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O perfeito cafajeste

Capítulo 4

O perfeito cafajeste

Ao voltarmos a cidade, fomos diretamente para o hostel pesquisado para nossa estadia,  Green yard hostel. Era, de fato, muito bonito e simples. Os White wolves não procuravam luxo ou sofisticação. A estrada era o prazer principal e não as hospedagens. Mas confesso que o lugar era luxuoso para um hostel e a localização de frente para o mar me fez abrir um sorriso largo. Eu estava morto de cansaço e fome e só queria jantar e descansar. Estava pilhado da adrenalina e da raiva e não sabia se conseguiria dormir. Fui levado até meu quarto por uma simpática dona do hostel que se apresentou, nos recepcionando com muito zelo. Era uma mulher madura, de talvez uns quarenta e alguns anos e muito bonita. Fiquei impressionado, mas evitei dizer isso aos amigos já que não fazia nem duas horas que eu estava aos beijos com a cantora do bar. Infelizmente eu a tinha deixado para perseguir um “puxador” de moto e tinha ficado muito envergonhado de tê-la abandonado, mas meu jeito teimoso e brigão tinha sido acionado. Eu sabia que deveria voltar aquele bar e pedir desculpas a ela. Faria isso na noite seguinte porque meus instintos me diziam que eu ia ficar ali por alguns dias até a moto de Bill aparecer ou ele conseguir adquirir outra para prosseguirmos viagem até Fortaleza. As motos tinham seguro, entretanto até as coisas serem provadas na polícia, o seguro ser acionado, conseguir entrar em contato com a concessionária, todo esse processo era bem demorado. Talvez alguns dias.

Enfim, eu consegui tirar aquela roupa no meu quarto alugado de frente para o mar e me lavei daquele dia cheio e difícil em um banho gostoso e quente. Quando desci para o jantar, vi que não podia mais acessar o restaurante, já que era mais de meia noite. Acendi um cigarro no pequeno saguão vazio e observei pela vidraça o mar ali bem próximo. Senti uma mãozinha tocar meu ombro.

- Boa noite, senhor?...

Virei-me de frente para a mulher e vi que era a dona do hostel que havia nos recepcionado. O lugar era muito aconchegante e ela estava ali, de pé para mais uma vez se contactar conosco com toda a gentileza.

- Vitor...Ferreira - Estendi a mão.

Ela se demorou um pouco para estender a mão para mim, mas o fez com um sorriso mais que simpático. Era bonita, tinha um porte elegante, vestia calça jeans, uma camiseta com alças e sandálias de salto alto. Era difícil reparar numa mulher assim por inteiro, mas às vezes acontecia.

- Simone... - Ela chacoalhou minha mão - Eu já ia me recolher quando pensei que talvez os novos hóspedes estivessem com fome.

- Ah com certeza e a propósito, desculpe-nos invadir assim o seu hotel, acho que devemos pagar a mais por esse inconveniente sem reserva.

- Claro que não, fiquem à vontade, o senhor deseja alguma coisa aqui embaixo?

- Sim, jantar - Respondi sentindo o estomago revirar de fome e sorri.

Ela me retribuiu com um sorriso sugestivo e mais uma vez tocou em mim.

- Olha, temos restaurantes excelentes nas redondezas, mas a essa hora, não estão mais funcionando. Eu te indico algum fast-food aberto na cidade.

- Claro, claro, não precisa se incomodar!  - Abri um sorriso de quem ouvia a solução de todos os problemas.

- Vai agora? Se quiser posso indicar o caminho no mapa do celular. - Ela estava me dando muita atenção.

         Dessa vez eu não poderia culpar o colete sem camisa, eu estava de camiseta e bandana azul na cabeça. Eu devia ser uma figura exótica para uma dona de hostel, mas eu me reservei o direito de esperar para ver o que ela estava pretendendo com toda aquela atenção ou se era somente muito gentil.

Assim que os companheiros de moto apareceram e a viram muito próxima de mim, começaram de risinhos debochados. Bill já tinha voltado da delegacia e os demais começaram a chegar de seus banhos e sentavam próximo a mim. Quando Bill viu a dona do hotel ali junto de mim, soltou imediatamente uma pérola de sarcasmo.

- Cara, onde tu vai parar? - Bill ria.

- Simone, esses são os meus amigos mal-educados.

Bill se levantou de seu lugar acendendo um cigarro e em seguida segurou a mão dela.

- A senhora pode nos indicar um lugar para comer?

- Claro, falei para seu amigo...Vitor- Ela me procurou para apontar.

- Então, doido, vamos ou não?

- Claro.

Eu respondi e me despedi jogando o cigarro no cinzeiro e esse gesto fez com que meus cabelos escorregassem para a frente de meus olhos e dessa forma a olhei entre os fios. Ela me observava. Parece que eles tinham razão, alguma coisa de diferente existia em mim. Assim que pegamos as motos, alguns dos rapazes mais novos fizeram os sons de uivos que era como avisar que os White wolves estavam levantando acampamento. Só que não iríamos embora, a diversão deles era uivar mesmo.

