Montelite
Alana ouvira comentários a respeito de Stefânia Venax, estavam certamente espalhados pelos ouvidos de todos nas redondezas.
Seus olhos azulados encontram os do irmão Alonso por uma fissura de luz das tochas que eram guiadas pelo lado de fora.
“Que se abram as portas de carvalho entalhado...
Que todo céu dê lugar aos anjos fardados.
Que os nobres façam uma mesura à passagem da luz
Que as almas podres encontrem o perdão diante da cruz...
Recitaram baixinho em uníssono um pedaço do trecho de um poema do qual conheciam desde pequenos. Não sabia-se nem mesmo a autoria, mas certamente deveria ser de um poeta louco embriagado dos bordéis ou bares de estrada.
É tempo para que mais uma lágrima escorregue no rosto de Alana, quando seus olhos vêem uma adaga dourada atravessar a garganta do irmão.
Assim que seu corpo cai no assoalho da carroça,o rosto de Stefânia surge. Sem dúvida matar a alimentava de poder e satisfação.
Alana não sabia lutar. Era tão bela e delicada quanto uma rosa, como se até o mais simples toque fosse capaz de despedaçá-la. Mas a verdade é que era uma muralha de pedras muito bem construída para proteger seu frágil coração. Ela apenas ainda não sabia disso.
Porém nada lhe interessava naquele momento. A espada que ganhara do falecido avô ( pai de sua mãe) estava presa ao cinto. Tinha consciência que uma hora ou outra precisaria usá-la. Talvez fosse a ocasião certa.
Stefânia puxa o corpo de Alonso para fora da carroça e joga-o no chão úmido. Alana respira fundo, aperta o cabo de cristal da espada e se opõe contra Stefânia, caindo sobre seu corpo na lama da estrada. As duas rolam-se tentando de todas as formas acertar uma à outra. A vilã então surge com uma faca, mas a barriga de Alana está muito contraída contra o próprio corpo. Alana tenta retirar espada da cintura, então Stefânia toma o controle da situação, apertando com ambas as mãos o seu pescoço.
-Você vai morrer,Forgari!- ela aperta ainda mais, observando com satisfação as manchas roxas que começam a surgir no rosto de Alana. Ela já não podia mais falar, nem respirar.- Pena que não posso matá-la ainda...preciso de você para fazer um servicinho para mim. – ela solta a garganta da jovem ainda tentando mantê-la imóvel.
-Não vou fazer nenhum serviço sujo para você!
-Cale a boca miserável!- um tapa com extrema violência é rebatido no rosto de Alana, que tenta se pôr em pé. Mas Stefânia parecia ter mais força do que um homem robusto.
- Deixe-nos em paz!-suplica.
-Agora vai dormir um pouco, Forgari. Descançar...
A última visão de Alana é um pano escuro cobrindo sua boca e seu nariz, até um cheiro insuportável tomar conta de suas amídalas impedindo-a também de respirar. O desmaio logo vem com um sono violento.
Nevasca Central
Seis horas depois, desperta em um quarto apertado. Sua visão está turva, o estômago se contrai como se fosse vomitar. Está sobre um pano estendido no chão de terra batida, um tanto molhado. Ela olha para o alto, há buracos no teto. Talvez a tempestade tivesse trazido pingos de chuva na noite anterior.
É possível ver o dia , mas não havia sol, apenas uma ventania açoitava as copas das árvores . Alana escutava passos apressados e todo instante. Tenta levantar-se, mas seu pé esquerdo está preso em uma tornozeleira de ferro pesado que a impedia de caminhar. Sabia que não estava mais em Montelite. Mas onde estaria? Como sentia não estar onde antes estivera?
Alguém abre a porta devagar, ela observa o salto que aqueles pés calçam e reconhece Stefânia mais uma vez.
-Ah, você acordou. Encontrei isso daqui rondando nossa fortaleza.- ela levanta um frasco com algo cintilante dentro.
Alana estreita os olhos.
-Miguy?
-Essa pequena coisa estava nos espionando. – rebate Stefânia. Vou guardar ela comigo.
-Por favor não...
-Shiiiii. – faz sinal para que Alana fique quieta- Não peça nada, Forgari. – então sai e tranca a porta novamente.
