Londres, Inglaterra
Domingo, 23 de setembro de 2018
Pego os cupcakes que fiz durante a noite e me preparo para ir até o ponto de ônibus.
Irei me encontrar com Natan para o jantar.
— Tem certeza de que não quer que eu te leve? — Hannah ri, balançando a cabeça ao me ver sofrer para equilibrar tudo.
— Estou bem — respondo. — É apenas uma pequena caminhada até o ponto de ônibus.
Ela abre a boca para falar algo, mas se cala e assente. Ela sabe que gosto de usar o ônibus quando preciso pensar.
— Tenha cuidado, ok? Te vejo mais tarde.
Sorrio em resposta. Felizmente, eu não precisei esperar muito tempo. Quando chego no ponto, o ônibus para na minha frente. Faço uma chamada de vídeo com Angela assim que me sento no banco.
— Que dia horrível — ela reclama ao atender, parecendo esgotada. Angela está organizando e encaixotando suas coisas para a mudança. — Eu preciso de uma cer
Londres, Inglaterra Domingo, 23 de setembro de 2018 Quando chego ao apartamento de Natan, ele abre a porta antes de eu bater. O jogo já está passando na TV. Natan sorri para mim e entro na sala de estar. Coloco os cupcakes na mesa de café. Os olhos de Natan se arregalam quando vê o curativo: — Grace, o que aconteceu com a sua mão? — Foi só um pequeno acidente no forno — dou de ombros. — Mas você está bem? O olhar em seu rosto sugere que ele não está falando da minha mão. Ele está preocupado, ou talvez apenas curioso. — Eu não quero falar sobre isso. — Ele é um idiota — Natan acrescenta. Forço um sorriso. Não importa o quanto eu concorde com ele, não consigo reagir. — Onde estão todos? — pergunto, mudando de assunto. — Foram buscar a comida. Tinham dito que demoraria uma hora e meia para a entrega, e então foram buscar. Mas é só o Will e o Louis. Ele toma
Depois de terminar o curativo, respiro fundo, pronta para dizer a todos que estou cansada e que irei embora. Mas antes que eu saia da cozinha, Natan para na minha frente e me lança um olhar. — Você não vai embora — sussurra. Aprecio o gesto, mas eu não quero que as coisas fiquem estranhas para os outros. — Eu só acho que é melhor- — Sente com Louis — responde. — Eu acho que ele vai precisar de ajuda para comer aquela comida. — Tudo bem — respondo. — Mas eu vou ser aquela que vai sair se as coisas ficarem estranhas. Ele suspira, mas concorda. Atravesso a sala, e faço questão de evitar Harry. Ele está sentado no sofá ao lado de Will, com a cara fechada e emburrado. — Isso é tão bom — Louis suspira. Ele pega um pacote com hashi na mesa e os entrega para mim, com um sorriso suave. Eu não sei como vou segurá-los. Sou destra, e essa mão está temporariamente fora de serviço. — Você gosta de comida chinesa? — Louis me pergunta
Londres, Inglaterra Segunda-feira, 24 de setembro de 2018 Na manhã seguinte, retiro a gaze da minha coxa e a jogo no lixo. Minha pele arde e repuxa conforme tiro o algodão que estava embaixo da gaze, que grudou no sangue seco. A lembrança do quanto me cortei ontem à noite, me vem à mente: me cortei com força. O jeito como tive que enfiar a lâmina, com rapidez, para abrir a pele e depois arrastar... eu só queria fazer um rio para me afogar. A dor é aguda e abafada ao mesmo tempo; fechei meus olhos com força; uma respiração acelerada saía pelo nariz. Dói para caralho, dói, dói muito. Mas, quando o sangue veio, tudo ficou mais calmo. É um alívio. Sei que preciso parar de me cortar, mas a dor física abafa a dor que há dentro de mim. *** Decido me concentrar nas garotas, e me certificar de que estava dando a elas toda a minha atenção. Eu não estou mais com raiva, estou triste. Só conheço Harry há al