A volta do restaurante fast-food foi tranquila, em uma cidade tranquila comparada ao Rio de janeiro. Assim que me deitei na minha cama, apaguei de tanto sono e cansaço e só acordei no dia seguinte lá pelo meio-dia com a porta do meu quarto sendo esmurrada por Bill avisando que eu devia almoçar pois o restaurante do hotel ia fechar. Então eu me arrumei mais que o necessário, instintivamente, sabendo que a gata dona do hostel podia me ver. Desci para o restaurante sempre de colete e cigarro na boca. Já era a minha marca. Ao me sentar para comer vi que tinha notificações no celular. A minha mãe e meu pai estavam me deixando mensagens que eu sequer via, então me limitei a responder somente o necessário, estava vivo. Era só o que precisavam saber. Não me dei ao trabalho de ouvir um áudio de cinco minutos do meu pai, certamente reclamando que eu devia ter responsabilidades com o império que ele tinha construído e que eu devia retornar logo. O problema morava justamente no império que ele tinha construído. Ele, não eu. Eu nunca quis aquele tipo de vida e não era porque eu era um revoltado sem causa ou porque eu podia bancar a vida sobre a minha moto. Eu tinha motivos demais para achar que um homem deve construir sua própria história e que viver sentado sobre uma pilha de dinheiro não tinha acrescentado felicidade a vida dele nem a da minha mãe e muito menos a minha. Eles nunca tinham olhado verdadeiramente para os filhos, escutado os filhos, reparado nos filhos. Meus pais eram um casal problemático, viciado em todo tipo de status, com medo de perder patrimônios e que por tudo isso jogavam suas vidas no lixo, esperando serem felizes sempre no dia seguinte. Eu era feliz ouvindo rock sobre a minha moto, visitando lugares incríveis duas vezes ao ano e sendo parte integrante de um grupo de homens que queriam ser livres das convenções sociais. Então, ao final do áudio ergui a cabeça e com uma expressão misturada de enfado com tristeza, percebi que a dona do hotel estava me olhando de soslaio enquanto dava ordens ao chef do restaurante. Ela sorriu para mim. Eu cruzei as pernas e me recostei na cadeira retribuindo a ela o meu melhor sorriso de canto, meio cafajeste, meio gentil. Os amigos já almoçavam nas mesas ao lado e faziam planos para passar a tarde.

Bill entraria em contato novamente com a delegacia e com a concessionária caso não achassem sua moto e estava muito bravo. Naquele momento eu queria distância de sua ranzinzice e assim que terminei meu almoço fui dar uma volta na praia que ficava em frente ao hostel. Vesti uma camisa estilo havaiana floral azul com os botões abertos, uma bermuda preta e óculos escuros e fui dar uma volta na orla a pé. Quando voltei ao hotel lá estava Simone, a dona do hostel, como que me esperando. Será que ela estava realmente a fim de uma aventura? Eu já tinha procurado um anel de casamento em seu dedo anelar esquerdo e nada. Parei em frente a ela no saguão pequeno e retirei os óculos escuros o pendurando no cordão de prata no meu peito.

- Boa tarde.

- Boa tarde, como foi seu passeio, senhor? - Ela perguntou sorrindo.

Eu seria muito cafajeste se respondesse “seria melhor com você?”. Sim, seria.

- Foi quente. Tá muito quente lá fora. Acho que mereço um ar condicionado, senhora.

- Senhora? - Eu tinha a atingido como pretendia. - Não sou velha.

- Eu sei, assim como eu também não sou um senhor, mas foi a senhora que começou. - Respondi sorrindo enquanto a comia com o olhar

Ela riu.

- Ossos do ofício...Eu preciso ser respeitosa.

- Claro, conheço bem essa etiqueta dos empresários  - a olhei de cima a baixo - Mas prefiro ser informal.

- É uma escolha que me atrai. - Ela disse em baixo tom de voz olhando para os lados enquanto mexia em papéis.

Eu sorri sem jeito.

- Posso ser informal...

Ela ergueu o olhar para meus olhos e sorriu com aquele ar de superioridade das lobas maduras que eu particularmente achava um tesão.

- Não quero passar uma imagem errada...

- Então passe a imagem certa. - Pisquei para ela e busquei meus óculos escuros no cordão o colocando no rosto e saí no momento certo.

Eu sabia que ela ficaria se perguntando e se questionando se deveria fazer aquilo. Eu tinha um faro apurado para mulheres que estavam prestes a ligar o foda-se para o que a sociedade pensava. Aquela mulher exalava sensualidade de forma contida, nos seus olhares, em sorrisos fora de hora, eu podia ler seu comportamento. Ela não estava ali, fora de seu escritório quase o tempo todo desde que meu grupo chegou simplesmente para ver se estava tudo a contento. Eu podia ser seu alvo ou não, mas meu ego imenso cismava de conferir isso sempre. Descobriria isso no momento certo.

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