Há quem diga que eu sempre conquistei tudo o que eu queria, e que muita dessa conquista é fruto da minha herança.
A bem da verdade, eu sempre fui assunto para as pessoas, estou acostumado a ser medido da cabeça aos pés por todos os lugares em que eu chego. Não sei explicar bem o porquê disso, mas talvez esteja relacionado ao fato de que tenho 1,85 de altura, cabelo castanho escuro, pele bronzeada e o corpo estruturado, definido, em razão dos esforços que a agropecuária exige.
Nascer e crescer numa cidade pequena não é tarefa fácil, mas os comentários que me rodeiam nunca foram suficientes para me abalar. No fundo, eu gosto é que falem de mim, isso me ajuda a afastar pessoas imaturas, inseguras e falsas. Então o veneno, na dose certa, acaba servindo como a cura, como é no meu caso.
Embora minha fama seja de um homem de sorte, cheio de mulheres desejáveis a minha volta, há tempos não me sinto atraído por nenhuma delas.
Relacionamento amoroso nunca foi o meu ponto forte. Tive inúmeras experiências com mulheres de todos os tipos. Dóceis, melosas, frias, agressivas, prostitutas, e até mesmo amigas. Mas sinto que em nenhuma dessas vezes pude de fato sentir o meu coração pulsar.
Era pura necessidade básica, biológica, atendida por essas relações passageiras.
Minha meta de vida nunca foi construir uma família, e pensar em me doar 100% a uma relação sempre foi um assunto que me causou certo desconforto. Minha pretensão é aproveitar as oportunidades financeiras que a vida – e minha família - me deu, me dedicar ao trabalho e ver crescer a fazenda onde nasci.
E por falar em família, talvez essa minha visão de mundo seja influenciada de berço. Meus pais nunca foram exemplo de casal amoroso, companheiro e fiel. Pelo contrário, cresci numa casa onde as discussões, gritarias, ofensas e até agressões eram rotineiras.
Durante todo o tempo minha mãe colocou energia para manter a casa, a comida, as roupas e meus afazeres e de meu pai em dia. Ela sente prazer em cumprir com a sua obrigação no lar. Mas o prazer não é o mesmo do meu pai, já que se dedica apenas à fazenda, bebidas e putas.
Todo o serviço braçal da fazenda é gerenciado pelo meu pai, que passa horas a fio nutrindo, drenando e irrigando as terras que ele acompanha expandir.
Ele sempre foi muito bom no que faz, mas com toda sua teimosia, não reconhece que alguém é capaz de fazer igual, ou até mesmo melhor.
Com a exposição ao sol, calor e cansaço, meu pai sempre procurou ser recompensado com prazeres fáceis. O anseio pela bebida surgiu daí. O que não demorou muito para se unir às mulheres que o cercavam, seja pelo dinheiro, seja pelo sexo.
Embora fosse de conhecimento de toda a cidade, minha mãe não se esforçava para tapar os olhos. Ela via, ouvia e engolia seco a situação. No fundo sabia que não tinha nada a ser feito, é como nadar contra a maré, para ficar mais fácil, você tem que se entregar ao rumo que é empurrado pela correnteza.
Dizem que o nosso meio nos molda, e pra ser bem honesto, nesse ponto, eu acho que já fui moldado.
Vejo minha mãe terminando de passar a última peça de roupa do meu pai, quando me levanto da mesa, chacoalho os farelos de pão que estão sobre a minha calça e solto a xícara de café.
- Volto mais tarde hoje pra casa – menciono sem nem olhar ao seu rosto.
- Não vem pro jantar? – pergunta minha mãe.
- Não, estarei com o Guilherme e vamos parar em algum canto para ver o jogo – passo por minha mãe, dou uma piscadela e deixo a sala.
Disparo o alarme da caminhonete, jogo a mochila que está no banco do passageiro para o banco de trás, pressiono o controle do portão e engato a marcha ré, enquanto assisto pelo retrovisor o portão sendo aberto.
Moro praticamente em frente à casa de Guilherme. Somos amigos desde o maternal. Passamos por diversas fases juntos, e não nos separamos desde a época da faculdade. O que eu tenho de seco, Guilherme tem de dado, qualquer lugar em que chegamos juntos eu sei que ele irá sair com outras dez amizades.
O jeito acessível do Guilherme tem sido um pouco mais contido, isso porque ele tem saído ultimamente com uma garota, Fernanda. Ajeitada, tem os cabelos pretos longos, que quase se aproximam da bunda, de sorriso fácil igual a ele. Gosto dos dois juntos. Não pela simpatia, mas porque algo me diz que a Fernanda irá ser a ponte do meu próximo caso amoroso.
