Kael esperou a chegada da guarda real e escoltou pessoalmente alguns dos escravos mais feridos até eles — talvez fugindo de si mesmo. — Capitão, devemos voltar agora. Não é seguro deixar Ágata e Boldar sozinhos, e Yoran precisa de cuidados — disse Ordan, observando a carruagem de escravos se afastar. — Sim, vamos — respondeu Kael, sem olhar para ele. Kael entrou sem pressa no quarto, que, por sinal, era o único lugar disponível para tratar a garota, já que Rarim estava mais ferida e precisava de atendimento urgente no laboratório. Yoran estava em seu próprio quarto, e Boldar e Leon só queriam dormir um pouco. Nada além. Se o rei ordenasse, ele mesmo se mataria, afinal, não via sentido em sua vida. Então, acomodou-se no que antes era seu quarto e agora voltara a ser a varanda. Kael olhou para Andrômeda com um misto de emoções: felicidade por tê-la perto, medo de que, ao acordar, ela não fosse a mesma, e desespero por vê-la ali, intocável. Seus olhos encheram-se de água. Ele
— Por favor, Kaito, traga ela de volta, como fez comigo! Por favor! — Ágata gritava de joelhos diante de Kaito.— Agui, não funciona assim. A Rarim... ela não está ferida da mesma forma. A dor dela é diferente. Eu daria minha vida para trazê-la de volta, Agui, mas agora ela tem que querer voltar. Algo prendia você aqui, você queria se curar... Ela desistiu.— Não... não... Rarim, eu voltei! Rarim, acorda, por favor!— Eu posso ajudar — Andrômeda disse, caminhando apoiada em Kael, que a observava com reprovação no olhar.Ágata olhou para ela com os olhos cheios de lágrimas.— Você pode trazê-la de volta?Andrômeda se segurou em Kael e sorriu para ele.— Pode me ajudar a chegar até a Rari?Kael franziu o cenho, confuso. Há poucos instantes, ela parecia apavorada... e agora estava de pé? Com aquele corte enorme na barriga?— Pode? — Ela o arrancou de seus pensamentos.— Sim. Ela está no laboratório, Agui?Ágata se levantou, assumindo novamente a postura de maga.— Sim, está p
Assim que seus pés tocaram o chão, Andrômeda sentiu o peso do próprio corpo e vacilou. Rarim estendeu a mão, ajudando-a a se erguer.Kael, por outro lado, não teve tanta sorte. Yoran o carregou até a cama, onde ele se contorcia em agonia. O suor escorria por sua pele, seu corpo tremia, e a dor parecia devorá-lo pouco a pouco.— Não façam nada. — A voz de Ágata cortou o silêncio, firme e decidida.Os outros hesitaram, observando Kael sofrer.— Ele precisa sentir isso. — explicou Ágata. — Há anos, eu tomei metade da alma dele... depois que ele perdeu alguém muito importante.O silêncio pesou no ambiente. Rarim desviou o olhar para Andrômeda e, em um gesto discreto, apontou para a porta, sugerindo que era hora de sair dali. Mas antes que pudesse tocá-la, sentiu uma mão segurando a sua.— Como alguém tão calma se tornou tão imprudente? — Leon murmurou.Rarim soltou a mão dele e o encarou.— Se quer continuar sendo prisioneiro, fique. Eu vou morrer tentando ser livre.Leon suspiro
Ágata olhava de loja em loja, sorrindo e arrastando Andrômeda e Rarim como duas bonecas de pano para vestir.— Não precisa ser necessariamente um vestido, não é, capitão? — Kael olhava apaixonado para Andrômeda.— Não, pode ser algo confortável. Tá vendo esse tecido aqui? É bem gostoso — disse ele, apertando os seios de Andrômeda.Ágata arremessou um espartilho no rosto dele.— TIRA A MÃO, SAFADO! — Rarim e Ágata gritaram em uníssono.— Kaito, gostou desse? — Ágata perguntou, olhando para o espelho.Ele nem olhou, concentrado demais no livro que lia vorazmente, um presente de Yoran: A Arte de Atrair Mulheres.— Algo difícil de falar, Ágata... Você ficaria linda até pelada. Esse vestido exalta sua beleza sensual. Até cegos veriam o quão linda você é — disse ele, levantando o olhar.Ágata sorriu, as bochechas coradas, enquanto todos ao redor olhavam boquiabertos.— Babão — Kael e Leon disseram em uníssono.Kaito, indiferente, voltou ao livro.As meninas saíram da loja de mãos vazias. Já
