímido e fofo.Enxuguei-me de costas pra ele.Ironicamente me sinto envergonhada, ele faz do meu corpo o que quer e eu tenho vergonha de permanecer nua em sua frente.Hafiq já se vestiu e só agora eu terminei de colocar o meu vestido, como ele consegue ser tão rápido?Está a bordo de um terno azul marinho, camisa branca e gravata azul claro, observo-o caminhar com passos firmes e v
Posso também me acovardar perante o novo, deixando-me atropelar pelas mudanças drásticas e a fortuna esmagadora que vem atrelada a Hafiq.Ou eu posso permitir-me mergulhar de encontro a essas novas perspectivas, ao desconhecido e encarar os meus temores.O que normalmente é de meu feitio, já que sou brasileira e nordestina, nascida para mudar de pele de acordo com a necessidade e com o que a vida me oferta.Decido temporariamente escolher o desbravamento, nunca tive medo de uma boa briga, de começar de novo, de dar a cara para bater, essa sou eu, sem muitas delongas ou pieguices, gosto de fugir do óbvio e brincar com o inesperado.Antes de descer, penso que a primeira selva a ser explorada é esse apartamento imenso e todos que nele habitam. Retorno pra cozinha com o propósito de estreitar laços e conhecimentos, começando por Ranya, que me olha próxima a pia com o olhar desconfiado.- Venha tomar um café comigo Ranya.Ela ri nervosa, como se eu tivesse saído de um livro de ficção cient
Desliguei na cara do neurótico, disse que casaria com ele, só isso, não prometi a ele tornar- me uma boneca de pano, que só serve para decoração, que se coloca onde quer.Eu nunca prometi ser uma idiota sem personalidade, de jeito nenhum eu sou mulher que tem que pedir permissão pra sair de casa, é ruim hein! Ele se iludiu porque quis.Se eu vou fazer o que quero, não adianta ouvir os gritos dele agora, ele tem que entender que não pode restringir meu direito de liberdade, de fazer o que quero e na hora que quero.Após o bate papo com Ranya e algumas pesquisas na internet, resolvi que vou procurar uma boa escola para Kaled e depois comprar algumas roupas quentes, pois apesar de ser primavera, Londres à noite faz muito frio.Já anotei em um papelzinho o meu novo endereço corretamente, vesti uma jaqueta jeans para me proteger do frio, calcei minhas botas de salto altíssimas pra ficar mais arrumadinha e agora o que preciso é conseguir pegar um taxi sem me perder nessa cidade imensa.O ap
Quando eu voltar pra casa é certo que será declarada a terceira guerra mundial e brigar com Hafiq é cansativo demais, o cara tem um dom natural de sempre dar a última palavra nas discussões e isso é muito irritante.O pub tá lotado, vários casais conversando, grupos de amigos curtindo um Happy Hour, eu só preciso me recompor.Vou até o banheiro melhorar a cara, ajeito o cabelo, pelo menos meu vestido está secando.Tomo minha cerveja e tento engolir o choro, eu vou conseguir uma boa escola para Kaled em outro dia, sem ter que recorrer a Hafiq.Após três cervejas e uma taça de vinho, a tarde cai.Estou quase bêbada, já está tarde e quando fui ao banheiro novamente, perdi o maldito papel com meu endereço novo, vou ter que ligar pra ele e pedi-lo para me buscar aqui.Era tudo que eu precisava pra completar a merda de dia.Um Aston Martin para em frente ao Pub, eu reconheço o motorista do carro preto e congelo sentada na mesa, não consigo mover um músculo, Youssef está na porta do Dickens.