Todas as outras poucas vezes que vi Fernanda, sem o Guilherme, ela estava acompanhada de uma garota, a Nicole. Nicole também nasceu e cresceu em Boituva. Sempre a vi pelos cantos. Nossa diferença de idade deve beirar uns cinco anos, eu tenho 28 e ela, por estar encerrando a faculdade, deve estar com uns 22, 23.
Embora já tivéssemos nos vistos nos arredores, não tem como deixar de notar a feição de mulher formada que a Nicole tem adquirido com o passar do tempo. Eu sei que a atração não é apenas por sua silhueta magra, peitos em pé e coxas torneadas, mas porque essa garota exala algum tipo de mistério, o tipo que estou interessado em saber qual é.
Encosto ao dobrar a esquina e logo já avisto Guilherme sentado no bar, me esperando. Somos clientes fiéis do “bar do gaúcho”, e todas as quartas-feiras viemos assistir aos jogos de futebol. Cerveja gelada, homens jogando conversa fiada e televisão no alto, esse é o lugar perfeito para encerrar um longo dia de sol.
Desço da caminhonete e já sou abordado por Guilherme.
- Fala meu brother – diz ele enquanto estende a mão para tocar a minha, ao mesmo tempo em que dá um ligeiro toque de ombro.
- Como é que você tá? Não via a hora de chegar, cadê meu copo? – digo animado enquanto puxo uma cadeira para me sentar ao seu lado.
- Rapaz, tô numa sede também que eu pensei que não fosse aguentar até a noite para abrir a primeira cerveja – responde Guilherme enquanto enche nossos copos.
Ao brindarmos, noto que Guilherme salta aos olhos dos copos e fita a tela do celular, ao mesmo tempo em que dispara um sorriso bobo de canto de boca. Eu sei bem qual é essa reação. Não porque eu já tenha honestamente sentido, mas porque qualquer pessoa de fora consegue reconhecer quando alguém está apaixonado. E confesso, essa reação me desperta uma inveja, uma vontade de me render a essa experiência.
- Está falando com a garota lá? Fernanda? – digo e observo Guilherme retomar rapidamente os olhos a mim.
- Cara, eu não sei o que ela fez comigo, mas tô vidrado nessa garota. Quero te apresentar o quanto antes. E você sabe de quem ela é amiga né?
Dou uma risada enquanto vejo Guilherme falar da garota. E nem preciso me esforçar para responder quando ele mesmo completa.
- Da Nicole, eu bem que vi você medindo a moça dos pés à cabeça quando estávamos na prova do laço em Americana. Ela sempre foi gata mesmo, pena que namora faz tempo com aquele pau no cu do Marcos.
Dou de ombros, tentando disfarçar que essa informação não me causa certo desconforto. Mas na verdade é difícil assumir uma ponta de ciúmes quando se sabe que não é possível sentir esse tipo de sentimento. Não tenho tempo de me recompor quando Guilherme emenda, eu disse, ele é falante.
- Mas viu, ela seria uma ótima garota para você. Na pior das hipóteses iríamos jantar às sextas-feiras – e cai na gargalhada, me fazendo rir também do comentário, mas dando continuidade à ideia.
- Sei lá Pedro, agora é sério, acho que você deveria mergulhar de cabeça em alguma mulher, viver alguma emoção capaz de dar um 180º nessa sua vida. Faz tempo que não te vejo falar de algo que brilhe seus olhos sem ser a fazenda. Cara, tu tá beirando os 30 e ainda não se amarrou por ninguém... – encerra Guilherme dando um gole do seu copo.
- Porra cara, assim você me machuca – disse rindo - A gente mal começou a beber e você já começa com um assunto duro desse... E sabe de uma coisa, em partes eu sei que você tem razão... E aquela garota me intriga, é daquelas poucas que você não consegue desvendar de primeira..., mas eu não posso cismar, senão é outro relacionamento que vou destruir.
Ao dizer isso, me lembro de outros envolvimentos que me fizeram cair em cilada. Já fiz muitas mulheres sofrerem por minha causa. Não sinto remorso ou qualquer arrependimento do que eu fiz. Já que sempre fui fiel ao que eu quis fazer e no fundo sempre soube que aqueles relacionamentos estavam fadados ao insucesso. Eu apenas encurtei o caminho.
De certa forma, no fim, eu sempre acabei por ajudar, por evitar delongas ou sofrimentos que seriam arrastados por dias, meses ou anos. Não me arrependo. E é movido por esse sentimento que escuto Guilherme dizer.
