Capítulo Dois

Quando nós escolhemos trabalhar na Central Intelligence Agency (CIA), fazemos uma

escolha e ela foi feita no dia em que fui aceita no quântico. O problema era que dentro do meu

coração ainda tinha a ilusão de que minha vida seria comum, mas não podia estar mais

enganada.

Na mesma noite em que cheguei, consegui descansar depois de um banho e de fazer

alguns curativos. Espalhavam-se escoriações em meu corpo e os que me incomodavam mais

eram os pequenos riscos nos braços no rosto, pois meu noivo iria querer saber o motivo de

estar machucada.

Na manhã seguinte, me olhava no espelho com um kit de maquiagem nas mãos e, com

certeza, tinha feito um bom trabalho, consegui esconder tudo. Soltei meus longos cabelos

loiros e fui preparar o café da manhã para tomar junto com Locke.

A manhã em Oklahoma estava quente e eu já tinha um plano incrível. Era domingo e

Locke não estaria de plantão, então, a ideia era um piquenique na cachoeira e depois um

jantar em algum restaurante.

Eu terminava de pôr o café na mesa quando ouvi a porta. Todas as vezes que ele

chegava, meu coração batia forte, minha barriga ficava com um tremor por dentro e minhas

mãos suavam frio. Isso acontecia desde os quinze anos, quando o conheci. Me joguei em seu

colo assim que passou pela porta. Aquele perfume e os olhos cor de chocolate que me passavam calmaria e conforto estavam ali. Os choques de pele com pele que tínhamos não mudava nunca, os braços fortes do meu médico preferido se enrolaram em volta do meu corpo pequeno e inalei seu cheiro.

— Bom dia, minha linda. — Disse, colando nossos lábios em um beijo calmo de

saudades.E somente depois de um beijo de perder o folego que consegui respondê-lo. — Bom

dia, amor.

Nos soltamos e ele tinha um habito impecável de ir tomar banho depois de vir da rua.

Ele apenas sorriu e seguiu para o banho, deixando uma tola garota apaixonada e de pernas

bambas para trás.

— Não demore, estou com fome.

— Não se preocupe.

Locke não mentiu, tomou um banho rápido e logo estava de volta e ambos sentados na

mesa tomando café juntos.

— Como foi dessa vez? — perguntou, enchendo uma xícara de café.

— Foi… cansativo, como sempre. — Era isso! Não queria entrar em um assunto que

me deixasse com a consciência pesada. — Hoje quero gastar todas as minhas energias com o

homem da minha vida. Tenho planos para hoje.

— Planos? — disse, abrindo um sorriso que tinha o poder do sol na terra, aquecendo

meu coração.

— Sim. E não terá escapatória, viu?

Conversamos trivialidades durante o café e seu telefone tocou cinco vezes

insistentemente até ele desligar, o que era normal, afinal, Locke era residente de medicina.

Depois de sairmos para nosso passeio, notei que estava mais sério que o normal, um pouco

tenso e preocupação no olhar. Em meio ao nosso piquenique na cachoeira, Locke se manteve

mais calado e quando perguntei se aconteceu alguma coisa, ele sorriu e disse que era cansaço.

— Princesa, precisamos conversar. — ele disse, quando estávamos observando o pôr

do sol.

— Precisamos.

Apavorara, com medo de que ele soubesse que estava mentindo

Passou a mão em meu cabelo, puxou-me para mais perto e deitou o rosto na curva do

meu pescoço, respirando meu perfume profundamente.

— Você é a melhor pessoa que já conheci. É linda, amorosa, carinhosa, solidaria,

humilde… acho que não consigo mais esperar, quero me casar de uma vez. Estamos noivos há

dois anos e precisamos dar o próximo passo.

Soltei o ar que estava prendendo sem perceber. Era isso, apenas dar o próximo passo.

Não que não fosse importante, pois era tudo para mim, depois de tudo o que passamos, dar um passo adiante era exatamente meu sonho. Puxei seu rosto, encostei minha testa na dele e sorri.

— Sim, então é o que vamos fazer.

— Nem acredito na sorte que tenho. Vou me casar com a garota mais linda e que tanto

amo.

Sem perder mais tempo, colou nossos lábios em um beijo. Nesses momentos que eu

desejava ter escolhido uma profissão normal.

Fomos jantar no melhor restaurante da cidade. Locke em um terno elegante e eu com

um lindo vestido vermelho longo. Era como uma comemoração de termos decidido que seria a

hora do casamento. Aquele dia foi o último dia mais feliz da minha vida.

***

Abri os olhos ao ouvir um som diferente. Não fazia muito tempo em que adormeci, mas

o vinho que eu e Locke tomamos no restaurante ainda estava fazendo efeito, deixando-me

sonolenta demais.

Meu sistema despertou completamente quando ouvi um som de gemido agonizante,

olhei para o lado e Locke não estava lá. Levantei assustada, peguei minha pistola escondida

embaixo da cama e bem devagar fui caminhando até a sala. Mesmo no escuro dava para ver a

pior imagem que poderia existir.

