I | PUF!

o há nada aqui, apenas nós e nós.

Os mortos, e nós.

As lápides, o perfume podre das flores murchas, e nós.

Ventos intermitentes, corvos barulhentos e nós.

Ainda somos dezessete.

Mas, até quando?

Ele se foi.

Para onde?

Ninguém sabe, tampouco viu.

Tão simplesmente...

PUF!

E já não está mais aqui.

Somos dezessete agora, dezessete garotos perdidos de Raven Town.

Eu não deveria ter saído de casa.

- Pete Emoud


***


É frio em Londres. O carro dá guinadas para os lados - para os quatro lados - enquanto Scott, com seus cabelos desalinhados, caindo ligeiramente sobre os olhos, dirige quase adormecido, abastecido com Redbull e Coca-Cola. Ele não gosta de café.

Espremendo os olhos, Pete Emoud fez sua própria vistoria no ônibus:

Eden canta uma música sobre corações dilacerados no mesmo instante em que analisa os rostos dos companheiros com seus olhos avelã, enquanto Don e Craig fazem coro, repetindo a mesma frase: essa é a terra dos corações dilacerados, é a terra dos corações dilacerados. Duece está deitado num dos bancos, e tocando, inconscientemente, um dos sinais em sua bochecha. Maxfield, o irmão mais velho de Duece, está deitado no chão do ônibus folheando uma revista em quadrinhos de O Homem Aranha.

- Essa é a terra dos corações dilacerados. É a terra dos corações dilacerados.

Vittore, um pouco mais velho que os outros, de sorriso marcante e barba por fazer, acompanha Eden, tocando notas estranhas em seu violão surrado. Lincoln apenas observa e grava tudo com sua nova câmera, tamborilando os dedos sobre o acolchoado do banco e falando os nomes de cada um para o vídeo.

E, pelo visto, está tudo indo muito bem.

Todos estão tentando ficar o mais alertas possível. Estão chegando em casa, enfim, após dez dias de escaladas, mosquitos, urros e uivos intermitentes.

Acampar é a única coisa que, talvez, esses garotos mais gostam de fazer.

E antes eram apenas Dylan, Vittore, Hearth, Todd e eu, pensou Pete vendo que agora há mais onze malucos por aventura.

- Hey, Pete? - Chamou Lance, andando trepidante. Sua pele bronzeada ficara desbotada com a parca luz. Todo o seu corpo balança junto ao ônibus.

- Oi? - perguntou Pete, ainda com um sorriso nos lábios.

- Falta muito para Raven Town? - Lance sentou-se no chão, bem próximo à porta do veículo.

Scott fez que não com a cabeça.

- Se bem me lembro, são só mais dois quarteirões.

Pete os olhou um pouco, calculando a distância. Sua resposta não foi exatamente números:

- Estamos praticamente em casa!

- Não vejo a hora de comer comida de verdade - Lance saltou para o alto, agarrando uma das barras de apoio para equilibrar-se. - Estou cansado de tantos enlatados! Achei que, há qualquer hora, iria devorar a lata.

- Rá! bom que você, o filhinho da mamãe, faria uma coisa dessas - brincou Carlisle, se alguém achou graça não se manifestou.

- Ei! Eu sou sim o filhinho da mamãe, legal? Todos vocês são! - Lance não tem mesmo papas na língua. Pete não via a hora de ele chamar alguém de... - Idiota!

- A quem está chamando de idiota? - Carlisle se ergueu do entremeado de mochilas e fuzilou Lance com olhos cheios de fogo.

Lance é o atleta do grupo, um corredor invencível. Já Carlisle, bom, ele é um boxeador, levou três dos melhor caras da faculdade de Oxford ao chão. Dois socos no queixo e um na tempora e o ruivo caiu, desacordado, no segundo round.

- Nada de brigas aqui! - gritou Todd, o único a quem Carlisle não tem a coragem de enfrentar.

- Ei, ei, ei. Vocês dois. Sentem-se, estamos chegando em casa! - Scott ergueu as mãos, deixando que o ônibus seguisse sozinho pela estrada.

Alguns deram gritos animados, outros, urros - iguais aos ursos na floresta onde acamparam. E todos se ergueram, pegando mochilas e enrolando cobertores.

As cruzes no cemitério St. Joseph apontaram no horizonte mal iluminado, fazendo com que Scott pisasse fundo no acelerador. Já quase sentindo o cheiro frondoso dos lírios da Amber e o delicioso gosto do bolo de sua Tia Sarah, Pete ergueu os olhos para o fim da rua.

Scott deu adeus ao cemitério, entrando na rua banhada apenas pela parca luz de postes e dos faroletes do ônibus.

Toda expectativa nos olhos dos garotos murchou, de repente. Eles sempre foram recebidos com gritos dos bêbados no bar do Noah, e eles nos os ofereciam cerveja e rum - não que eles aceitassem. Mas, o bar está fechado, há cadeiras e mesas na calçada, no entanto, as portas estão presas por correntes grossas e cadeados grandes.

Seguiram observando a rua, Scott já não dirige com tanta rapidez.

- PAREM! - um homem surgiu do nada, com braços erguidos no ar, obrigando Scott a freiar de súbito.

O ônibus deu uma guinada para o lado e metade da tripulação foi ao chão.

- Está louco?! - Carlisle gritou, ajudando Johann e Don a se erguerem.

O homem bateu na porta, com força e determinação estranhas.