Mesmo sem ter certeza, no fundo do coração Alana sentia que perdera também a mãe e o irmão caçula, além de Alonso. Com certeza a mulher que ajudara com o marido e o recém nascido também haviam sido mortos.
Ao observar o pé preso pela argola de ferro , ela vê aos arredores dos pés, a carne viva sangrando e machucada. Já nem sentia dor alguma, somente um formigamento pelo tempo que estava presa ali. A exaustão toma conta do corpo da jovem, que adormece mais uma vez, sentada no pano e escorada em um canto escuro do quartinho, com apenas algumas fissuras de luz da janela. Não havia ninguém que pudesse ajudá-la, ou que desse-se por conta de sua ausência. A família inteira estava morta, Alana não tinha mais ninguém, nem sequer amigos, pois seu pai jamais a deixara sair. Já estava certa de que morreria ali, pois nem mesmo a fada, Miguy poderia ajudá-la.
“ Todas as pessoas estão indo, há somente eu...como irei sobreviver sozinha?” pensa ela enquanto o sono e o cansaço lhe devoram o corpo.
Mais uma vez, um sonho surge. Desta vez não há árvores imensas, nem espelhos, nem vestes de luxo, nem flores. Tratava-se apenas de uma bela jovem elfa, a mesma do sonho do espelho. Usava ainda a mesma roupa dourada, os cabelos volumosos cacheados agora eram bem mais claros, quase loiros. Seus pulsos cortados e os pingos de sangue em sua roupa intimidavam Alana, mas por algum motivo não lhe proporcionavam medo.
-Você...- se dirige à moça, com a voz um tanto trêmula
-Já sabes meu nome, Alana. Sou Sophia.
Alana concorda com a cabeça, mesmo sem entender o motivo daquele sonho. E de certa forma saber o nome daquela figura não diminuía todas as dúvidas que tinha à respeito dela.
-Alana...eu fui morta. Eu estou morta. Você precisa conter o assassino antes que ele mate mais pessoas. Ele está em toda parte, Alana.
-Q-quem...
-Eu não sei – interrompeu.- Quando fui assassinada, ele não permitiu em momento algum que eu visse seu rosto. Usava algo para bloquear.
-Por que alguém mataria você?
Os olhos da elfa marejaram, até que uma gota cintilante de lágrima rolou de sua bochecha esquerda . Ao cair no encontro do solo, Alana notou que uma rosa branca cresceu. Lágrimas mágicas, que faziam brotar vida.
-Eu era uma dos sete convocados para salvar os reinos da maldição. Eu recebi amuleto pouco antes de ser morta.- Sophia toca o objeto pendurado em seu pescoço. Alana se aproxima e nota duas panteras desenhadas no pingente, uma à frente da outra, ao redor, sete letras esculpidas delicadamente em ouro:
-O que querem dizer?
-São as iniciais dos sete convocados. Alana...todos eles possuem os amuletos. E se ainda não possuem, ele irá surgir no pescoço quando menos esperarem. Você precisa encontrá-los. Só encontrei dois com os amuletos. A,N,A,U,S,V,S
-Quem?
-Além de mim, você e Victor.
Alana parou um pouco os pensamentos, a fim de entender o que a estranha dizia. Até que olhou para si mesma, tocou ao redor do pescoço e localizou o objeto.
-Mas...como? Eu...
Pela primeira vez, a jovem elfa sorri.
-Você é uma de nós,Alana. Precisa libertar Victor. Ele está preso em Estelar do Norte, governado pelos elfos. Se encontra ao norte do mapa. Ele foi acusado pelo meu povo de ter me assassinado. Ele é inocente. Ajude-o, depois siga com ele em busca dos outros. Algum sinal lhes mostrará a missão e a jornada que terão pela frente.
-Por que estou presa aqui? Me ajude, eu...
O sonho acabou.
Após mais alguns minutos, um homem entrou e levou Alana para uma sala imensa onde estava Stefânia, sentada em uma cadeira enorme. Dois elfos a abanavam com penas de pavão.
-Sente.-A vilã apontou um banco rústico à sua frente.
Alana obecedeu.
-Pois bem...eu sei o que é este amuleto em seu pescoço.
Alana sente o coração palpitar.
