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Os lobos do asfalto
Os lobos do asfalto
Por: Lu Mendes
Mulheres do caminho

Lobos do asfalto

Mulheres do caminho

Meia noite. Olhei o relógio de pulso. Tudo estava embaçado pela viseira suja do meu capacete e eu precisava parar a minha Harley. Foi nesse momento em que me recordei de momento semelhante há mais de cinco anos atrás. Estávamos em uma trip pelo país, eu e os White wolves. Lembro bem quando Bill olhou para trás enquanto eu comia a poeira cor de barro da sua menina, uma Harley Own linda, toda metalizada. Bill “Lobo velho” estava quente aquela noite. Ele não parava por nada. Eu já sentia sede e “Mad Max” sinalizava para mim que deveríamos parar. Mad Max era o apelido carinhoso do Caio, porque ele só queria mais velocidade, era um ás do asfalto, mas o cara mais louco que eu já conheci. As manobras mais arriscadas e ultrapassagens mais loucas eram as realizadas por Caio “Mad Max”. Aquele grupo era grande, nunca foi tão grande quanto naquela viagem. Estávamos em vinte e dois motoqueiros. Todos sempre trajados com a jaqueta de couro preta dos White wolves, nosso clube. Bill diminuiu a velocidade e encostou a sua menina, como ele chamava. Logo todos encostaram na estrada escura.

Eu já calculava que estávamos no Espírito Santo àquela altura. Bill olhou o GPS do seu celular e, de fato, estávamos no Estado vizinho ao nosso depois de quase doze horas de moto. Minha bunda já estava quadrada quando finalmente pude acender um cigarro e desligar o rock do meu celular que estava com a bateria a dez por centro. Eu não pilotava minha “esposa” sem ouvir um bom e velho rock. Era dos caras do grupo o mais novo. Estava com vinte e cinco naquela época. Bons tempos em que eu não precisava me enfiar em terno e gravata e cuidar de assuntos de escritório que antes eram exclusivos do meu pai. Sentia falta daquela época. Logo o sinal abriu e eu parti para casa com a minha Harley mas com todas aquelas memórias na mente. Memórias de dias felizes como agora.

Bill nos olhou descendo da moto e tirando o capacete. Quando voltou a olhar o GPS, em seguida olhou o céu e naquele momento ele parecia ter descoberto onde estávamos como um beduíno do deserto que se guia pelas estrelas.

- Estamos perto de uma cidadezinha chamada .... - Ele olhava o seu celular. - Cachoeiro do Itapemirim mas podemos ir direto para Vila Velha, votação?

- Vila velha, Bill! Vamos pro “Bate e fica”*! - Gritou Mad Max.

- Melhor, velho!

Ele me olhou, sabendo que minha decisão, mesmo de mais jovem do grupo era importante por ser quem eu era, o cara mais rico do grupo e o que pagava bebida para todo mundo.

- Bora, velho! Eu to com a bunda quadrada já e vontade de tomar uma gelada!

- Então, bora Vila Velha! Vamos chegar “no sapatinho” para não assustar a mulherada da cidade!

- Ihháaa! - Gritei terminando por jogar fora meu cigarro quando a decisão do grupo já cansado foi tomada.

O chão até a cidade foi de mais uma hora mais ou menos e adentramos a cidade sem pedir passagem, com ar de mau encarados, fedendo a cigarro e suor, com as olheiras fundas de tanto dirigir. Se eu capotasse minha moto, certamente culparia Bill por fazer a gente pilotar tantas horas só com duas paradas. Vila Velha é realmente uma cidade muito bonita, assim como quase todas do país, e o que eu mais amava era poder conhecer todas elas somente com o combustível da minha moto e minha persistência. Era óbvio que o dinheiro da minha família ajudava mas de alguma forma eu sempre tentei mostrar aos outros que era capaz de me virar sem ele. Eu fazia minha própria comida, pedia poucos recursos ao meu pai apesar de poder utilizá-los, me virava sozinho, afinal meu pai mesmo havia me ensinado que um homem deve se virar e não esperar que os outros estendam a mão pois nem sempre isso acontece. Desde novo eu tinha esse mesmo pensamento.

Quando paramos nossas motos em frente a um bar, meu corpo todo doía mas como um típico macho que era, mal reclamei diante dos outros velhos do grupo que estavam bem piores do que eu. Acendi novo cigarro e ajeitei meu colete do White wolves no corpo, guardei o capacete e entrei junto com os demais para pedir informações e beber algo. O bar era rústico mas acontecia um show intimista naquela noite, voz e violão. A cantora parecia bem novinha mas era dona de uma voz poderosa e de uma beleza incomum para cantoras da noite e eu conhecia algumas delas. As pessoas ao nosso redor nos olharam, afinal chamávamos atenção. Estávamos em um grupo grande invadindo o local, todos de colete de couro, bandanas e botas. Ajeitei o cabelo comprido que sempre cultivei com devoção em um coque samurai e me sentei virando a cadeira para sentar de frente para o encosto. Bill ria de alguns caras mais velhos do grupo que estavam se queixando das costas quando a garçonete se aproximou de nosso grupo perguntando o que iríamos querer. Ela demorou o olhar no meu peito sob o colete e em seguida nos meus olhos. A fumaça me fazia cerrar os olhos enquanto o cigarro estava pendurado na boca para que eu pudesse acessar minha carteira no bolso de trás da calça e por isso não achei ela tão bonita mas aquela olhada foi o suficiente para tirarem sarro de mim o resto da noite.

- Eu ainda não sei porque a gente pilota com o “Lobo louco”, ele ganha todas as mulheres onde chega. - Disse um dos motoqueiros, Fred “Pantera” batendo no meu ombro. O apelido dele, fiquei sabendo tempo depois se referia a banda que ele mais gostava, Pantera.

- Fale por você, Pantera, eu  mais que satisfeito com a atenção que eu ganho. - Respondeu Bill olhando a cantora em cima do palco.

- Ah mas eu aposto que o “Louco” leva ela para cima da moto hoje mesmo.

Todos gargalharam com a referência dele sobre “para cima da moto” sem qualquer conforto. Como alguém consegue trepar em cima da moto? Ta certo que eu já tinha feito, mas não foi com nenhuma cantora de bar bonita como aquela.

- Ah parem de apostar coisas sobre mim, minha bunda  doendo! - Reclamei pedindo uma água e uma cerveja a garçonete.

- Estão de passagem? - Perguntou ela olhando para todos para disfarçar - Motoqueiros?

- Sim, madame - Respondeu Bill se levantando para estender a mão a ela e todos demos risada.

- Eu saio à uma hora, queria dar uma volta de moto! - Ela olhou para mim.

Isso não se faz com um homem que passou mais de nove horas em cima da moto com apenas duas paradas de quarenta minutos para comer e ir ao banheiro. A minha vontade era de m****r ela se lascar porque meu pau não iria subir com a dor no pescoço que eu estava mas olhei os demais que esperavam que eu me posicionasse como um lobo branco dos mais selvagens.

- Em cima de qual moto quer sentar? - Perguntei, tirando o cigarro da boca e o apoiando sobre o cinzeiro da mesa. Ficava bastante sem paciência quando sentia fome e sono.

- Ah Vitor! Claro que ela sentar na tua moto! - Mad Max atacou e olhou a moça, cruzando os braços. Todos esperavam a resposta dela.

- O moço ai com o cigarro, de colete sem camisa! - Ela sorria.

De fato era eu. Precisava urgentemente parar de andar de colete sem camisa por baixo.

- Eu venho te buscar. - Respondi sob livre e espontânea pressão.

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