- Abra - pediu Don, saltando de um emaranhado de braços e mochilas. - É o Pearce.

Pearce Xander, é o durão da escola. Todos, com exceção do time de boxeadores, temem aquela face que nunca parece feliz.

- Ho-how! Agora eu não abro mesmo!

- Abre logo essa merda! - Carlisle gritou, isso foi o suficiente para Scott pressionar o botão.

A porta abriu-se e Pearce entrou no ônibus, ofegando e puxando as portas para tentar fechá-las.

- Raven Town está deserta! Não há nada aqui a não ser as coisas que os outros deixaram para trás. Todos se foram. Todo. Mundo.

Os demais garotos se entreolharam, logo voltando a encarar Pearce.

Nunca o vi tão assustado. Nunca o vi assustado, pensou Pete.

- Como assim se foram? E nós? - Lincoln perguntou baixinho, apontando a câmera para Pearce e depois para Johann que disse:

- Minha casa é logo ali. Maura e John estarão lá, com certeza eles estarão lá. Ou, que espécie de pais eles seriam?

Johann passou por todos, lançando um olhar de atenção, e todos o observaram sair do carro e atravessar a rua vazia até o outro lado.

Ele bateu na porta de uma casa cor de marfim, girou a maçaneta e... Nada. Johann retirou algo do bolso e voltou a mover a maçaneta. A porta abriu e, novamente, nada aconteceu.

Ele entrou na casa.

Três minutos depois, Johann correu para fora e para o ônibus e deixando a porta de casa entreaberta.

- Não há ninguém lá. Ninguém mesmo - seus olhos, sob os óculos, emitem pavor.

- Eu disse... - resmungou Pearce, ofegante.

- E o que faremos agora?

- Procurar. Procurar por alguém, há de ter alguém - retrucou Duece, decidido, e saiu do ônibus junto à Maxfield.

Eden e Vittore seguiram o amigo. Vincent, Don, Lincoln e Lance foram logo atrás. Johann, Hearth, Leo e Todd não esperaram por mais ninguém. Craig desceu os degraus aos pulos, seguido de Dylan, Carlisle, Pearce, Scott e Pete.

Dezoito garotos de Raven Town, procurando por vida em Raven Town.

***

- Não há nada - ecoou Dylan.

Eles haviam decidido que seria mais fácil se separarem. Quatro para cada lado. Pete seguiu com Dylan, Todd e Hearth, voltando para o início, para as ruas forradas por sombras de cruzes e anjos.

- Não foi uma boa idéia vir por aqui - Dylan esfregava os braços desnudos numa tentativa inútil de aquecer-se.

- E se tudo isso for uma brincadeira para nós? Vai ter aquela hora em que todos pulam e "A-HA!". - Todd fez movimentos com as mãos, como se estivesse numa montanha russa.

- Espero que sim - Pete não teve certeza se havia mesmo dito essa frase, ou só pensado nela.

As ruas jazem silenciosas, os quatro garotos são o único barulho.

- O cemitério. Claro. Como não pensamos nisso antes! - Dylan sobressaltou-se, correndo pela estrada e indo parar nos portões vastos e altos, cobertos por uma camada de heras e ervas daninha.

- Dylan, acho melhor você não entrar aí! - adiverti Pete.

Como sempre, ele não não deu atenção:

- E o que os mortos vão fazer? Puxar meus pés? - Dylan sorriu e entrou no cemitério.

Todd o seguiu e fez sinal para que Hearth e Pete, ficássemos à espera.

Trinta segundos.

Um minuto.

Um minuto e meio.

Dois minutos.

Dois minutos e quarenta e cinco segundos.

Três minutos.

Três minutos e quinze.

Três minutos e vinte.

Três minutos e quarenta.

- Eu vou atrás deles - disse Emoud, não tão decididamente como queria, e mergulhou na escuridão.

Seus pés se enrolaram em heras, os olhos procuraram por luz.

- Todd? Dylan? - Pete os chamara aos berros. Nada. Nem um gemido sequer.

Quando seus olhos se acostumaram com a escuridão, pôde ver as bases das alcovas, as tampas sobre os túmulos, as lápides cheias de epígrafes, as estátuas, velas molhadas e meio derretidas, flores murchas emanando um odor adocicado, olhos vermelhos o admirando dos muros - corvos.

- Pete! - era a voz do Dylan, vindo à nordeste.

O garoto seguiu a voz, como um moribundo à alcova, raspando seus jeans nas lápides e tampas.

- Emoud! - a voz de Todd soou do outro lado, pesada e medrosa.

- Todd?

- Pete!

- Dylan?

A voz de Dylan estava próximo, bem próximo. Pete achou melhor segui-la, correndo pelo caminho de terra batida e grama seca, chegando à... lugar algum.

- Dylan? - gritou Pete, outra vez.

- Pete! - Todd e Dylan gritaram em uníssono. Os passos chegarem até bem perto dele.

Reconhecendo a silhueta de Dylan, os braços de nadador na estatura mediana e a camisa verde, Emoud deu um passo à frente. Mas, como névoa, ela se apagou. No lugar de Dylan estava Todd. Olhos arregalados e rasos de lágrimas.

- Onde está Dylan?

Todd sugou o ar com força e sufocou-se.

- Ele... ele... PUF! - fechou as mãos e as abriu, como se pudesse imitar uma explosão.

- Como PUF? - Pete resmungou, imitando seu gesto.

- O Dylan sumiu, Emoud. Sumiu.

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