Assim que o vi caído no chão, acendi a luz e corri para perto de seu corpo.

— Não, não, não! Amor, olhe para mim, vai ficar tudo bem. Não feche os olhos, por

favor! — Agarrei o telefone e liguei para a emergência.

Uma mancha carmesim se espalhou no carpete, Locke estava pálido e os lábios

começavam a ficar roxos. Nossa sala ficou quebrada, o porta retrato que continha nossa foto

de formatura estava no chão e o sangue manchava nossa fotografia. O desespero me tomou.

Eu chorava e soluçava em cima do corpo de Locke, não podia ser real que o amor da minha vida morreria bem ali, na minha frente e sem que pudesse fazer nada para ajudar.

— Não, Locke! O socorro está vindo, não me deixe! Não me deixe, por favor!

Era inútil, não estava reagindo ao meu chamado, mas ele sussurrou algo muito

importante.

— Te Amo.

Aquelas palavras que me acalentaram durante anos me destruíam naquele instante,

sentia elas me rasgarem de dentro para fora. Tentei a massagem cardíaca, tentei aos prantos

trazê-lo de volta, meus gritos podiam ser ouvidos a quilômetros de distância, mas não podiam

mais ser ouvidos pelo homem que eu amava. Eu estava preparada para tudo, para apanhar, ser

torturada, matar impiedosamente, fazer o que fosse preciso pela segurança do país, mas em

momento algum de minha vida estava preparada para perder a pessoa que me transformou em

quem era.

Ainda segurava sua mão junto ao meu peito, não era mais quente como sempre, agora

estava fria. A dor e a angustia que sentia era arrebatadora e insuportável, era como se uma

lâmina afiada estivesse fincada em meu peito. Havia também um peso em minha garganta,

sufocando não só meus pulmões, mas também minha fala. Eu estava sozinha novamente,

sozinha no mundo e sem o homem que me fez sorrir em meio tanto choro. Mas quem fez aquilopoderia estar na casa. Me levantei e com minha pistola comecei a vasculhar a casa a passos lentos. Meu peito estava doendo, mas não podia deixar que o assassino escapasse. Não havia ninguém na cozinha, nem nos banheiros e subi e olhei na sacada da sala de televisão. Mas não adiantou, quem fez aquilo foi profissional para fugir no mais profundo silêncio e agilidade.

Voltei às pressas para o lado do meu noivo e debrucei sobre seu corpo, ainda restava um pouco

de esperança de ouvir as batidas de seu coração. Era um pensamento inocente. Locke estava

morto.

O socorro havia chegado. Me afastaram de Locke, eles tentaram trazê-lo de volta, mas

sabia em meu coração que ele não voltaria mais. Me arrastei para longe da sala, peguei meu

celular na cama e me deixei escorregar até o chão. Vi inúmeras ligações do Jacob, e antes que

tentasse retorná-las, ele irrompeu pela porta do meu quarto.

— Trinity…

Foi o que disse antes de se aproximar e me abraçar, chorei ainda mais em seus braços.

Não conseguia dizer nada, nem era preciso.

— Consegue explicar tudo que houve aqui?

Me afastei, encarando o meu chefe. Não era obvio?

— Alguém entrou, não ouvi nem vi nada, apenas escutei o gemido de Locke. — Eu

disse em prantos

Ele me encarou, me levou até a cama e nos sentamos. Jacob era como um pai, eu tinha

afeto por ele e pensei que por um minuto ele me consolaria. Estava errada, completamente

errada.

— Olhe, só estavam os dois aqui dormindo e a porta não está arrombada. Lá embaixo,

na cena do crime, tem suas digitais em todo lugar, o porta retrato está ensanguentado e

quebrado. Desculpe, mas se não tem um álibi, terei que prendê-la.

— Como posso ter um álibi se estávamos dormindo juntos? — Gritei, me pondo de pé.

— Sinto muito, mas não há indícios de que alguém forçou entrar na casa.

Firmei meus olhos nos de Jacob, o enxergando de verdade pela primeira vez. Ele estava

tentando me culpar? Não! Com rapidez o empurrei e juntei minha arma do chão, não ia ficar e

esperar ser culpada por um crime que não cometi. Acertei a cabeça de Jacob com a pistola, seu

corpo caiu na cama e um filete de sangue escorreu por sua testa. Juntei algumas coisas, poucas roupas, dinheiro, me vesti… não ia dar adeus ao homem que amava, mas não importava, porque o corpo estava vazio e frio no chão. Joguei minha mochila pela janela, caindo nos fundos, desci as escadas e saí pela cozinha. Deixei toda a minha vida para trás, deixe a casa cheia de policiais, os vizinhos chocados e muitas perguntas sem respostas. Mas a única que sabia que não haveria respostas era eu, e no momento certo iria encontrá-las.

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