De manhã, os ânimos não estavam tão bem assim. Alinna, Ágata, Rarim e Andrômeda se arrastaram até a cozinha depois de serem despertadas pelo tintilar de pratos e copos. Todos os quartos tinham isolamento acústico porque Ágata quis assim, então, provavelmente, os rapazes deixaram as portas abertas.A cozinha estava um caos, e Boldar estava tranquilamente sentado, encostado em Yoran, enquanto os dois riam da cena que se desenrolava.Kael, Leon e Kaito tentavam a todo custo preparar o café. Kaito e Leon até tinham certa destreza na cozinha, mas Kael era um desastre.— Acho bom a sua amiga contratar uma cozinheira, capitão. Se o senhor se arriscar na cozinha, é possível que crie um monstro de gororoba. — Yoran gargalhava, enterrando o rosto no ombro de Boldar.— Fique à vontade para ajudar. — Kael disse, distraído, e acabou queimando a mão, fazendo Yoran gargalhar mais alto.Ordam chegou calmamente à cozinha, mas ao ver a bagunça, deixou o queixo cair.— Quantos homens tem no batalh
Houve um tempo em que os gigantes esculpiam montanhas com as mãos nuas, as fadas dançavam em florestas de cristal, e os demônios brindavam com vinho sob a luz de duas luas. A Terra era uma tapeçaria de raças, tecida com magia e sangue. Mas o equilíbrio é frágil, e a ganância dos deuses, ainda mais.Nas ruínas de um mundo outrora grandioso, Andrômeda observava o céu, o olhar perdido entre as estrelas. O eco da voz de Kael era longínquo, mas presente. Ela sentia o sangue escorrer entre os dedos que freneticamente pressionavam o ferimento profundo em seu ventre.— Não, não, não… mil vezes eu, mas minha Deusa, não. — A voz de Kael era um lamento desesperado. O peso da culpa apertava seu peito enquanto ele segurava Andrômeda contra si, tentando aquecer o corpo que esmorecia.— Abre os olhos, por favor… fica comigo. Não me deixa. Eu não quero… eu não consigo ficar aqui sem você.O pranto dele se misturava ao cheiro de ferro no ar.— Ela está morta, demônio. Você já destruiu a vida dela
Doze dias se passaram até que Kael abrisse os olhos novamente. Seu corpo ainda estava pesado, e seus olhos demoravam a se acostumar com a luz que passava pela janela. — Se sente melhor? — disse Ágata, colocando uma bandeja com frascos e remédios em cima do criado-mudo. Kael se assustou, mas não demonstrou. — Quem é você? — Tenho várias respostas, mas nenhuma delas convincentes o suficiente pra eu não parecer uma ameaça. — Ela sorriu, tentando tocar na faixa que protegia o ferimento dele. — Não se preocupe. Quando eu cheguei até você, você já estava morto, Capitão. Se eu quisesse você morto, eu só precisava deixar você lá. Ele se recostou no travesseiro, deixando que ela o tocasse. — Qual o seu nome? — Me chamam de Ágata. — Ela respondeu sem cerimônia. — Ágata, por que fez isso? — Kael perguntou, olhando para ela. Ágata cortou um pedaço da faixa. — Isso? Kael respirou fundo, pacientemente. — Por que me tirou de lá? — Podia dizer que foi por empatia, mas nunca provei esse s
Kael cambaleou até o quarto, sentindo o mundo girar ao seu redor. Ele estava bêbado, muito mais do que deveria estar, e o mais estranho era que Agatha, que havia bebido ainda mais que ele, parecia perfeitamente sóbria. Algo nisso o incomodava, mas seus pensamentos estavam turvos demais para se aprofundar nisso agora. Tudo o que queria era dormir. Fechar os olhos e esquecer. Quem sabe, se tivesse sorte, sonharia com Andrômeda. Mas mesmo a embriaguez não foi capaz de enganá-lo. A realidade era cruel e implacável. Andrômeda estava morta. A dor veio como uma lâmina cravada no peito, roubando seu ar. Seu corpo ficou pesado, os músculos recusando-se a obedecer, e ele desabou na porta do quarto. O chão frio contra seu rosto não trouxe nenhum alívio. Com esforço, ele se arrastou até a fechadura, forçando a porta a se abrir. O cheiro que o atingiu fez seu coração falhar uma batida. O perfume delicado flutuava pelo quarto, preenchendo cada canto. Andrômeda amava lírios. Sempre dizia q