CAPÍTULO 2 - Pedro Lima

Há quem diga que eu sempre conquistei tudo o que eu queria, e que muita dessa conquista é fruto da minha herança.

        A bem da verdade, eu sempre fui assunto para as pessoas, estou acostumado a ser medido da cabeça aos pés por todos os lugares em que eu chego. Não sei explicar bem o porquê disso, mas talvez esteja relacionado ao fato de que tenho 1,85 de altura, cabelo castanho escuro, pele bronzeada e o corpo estruturado, definido, em razão dos esforços que a agropecuária exige.

        Nascer e crescer numa cidade pequena não é tarefa fácil, mas os comentários que me rodeiam nunca foram suficientes para me abalar. No fundo, eu gosto é que falem de mim, isso me ajuda a afastar pessoas imaturas, inseguras e falsas. Então o veneno, na dose certa, acaba servindo como a cura, como é no meu caso.

        Embora minha fama seja de um homem de sorte, cheio de mulheres desejáveis a minha volta, há tempos não me sinto atraído por nenhuma delas.

        Relacionamento amoroso nunca foi o meu ponto forte. Tive inúmeras experiências com mulheres de todos os tipos. Dóceis, melosas, frias, agressivas, prostitutas, e até mesmo amigas. Mas sinto que em nenhuma dessas vezes pude de fato sentir o meu coração pulsar.

Era pura necessidade básica, biológica, atendida por essas relações passageiras.

        Minha meta de vida nunca foi construir uma família, e pensar em me doar 100% a uma relação sempre foi um assunto que me causou certo desconforto. Minha pretensão é aproveitar as oportunidades financeiras que a vida – e minha família - me deu, me dedicar ao trabalho e ver crescer a fazenda onde nasci.

        E por falar em família, talvez essa minha visão de mundo seja influenciada de berço. Meus pais nunca foram exemplo de casal amoroso, companheiro e fiel. Pelo contrário, cresci numa casa onde as discussões, gritarias, ofensas e até agressões eram rotineiras.

        Durante todo o tempo minha mãe colocou energia para manter a casa, a comida, as roupas e meus afazeres e de meu pai em dia. Ela sente prazer em cumprir com a sua obrigação no lar. Mas o prazer não é o mesmo do meu pai, já que se dedica apenas à fazenda, bebidas e putas.

Todo o serviço braçal da fazenda é gerenciado pelo meu pai, que passa horas a fio nutrindo, drenando e irrigando as terras que ele acompanha expandir.

        Ele sempre foi muito bom no que faz, mas com toda sua teimosia, não reconhece que alguém é capaz de fazer igual, ou até mesmo melhor.

        Com a exposição ao sol, calor e cansaço, meu pai sempre procurou ser recompensado com prazeres fáceis. O anseio pela bebida surgiu daí. O que não demorou muito para se unir às mulheres que o cercavam, seja pelo dinheiro, seja pelo sexo.

        Embora fosse de conhecimento de toda a cidade, minha mãe não se esforçava para tapar os olhos. Ela via, ouvia e engolia seco a situação. No fundo sabia que não tinha nada a ser feito, é como nadar contra a maré, para ficar mais fácil, você tem que se entregar ao rumo que é empurrado pela correnteza.

        Dizem que o nosso meio nos molda, e pra ser bem honesto, nesse ponto, eu acho que já fui moldado.

        Vejo minha mãe terminando de passar a última peça de roupa do meu pai, quando me levanto da mesa, chacoalho os farelos de pão que estão sobre a minha calça e solto a xícara de café.

        - Volto mais tarde hoje pra casa – menciono sem nem olhar ao seu rosto.

        - Não vem pro jantar? – pergunta minha mãe.

        - Não, estarei com o Guilherme e vamos parar em algum canto para ver o jogo – passo por minha mãe, dou uma piscadela e deixo a sala.

        Disparo o alarme da caminhonete, jogo a mochila que está no banco do passageiro para o banco de trás, pressiono o controle do portão e engato a marcha ré, enquanto assisto pelo retrovisor o portão sendo aberto.

        Moro praticamente em frente à casa de Guilherme. Somos amigos desde o maternal. Passamos por diversas fases juntos, e não nos separamos desde a época da faculdade. O que eu tenho de seco, Guilherme tem de dado, qualquer lugar em que chegamos juntos eu sei que ele irá sair com outras dez amizades.

        O jeito acessível do Guilherme tem sido um pouco mais contido, isso porque ele tem saído ultimamente com uma garota, Fernanda. Ajeitada, tem os cabelos pretos longos, que quase se aproximam da bunda, de sorriso fácil igual a ele. Gosto dos dois juntos. Não pela simpatia, mas porque algo me diz que a Fernanda irá ser a ponte do meu próximo caso amoroso.

        Todas as outras poucas vezes que vi Fernanda, sem o Guilherme, ela estava acompanhada de uma garota, a Nicole. Nicole também nasceu e cresceu em Boituva. Sempre a vi pelos cantos. Nossa diferença de idade deve beirar uns cinco anos, eu tenho 28 e ela, por estar encerrando a faculdade, deve estar com uns 22, 23.