-Também posso sentir seu coração batendo e encostado mesmo que sem tocar no amuleto. Eu sinto. Eu vejo tudo. Eu posso ouvir o sangue correndo nas suas veias, posso escutar suas pálpebras tocarem umas às outras quando você pisca.
Certamente as coisas estavam cada vez mais confusas para Alana. Notou como qualquer outro notaria, que Stefânia era poderosa.
-O que você é?
Ela a observa, com os olhos claros e penetrantes. Alana entra profundamente no amarelo dos olhos dela, logo percebeu que sua inimiga podia ler mentes, isso a fez entrar ainda mais em pânico, tendo em mente que não deveria pensar no sonho que teve com Sophia, ou tudo iria por água abaixo. Tentou pensar na morte da família.
-Coitada. – Stefânia reage- Sente falta da mamãe? Eu a poupei de sofrer, garota. E se eu te contar que ela pediu que eu a deixasse em segurança? Que ela implorou que eu não te matasse? Eu fiz questão de dizer a ela que logo ela veria você no inferno.
Alana tentava segurar as lágrimas, ao mesmo tempo que queria espantar da cabeça o sonho que tivera, pensando mais e mais na morte da família. Seu coração pulava, as mãos tremiam e os olhos marejavam- se por conta.
-Eu ... o que você quer?
-Por enquanto vai ficar aqui. Descobri que não posso tirar o amuleto de você, porquê viria a morrer. Está dependente disto.
“Sophia não me disse nada disso”...Alana pensa,esquecendo que não deveria pensar no nome “Sophia”.-Quem é Sophia?
A garota engole em seco.
-Tem haver com os amuletos, não é? –Stefânia se aproxima ameaçadoramente.- Fale, Forgari...- retira da bolsa uma esfera escura e brilhante- Ou será muito pior...
Nada podia ser dito à respeito daquilo, Alana sabia. Então tentou manter-se calada.
Stefânia não retrocedeu em encostar a esfera em várias partes do corpo da moça, queimando-a e dando-lhe choques. Seus gritos poderiam ser escutados além dos rios mais distantes. Pediu aos capangas que a amarrassem e pusessem ferros quentes sobre sua pele,cortando-a com lâminas nas pernas e braços.
-Prendam-na na cela – ordenou – Só não a matem. Esta desgraçada está bloqueando e mente para que eu não saiba de algo. Mas eu vou descobrir.- olhou para Alana.- Ninguém esconde nada de mim.
Sorriu ao ouvir os gritos de sua vítima enquanto seus soldados a arrastavam pelos corredores.
À noite quando Alana acordou na cela em que estava antes, não lembrava o que haviam feito contra ela, e sinceramente nem queria lembrar. Sabia que sem dúvidas, era muito doloroso. Estava cortada, as roupas em trapos e sujas de carvão e terra.
Não podia ter certeza se o sonho era algo real que devesse ser levado à sério, mas sabia que sozinha não conseguiria. E o mapa de todos os reinos da região? Onde iria adquiri-lo? Haviam dois problemas maiores: sair dali e conseguir um mapa das terras dos reinos.
Estelar do NorteSeis dias depois...Na cela com vista para a floresta,Victor Lolembergh observa com tristeza o balançar das copas das árvores com o vento. Logo um elfo de meia idade abre as trancas,seus olhos experientes fixados no prisioneiro.-Vossa sentença é hoje.O filho de Hades põe-se de pé, aterrorizado.-Eu amo Sophia...eu não a matei, eu não a matei!-Está preocupado demais para quem diz não ter matado nossa princesa.- Ela não assumiu o posto real dos elfos porque escolheu viver comigo em Estelar do Sul.