Após mais um tempo sem ninguém ceder, Hafiq suspira longamente.Ele agacha-se ao meu lado sentando-se no chão, suas roupas caras destoam completamente do ambiente.Hafiq tenta encontrar palavras, me encara balançando a cabeça, como se eu fosse uma causa perdida. Aspira profundamente, seu olhar se mostra sincero.- Tônia, eu não quero jamais te maltratar, eu detesto te ver assim ferida, não quero que você se sinta assim. Você é minha mulher, eu prometi te proteger, é isso o que um homem faz, protege a sua mulher, pra que nada e nem ninguém possam te ferir, te fazer mal. Mas você parece que faz de propósito, você faz questão de se pôr em risco, eu já te expliquei que sou um homem que não tenho só amigos, pra chegar aonde eu cheguei, eu não agradei a todos, eu fiz muitos inimigos, isso é sério, eu não quero que ninguém te machuque, só Deus sabe o que eu teria que fazer com qualquer filho da puta que te colocasse um dedo, eu não quero que você sofra.- Então pare de gritar comigo como um
Ele está fazendo a velha vadia retorcer-se na cadeira.- Sim, depende do que Antônia desejar. Meu bem, você quer manter Kaled nessa escola ou prefere matriculá-lo em outra? Você decide habibi.Sinto-me bem, a vingança é um bom vinho, quase posso sair bailando por esta sala. Hafiq sapateou na arrogância dessa velha com coturnos de aço.Um leve sorriso brota de meus lábios, após esse dia de merda, depois de ter sido escorraçada dessa escola como uma praga.Sorrio para Hafiq no melhor do meu sorriso “toma essa, sua vaca” e respondo toda dengosa.- Creio que eles farão um bom trabalho com Kaled, vou matriculá-lo aqui mesmo, meu bem.- Então será do jeito que você quiser, estamos resolvidos, simples assim. O meu secretário se encarregará dos documentos, enviarei através dele também, minha doação mensal a escola, foi um prazer revê-la Sra. Prescott.Ela só conseguiu forçar um sorriso.- O prazer foi todo meu, Senhor e Sra. Hassan.Saio do gabinete da Sra. Prescott com a alma mais leve, foi
Eu não posso deixa-los serem demitidos por minha causa, mesmo sabendo que ele vai ficar ainda mais puto da vida decido interferir, bato na porta do escritório.- Hafiq, abra, por favor.- Antônia, eu estou em reunião, depois eu falo com você.Eu abro a porta e ele levanta a sobrancelha, me encarando furioso, os lábios rígidos. A cena que se descerra a minha frente é deprimente.Youssef, aquele tanque de guerra em forma de homem, está encolhido dentro do terno preto amassado, as feições péssimas, e os outros dois seguranças, estão tão cabisbaixos que os rostos quase esfregam o chão.- Eu sei o motivo da reunião, por isso eu vim falar com você.- Agora não é um bom momento.A tensão aumenta na sala em pontos altíssimos da escala Richter, é certo que o “terremoto Hafiq” vai derrubar tudo e os seguranças olham uns para os outros, apavorados, cada qual querendo salvar a sua pele quando não restar nada em pé.Ele enfim cede e se dirige aos seguranças.- Depois eu falo com vocês.Ficamos sur
- Por que precisa ter cerimônia religiosa?- Eu posso enumerar infinitos motivos: para minha família poder participar, pelos meus costumes, por mim, por você, por Kaled, pelo cacete. E por que não, Tônia?- Não acho adequado um casamento religioso, podemos nos casar somente no civil.- Por que não é adequado? Ah, deixe-me ver, eu havia me esquecido, você já se casou, não é? Com meu irmão! Você não quer se expor, casando-se comigo, eu não sou bom o suficiente? Você tem vergonha de mim, Antônia?Eu não vou aturar mais isso, por que ele tem que meter Zie em toda discussão nossa?- Já te disse para lavar a boca antes de falar de Zie, ironia não combina com você, você só está falando merda.Hafiq levanta devagar e se apoia na mesa falando mais alto.- E eu já te disse que Zie é apelido de amantes, eu não quero ouvir os apelidos carinhosos do casalzinho perfeito, ele se chama Aziz, seu falecido marido, ponha isso em sua cabeça. Chega, casaremos no Qatar, será melhor assim, já está decidido.