- Pedi para a Fernanda o contato da Nicole... não tô incentivando a pegar ela, só troca uma ideia, se é dessa forma que você se sente com relação a ela, acho legal dar corda a essa sua curiosidade e ver onde isso pode te levar... – diz Guilherme enquanto termina de digitar no celular. Minutos depois, ele ainda diz:
- Cara, e parece que o negócio não é pra rolar mesmo, Fernanda me respondeu perguntando se estou louco, que a Nicole namora, então esquece essa ideia... – fala Guilherme desapontado com a mensagem que acaba de receber de Fernanda.
Não sei explicar o que me aconteceu naquela hora, mas senti que não deveria me conformar com a negativa. Já estar acostumado com o destino e todas as encrencas que causou tem dessas vantagens, você acaba perdendo o juízo, a noção, e o medo de qualquer rejeição ou problema que possa vir. É nessa hora que viro para Guilherme e digo:
- Me passa o contato da Fernanda, deixa que eu mesmo vou conseguir o telefone da Nicole.
Aquilo não podia ser real, eu era uma piada pra Deus? Uma coisa era cogitar que ele poderia mandar uma mensagem, outra era realmente ele mandar. Fiquei igual uma idiota, olhando pro celular, parada na calçada, desliguei a tela joguei o celular na bolsa e fui andando até minha casa, como morava perto da faculdade, era muito comum ir a pé, e hoje, aqueles quarteirões nunca pareceram tão longos. Fingi que estava tudo bem, e que nem estava pensando na tal mensagem, mas a verdade é que eu estava me coçando para responder, e responder o quê? Eu não sabia se já cortaria ele logo de cara, ou se daria uma chance para ver o que ele quer. Fazia muito tempo que não sentia um frio no estômago, o que estava acontecendo comigo? Uma mulher quase formada, COM UM RELACIONAMENTO, com borboletas no estômago por causa de macho, não é possível, recomponha-se. Chegando em casa, fiz absolutamente tudo que podia para me ocupar, me distrair, passei aspirador na casa, tomei banho
Chegando no bar, já tinha bastante gente em pé, estava cheio, por sorte conseguimos uma mesinha no estilo bistrô, próximo da calçada, estava batendo uma brisa gostosa para amenizar aquele calor infernal, logo pedi um drink bem docinho do jeito que eu gosto, enquanto Mari entrou no Gin e Lucas na Cerveja. Nós começamos a conversar e rir, basicamente eu e a Mari conversamos e rimos, Lucas estava mais na dele, falando pontualmente, e vamos lá, eu e ela temos muito assunto, nem demos muita falta do pobre homem que ria da nossa conversa fiada. Dois drinks depois eu já estava pronta para pedir água, meu limite alcoólico é baixo e tendo em vista minha última decisão no WhatsApp, eu não era muito confiável.- Você não vai pedir água, vamos pedir um drink, desses de criança que você gosta – Disse Mari, fingindo que também não estava com o riso frouxo.- Mari você sabe que eu fico bêbada rápido, deixa eu me recompor senão não vou aguentar nada, daqui a pouco vou ficar com sono.
Depois que eu enviei aquela mensagem puxando assunto com a Nicole não consegui mais tirar ela da cabeça. A diferença de um homem para uma mulher, quando estes estão interessados, é que a mulher não consegue fazer mais nada além de querer atenção e uma boa conversa, já o homem, como no meu caso, toca os seus afazeres e apenas lembra quando a vontade aperta, principalmente na região dos testículos. Logo quando recebi a sua resposta, fiquei pensando diversas formas de puxar assunto e convencê-la a sair comigo. Mas eu sabia que não podia querer acelerar o processo. Nicole além de estar comprometida, sempre foi o tipo de garota que não sai respondendo para aqueles que ficam atirando para todos os lados. Eu sabia que se quisesse ter ela para mim, ainda que por um breve momento, teria que me esforçar um pouco mais. Um pouco não, bem mais. De tudo o que eu poderia imaginar para esse sábado, nada chegaria perto de ver a Nicole, muito menos, ver a Nicole no “bar do gaúcho”.