        Embora já tivéssemos nos vistos nos arredores, não tem como deixar de notar a feição de mulher formada que a Nicole tem adquirido com o passar do tempo. Eu sei que a atração não é apenas por sua silhueta magra, peitos em pé e coxas torneadas, mas porque essa garota exala algum tipo de mistério, o tipo que estou interessado em saber qual é.

        Encosto ao dobrar a esquina e logo já avisto Guilherme sentado no bar, me esperando. Somos clientes fiéis do “bar do gaúcho”, e todas as quartas-feiras viemos assistir aos jogos de futebol. Cerveja gelada, homens jogando conversa fiada e televisão no alto, esse é o lugar perfeito para encerrar um longo dia de sol.

        Desço da caminhonete e já sou abordado por Guilherme.

        - Fala meu brother – diz ele enquanto estende a mão para tocar a minha, ao mesmo tempo em que dá um ligeiro toque de ombro.

        - Como é que você tá? Não via a hora de chegar, cadê meu copo? – digo animado enquanto puxo uma cadeira para me sentar ao seu lado.

        - Rapaz, tô numa sede também que eu pensei que não fosse aguentar até a noite para abrir a primeira cerveja – responde Guilherme enquanto enche nossos copos.

        Ao brindarmos, noto que Guilherme salta aos olhos dos copos e fita a tela do celular, ao mesmo tempo em que dispara um sorriso bobo de canto de boca. Eu sei bem qual é essa reação. Não porque eu já tenha honestamente sentido, mas porque qualquer pessoa de fora consegue reconhecer quando alguém está apaixonado. E confesso, essa reação me desperta uma inveja, uma vontade de me render a essa experiência.

        - Está falando com a garota lá? Fernanda? – digo e observo Guilherme retomar rapidamente os olhos a mim.

        - Cara, eu não sei o que ela fez comigo, mas tô vidrado nessa garota. Quero te apresentar o quanto antes. E você sabe de quem ela é amiga né?

        Dou uma risada enquanto vejo Guilherme falar da garota. E nem preciso me esforçar para responder quando ele mesmo completa.

        - Da Nicole, eu bem que vi você medindo a moça dos pés à cabeça quando estávamos na prova do laço em Americana. Ela sempre foi gata mesmo, pena que namora faz tempo com aquele pau no cu do Marcos.

        Dou de ombros, tentando disfarçar que essa informação não me causa certo desconforto. Mas na verdade é difícil assumir uma ponta de ciúmes quando se sabe que não é possível sentir esse tipo de sentimento. Não tenho tempo de me recompor quando Guilherme emenda, eu disse, ele é falante.

        - Mas viu, ela seria uma ótima garota para você. Na pior das hipóteses iríamos jantar às sextas-feiras – e cai na gargalhada, me fazendo rir também do comentário, mas dando continuidade à ideia.

        - Sei lá Pedro, agora é sério, acho que você deveria mergulhar de cabeça em alguma mulher, viver alguma emoção capaz de dar um 180º nessa sua vida. Faz tempo que não te vejo falar de algo que brilhe seus olhos sem ser a fazenda. Cara, tu tá beirando os 30 e ainda não se amarrou por ninguém... – encerra Guilherme dando um gole do seu copo.

        - Porra cara, assim você me machuca – disse rindo - A gente mal começou a beber e você já começa com um assunto duro desse... E sabe de uma coisa, em partes eu sei que você tem razão... E aquela garota me intriga, é daquelas poucas que você não consegue desvendar de primeira..., mas eu não posso cismar, senão é outro relacionamento que vou destruir.

        Ao dizer isso, me lembro de outros envolvimentos que me fizeram cair em cilada. Já fiz muitas mulheres sofrerem por minha causa. Não sinto remorso ou qualquer arrependimento do que eu fiz. Já que sempre fui fiel ao que eu quis fazer e no fundo sempre soube que aqueles relacionamentos estavam fadados ao insucesso. Eu apenas encurtei o caminho.

De certa forma, no fim, eu sempre acabei por ajudar, por evitar delongas ou sofrimentos que seriam arrastados por dias, meses ou anos. Não me arrependo. E é movido por esse sentimento que escuto Guilherme dizer.

        - Pedi para a Fernanda o contato da Nicole... não tô incentivando a pegar ela, só troca uma ideia, se é dessa forma que você se sente com relação a ela, acho legal dar corda a essa sua curiosidade e ver onde isso pode te levar... – diz Guilherme enquanto termina de digitar no celular. Minutos depois, ele ainda diz:

        - Cara, e parece que o negócio não é pra rolar mesmo, Fernanda me respondeu perguntando se estou louco, que a Nicole namora, então esquece essa ideia... – fala Guilherme desapontado com a mensagem que acaba de receber de Fernanda.

        Não sei explicar o que me aconteceu naquela hora, mas senti que não deveria me conformar com a negativa. Já estar acostumado com o destino e todas as encrencas que causou tem dessas vantagens, você acaba perdendo o juízo, a noção, e o medo de qualquer rejeição ou problema que possa vir. É nessa hora que viro para Guilherme e digo:

        - Me passa o contato da Fernanda, deixa que eu mesmo vou conseguir o telefone da Nicole.

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