Escada. As cicatrizes nas minhas coxas parecem degraus de uma escada. Eu passo os dedos com creme, dos joelhos até o alto das coxas. Quando termino de passar, meu telefone toca. — Hey Natan — atendo no segundo toque. — Grace, my beauty, estou indo aí para- — Não — digo. — Quer dizer, estou ocupada. — Mas eu estou entediado! Por favor, Grace! Eu sinto falta da minha velha amiga. Coloco o celular no viva voz, e me levanto. Esfrego minhas mãos no rosto e ignoro o quanto elas estão trêmulas. Meu corpo está começando a ficar quente. Estou com medo. Estou com medo do que comecei a fazer comigo mesma. Isso não é certo. — Tenho certeza que você tem outros amigos. — Angela está do outro lado do oceano! — Natan choraminga. Fico em silêncio. — E eu sei que você está sozinha aí nessa casa! Você me disse ontem que Hannah ia viajar. Suspiro, principalmente porque ele está certo. — E
Londres, Inglaterra Hackney, 21 de novembro de 2008. — Damian! — Minha mãe gritou e entrou no quarto, tentando tirar o cinto das mãos dele. Mas o sargento a empurrou. Mamãe agarrou o cinto mais uma vez e conseguiu arrancar dele. — Seu monstro! — gritou ela, horrorizada e correu para mim. Ela segurou meu rosto com as suas mãos macias, beijou minha bochecha ferida e empurrou delicadamente meus cachos, que cobriam meus olhos inchados. — Mamãe, está tudo bem — menti, fungando. — Não defenda esse merda, sua p**a! — O sargento gritou e a levantou, puxando seus cabelos. — Não ouse chamá-la desse jeito! — gritei. Quase não acreditei que as palavras que eu tinha escrito, estavam saindo da minha boca. O sargento me olhou desconcertado. Então ele empurrou minha mãe em direção à porta e ela gritou quando caiu no corredor. <
Harry Londres, Inglaterra 21 de novembro de 2008 Eu gostava de ler e escrever no meu quarto, depois da aula e antes dos treinos com o sargento. Eu amava escrever, porque eu nunca podia falar mais do que “sim” ou... “sim”. E eu precisava falar as palavras que havia na minha cabeça, elas nublavam minha visão e inundavam minha mente. Esse era o meu segredo e eu gostava disso, significava que eu estava desafiando o sargento em algo, mas eu poderia ser punido se ele descobrisse. Quando eu era punido, ou era uma surra com o seu cinto ou com socos e chutes. Os cortes e contusões ficavam na minha pele por semanas e eu fazia o possível para escondê-los da minha mãe. Mas às vezes eu não prestava atenção e ela os via, então eu mentia dizendo que tinha sido desastrado e havia caído ou batido em algo sem querer. Comecei a ficar muito bom em mentir... A verdade é que Jay Gatsby, de West Egg, Long Island
Ouvi os passos do bêbado descendo as escadas. — Seu monstro! — gritei com toda a raiva que eu tinha armazenado nos últimos anos e pulei contra ele, com a faca na mão, atingindo-o sem parar na barriga. Enfiei a faca profundamente uma última vez. O sargento engasgou e caiu de joelhos, olhando para mim com os olhos arregalados. — Você é meu filho mesmo — sussurrou e sorriu. Quando puxei a faca para fora dele, vi a vida deixar o seu corpo e ele caiu para o lado. Minhas mãos tremiam. Elas estavam sujas de sangue. Agora eram mãos imundas que finalmente fizeram algo contra meu pai; não apenas algo, elas o mataram. E mesmo depois de todos esses anos de ódio e fúria engarrafados, eu me senti ainda pior. Eu senti como se tivesse me tornado ele. Ouvi um soluço e ergui os olhos. Becky estava na porta, aterrorizada. Ela então olhou para mim e depois para as minhas mãos, como se eu fosse a coisa mais nojenta e vergonhosa mundo. — Be-becky — gagueje
Londres, Inglaterra Quarta-feira, 26 de setembro de 2018 — Você foi para a terapia? — Harry pergunta, pegando uma batata frita e passando no ketchup. Depois que saímos do parque, compramos um lanche antes de virmos para o apartamento dele. — Sim — respondo, com a boca cheia. — A terapeuta não fala muito, apenas me pede para falar sobre a minha vida e faz suas anotações — dou de ombros. — Mas tem sido bom. Senti como se um peso tivesse sido tirado do meu peito. — Estou feliz por você — ele sorri e continua: — Estou muito orgulhoso de você, Grace. Fico em silêncio, e só então percebo o quão hipócrita tenho sido. Não contei para ele o que tenho feito comigo mesma. Ele nem sabe sobre o meu passado. — E você? Foi na terapia? — pergunto. Ele fica em silêncio por um tempo antes de responder: — Sim, tenho ido. Eu acho que só preciso me esforçar um pouco mais para me consertar — Harry di