Ele não precisou colocar o nome no bilhete, eu sabia exatamente quem tinha mandado, ousado, confesso, eu conseguia sentir meu estômago fervilhando, como ele sabia o que eu estava bebendo? Ele só estava esperando Marcos sair da mesa? Meu Deus do céu, como minha vida tinha virado isso? Eu estava de costas pra mesa dele, mas sentia meus pelos se arrepiarem, o olhar dele queimava na minha pele, e eu não sabia se devia responder o bilhete, ou seguir minha noite naturalmente. Depois de nem ter respondido minha mensagem, agora me manda uma bebida, qual será a próxima jogada dele? Aproveitei que Lucas não estava na mesa pra virar um pouco pra trás e ver se conseguiria vê-lo, quando fiz, ele estava olhando fixamente para mim, e eu provavelmente fiquei vermelha como um pimentão, ele sorriu, e eu virei de volta, já sabendo àquela altura, que aquele homem seria minha perdição.- Guarda o bilhete, homens são fofoqueiros, não quero Lucas se metendo onde ninguém chamou – Diss
Droga, mas que merda eu tenho na cabeça? Caralho! Eu disse que ia devagar, eu não consegui, aquele cheiro, a pele dela, eu perdi a cabeça de vez! Não estava nos meus planos seguir a garota até a casa dela, mas quando vi um bando de urubus rodeando a mesa dela e da amiga, eu fiquei louco, ELA ERA MINHA CARALHO. Não de verdade, eu sabia disso, mas não queria ninguém em cima dela, ela era propriedade minha, e ninguém além de mim tocaria nela. Quando dei por mim, estava seguindo o carro que ela estava e parando na frente da sua casa, como um perfeito psicopata. Eu não poderia perder a chance, ela estava tão perto, o máximo que ela poderia dizer era não, mas alguma coisa me dizia, na forma como ela me olhou, como corou sob meu olhar, que ela me queria, ainda que fosse um desejo insano. Quando senti o cheiro dela, era baunilha, flores, nossa, o mundo ao meu redor parou, o planeta poderia explodir bem ali, e eu não daria a mínima, eu fui tomado, a beijei, beij
Aqueles dias foram passando pra mim como se os ponteiros do relógio estivessem presos no lugar, a sensação de ter o Pedro foi sobrenatural, mas eu não seria a pessoa que trai o namorado, eu não faria isso com Marcos, eu sabia, dentro de cada fibra minha, que já deveria ter deixado ele, mas eu resisti, eu insisti, eu quis dar certo a qualquer custo. O problema é que o custo foi muito alto, manter um relacionamento que não funciona é muito mais árduo do que manter um relacionamento com amor, aquilo vira stress, vira raiva, vira frustração, e eu tenho certeza que não era a única a ver, eu não estava sozinha naquele namoro, se eu sabia que estava tão ruim, é impossível que Marcos não soubesse que estávamos ladeira abaixo. Eu ia terminar, estava decidido, eu veria Marcos hoje, e conversaria com ele, que precisamos seguir nossos caminhos separados. Já havia passado 2 dias desde o beijo, e eu desde então não tive mais notícias dele, tonta, como se eu não soubesse quem
Não tive notícias dela, nem a vi em lugar nenhum, normalmente já não frequentávamos os mesmos ambientes, mas passei na rua dela algumas vezes de carro, e nem sinal dela. Aquilo, não sei bem porque, mas me deu um aperto no peito, eu não a queria apenas pra um beijo, é claro que não vou pedi-la em casamento, mas queria mais que 5 minutos de tesão embaixo de uma árvore, eu fiz a maior merda. Naquele dia, à noite, fui ver o jogo no bar do gaúcho, como de costume, com Guilherme.- Nada dela? – Ele perguntou.- Não. – Respondi sem estender o assunto, mas ele como um belo filho da puta não ia deixar passar.- Cara, você quer tanto assim sair com ela? Ou é só porque você acha que ela não te quer? Se for orgulho ferido, vocês já ficaram, deixa isso pra lá.- Orgulho ferido?! Porra Guilherme tá de sacanagem? Aquela perdição me beija, e depois some, nem um oi? – Respondi.- TA COM ABSTINÊNCIA MEU AMIGO – Guilherme disso, gargalhando, isso mesmo, ele estava se divertindo com a min
Normalmente, quando vou dormir, deixo meu celular no “não perturbe”, tenho sono leve, a vibração dele me acorda a noite toda, então foi a forma que consegui para ter uma boa noite de sono, se alguém precisar, me ligue, e como não tinha aula hoje de manhã, me dei ao luxo de dormir um pouquinho mais, entre todas as tarefas que fazia, era bom conseguir mais 1 hora de sono sempre que pudesse. O que eu não estava esperando era acordar com uma mensagem do Pedro, depois que ele sumiu, achei que tinha sido apenas mais um nome na sua longa lista de conquistas, mas aparentemente, ele tinha pensado em mim. Esse pensamento me deu um frio no estômago, ele pensou em mim. De qualquer forma, tudo com Marcos ainda estava muito recente, meu término tinha exatos 4 dias agora, eu e Marcos não havíamos mais nos falados desde a fatídica conversa. As coisas dele ainda estavam na minha casa, mas não tive coragem de pedir pra ele buscar, ou de perguntar se ele queria que eu levasse pra e