Estelar do SulA bruxa anda de um lado para outro, atordoada. Lagartixas caminham pelas paredes de seu casebre, escondendo-se atrás dos quadros. Havia sol ( como sempre) em Estelar do Sul e as nuvens amontoavam-se belos desenhos abstratos no céu.Amanda,com seus pouco mais de duzentos anos,mantinha aparência jovem e imortal de uma feiticeira. Procura com insistência sua pena mágica azul cobalto. Era um segredo seu, o qual guardou por muito tempo. Um objeto mágico perigoso com passado macabro. Não poderia jamais cair em mãos erradas, pois é capaz de mudar o destino das pessoas. Tudo escrito por ela, acabava tornando-se realidade, não importava se eram coisas boas ou ruins. A jovem bruxa poderia mudar uma vida inteira se quisesse.A casa de Amanda era bagun&
Capítulo VIIIMonteliteQualquer um no lugar de Amanda e Ulisses ficariam confusos com a confusão que estava acontecendo no momento. A bruxa a fitou, como se estivesse vendo uma louca em sua frente.-Do que está falando? –perguntou. Seu primo também se levantou, com uma expressão desconfiada.-Olha... o importante é você saber que temos uma missão.-Alana explicou. A primeira parte falhou, que era evitar um conflito entre Cléris e Montelite.-Pense bem-Ulisses deu um passo à frente- você acha que este vai ser o único conflito entre esses reinos? Preste atenção... agora que come
ClérisLogo que alçaram vôo, Alana adormeceu. Nathan estava atento no caminho que seguia, pensando em como convenceria os pais a hospedar a jovem de um reino inimigo em seu castelo.Muitas ideias surgiam em sua mente, mas nenhuma delas parecia boa e convincente o suficiente.Não queria preocupá-la, nem perguntar nada. Ficava se perguntando o motivo dela não tê-lo matado no duelo, já que estava com posse total de dominação e ele, sem proteção alguma. Ela ainda o ajudara a levantar do chão. Mas o príncipe por um lado não queria lembrar de nada que fosse desviar sua atenção dos duelos que participava ultimamente.O vento cortante batia diretamente no rosto de Nathan, que pusera a touca que usava, em Alana.
Cléris-Estou preocupada com meus amigos -Alana diz no caminho ainda sobrevoando o céu de Cléris.Nathan respira o ar com cheiro de flores , que gelado entra em suas narinas.-Não sabe o que aconteceu com eles?-Não. Eu...fiquei desacordada e não sei exatamente por quanto tempo. Eu tinha encontrado Victor primeiro, ele é um filho de Hades. Encontrei Amanda, o primo dela Ulisses. E agora descobri que você é um de nós.-Eu não entendi o que a garota morta quis dizer, quando disse que sou um de vocês. É sobre aquilo que você e o esquisito falaram antes da batalha?Alana fez que sim com a cabe&cced
ClérisEra um dia de neve intensa em Cléris naquela manhã. Alana está deitada em uma cama macia em um dos aposentos do palácio. Ainda sente fortes dores no local do ferimento. Percebe que os lençóis estão sujos de sangue,levanta-se devagar e afasta uma das cobertas. Assim que põe os pés para fora da cama sente o ar gelado do inverno. Segura a lateral do corpo onde está ferida e arrasta-se até a janela, abre e logo um vento congelante lhe toma conta dos cabelos e do rosto. Fecha rápido, com a respiração ofegante.-Então quer dizer que já está bem para caminhar pelo palácio? – ela escuta a voz de Nathan.Alana se vira, com um sorriso afetado. ClérisAlana está deitada em sua cama, à algumas horas havia tomado seu café da manhã, perto do meio-dia sentia novamente seu estômago pedir por comida. De certo modo, se sentia melhor do ferimento, mas não dos ferimentos dentro da sua alma. Com a respiração pesada, ela observa o teto do quarto onde está pintado um céu negro estrelado, com desenhos de várias fênix sobrevoando-o perto de uma lua também muito bem pintada.Alguém bate na porta.-Entre – ela diz.Fica surpresa ao ver que Nathan chega com calma,com um certo sorriso diferente nos lábios. Ela pensou que ele não retornaria até o outro dia.-AlanaCapítulo 12
Nevasca CentralEm uma poltrona forrada com pele de urso, Stefânia meche de um lado para outro uma corrente nos dedos da mão direita. Seus pensamentos malignos estão todos voltados para Alana e em quem seria os outros que a acompanhavam. Na verdade,ela nunca soube nada sobre Alana de longe, pois não tinha poderes de ver o que acontece em outros lugares como a maioria dos vampiros. Mas isso era um segredo seu para que não parecesse fraca em frente aos inimigos. Haviam boatos de que era uma semideusa, filha de Nêmesis, a deusa da vingança. Mas nunca ninguém ouvira isso de sua boca.Um de seus homens entra em seu escritório, com uma expressão estranha. Ela olha para ele, com desprezo.-O que é, Saullo?-Senhora,