O mês que se passou trouxe mudanças sutis, mas profundas. Amélia se acostumava cada vez mais à rotina da matilha, e Damian, sem perceber, encontrava nela uma presença reconfortante. Eles ainda tinham seus desentendimentos ocasionais, principalmente quando ela insistia em desafiar certas regras, mas a convivência entre os dois se tornava mais natural, até mesmo agradável.E enquanto os dias corriam, algo importante se aproximava: o aniversário de Amélia.Damian queria que fosse especial. Afinal, além de marcar seus dezoito anos, também seria a noite de sua primeira transformação. E embora ele não demonstrasse sua preocupação, sabia que essa mudança seria desafiadora para ela. O corpo humano não estava acostumado à metamorfose lupina, e a dor da primeira transformação era inevitável.Por isso, planejava cada detalhe da festa. Não apenas para celebrar a nova fase de Amélia, mas para distraí-la do que viria depois.— Você acha que ela vai gostar?
Faltavam apenas três dias para a festa de aniversário de Amélia, e a matilha estava em plena atividade. O grande salão da casa principal havia se transformado em um verdadeiro cenário de conto de fadas, repleto de preparativos que Amélia não conhecia completamente. Essa falta de controle a deixava inquieta.Ela observava os lobos movimentando mesas, carregando caixas de enfeites e discutindo sobre iluminação e arranjos florais. Os olhos dela percorriam cada detalhe, tentando decifrar o que Damian havia planejado sem contar a ela.— Isso não é exagerado? — murmurou, cruzando os braços.Damian, que estava supervisionando a montagem do palco, ergueu uma sobrancelha ao ouvir sua voz. Ele se aproximou, parando ao lado dela.— O que foi? — perguntou, curioso.Ela suspirou.— Essa festa… é enorme. Parece um evento de gala, não uma comemoração de aniversário.Ele soltou um pequeno riso.— Eu avisei que seria especial.— Mas eu não sabia que seria algo assim… — Ela apontou para o palco. — Isso
O dia seguinte amanheceu com a matilha ainda em ritmo acelerado. Os últimos detalhes da festa estavam sendo ajustados, e Amélia finalmente decidiu se envolver mais nos preparativos, tanto para ocupar a mente quanto para tentar se acostumar com a grandiosidade do evento.Ela passou parte da manhã ao lado de algumas lobas da matilha, ajudando a organizar a decoração e opinando sobre as cores dos arranjos. Apesar da distração, sua mente voltava constantemente ao bilhete misterioso da noite anterior e à conversa que tivera com Damian.Uma conexão crescenteNo início da tarde, ela foi até o jardim lateral para ver como estavam os preparativos do espaço ao ar livre. Para sua surpresa, encontrou Damian sozinho, ajustando algumas luzes que seriam instaladas entre as árvores.Ele vestia uma camiseta preta simples, mas os músculos dos braços ficavam evidentes a cada movimento. O olhar concentrado, a forma como a luz do sol realçava seus traços… Amélia sentiu o coração acelerar sem motivo aparen
Antiope era uma vila cercada por colinas ondulantes e bosques de carvalhos tão antigos quanto o próprio tempo. As casas de pedra, cobertas de trepadeiras floridas, pareciam emanar um calor acolhedor, mas sob essa aparente tranquilidade escondia-se um medo enraizado. O nome do Alfa ressoava como um trovão nas conversas sussurradas. Ele governava não apenas a vila, mas também os corações de seus habitantes, que andavam sempre com olhares baixos e passos apressados, como se até mesmo o vento pudesse levar suas palavras para ouvidos errados.No meio dessa realidade opressora, vivia Amélia.Desde muito jovem, a vida lhe ensinara a sobreviver com pouco. Seus pais foram arrancados dela antes mesmo que tivesse idade para compreender a dor da perda. A memória deles era um borrão distante, fragmentos de vozes e risadas que às vezes vinham nos sonhos, apenas para desaparecer ao amanhecer. A vila, que deveria ter sido seu lar, virou um lugar onde não havia espaço para uma órfã. Sem ninguém que a
O silêncio entre eles era espesso como a neblina que pairava sobre a floresta. Amélia caminhava um passo atrás do filho do Alfa, os olhos atentos a cada detalhe do caminho. As árvores pareciam se curvar à presença dele, os pássaros silenciavam ao seu redor, e até o vento hesitava em soprar. Ela deveria ter fugido. Deveria ter resistido. Mas algo nela — talvez o instinto, talvez o cansaço de viver sozinha — a impediu. O cheiro de terra úmida começou a se misturar com algo mais denso, algo que fazia seus pelos se arrepiarem: o cheiro de outros lobos. Eles estavam perto. Muito perto. Seu coração começou a bater mais forte. O que ele queria com ela? Quando os portões da matilha surgiram à frente, sua respiração ficou rasa. Eram enormes, de madeira escura reforçada com ferro, e guardados por dois homens de olhar predador. Eles a observaram com curiosidade, mas não ousaram questionar o filho do Alfa quando ele passou por eles, trazendo-a consigo. Amélia se encolheu ao sentir dezenas de
Amélia tentou lutar contra o sono.Se dormisse, talvez acordasse em uma armadilha. Talvez descobrisse que tudo aquilo — o banho quente, as roupas limpas, a comida abundante — fosse apenas um truque cruel antes de seu verdadeiro destino.Ela já ouvira histórias assim antes. Promessas de conforto, de segurança, apenas para serem substituídas pelo frio da traição. Sua vida lhe ensinara a desconfiar da bondade, a questionar gestos gentis. Sobrevivência não permitia ilusões.Mas o cansaço, esse inimigo silencioso, foi mais forte.Seu corpo cedeu, vencido pelo esgotamento acumulado de tantas noites mal dormidas, de tantos dias fugindo, se escondendo, sempre à beira do colapso. O colchão, macio como um abraço esquecido, envolveu-a, e, antes que pudesse resistir, seus olhos se fecharam.O sono veio como uma onda morna, arrastando-a para um lugar onde, por um instante, não havia medo.Quando o sol começou a se erguer no horizonte, uma fragrância familiar despertou seus sentidos.Era um cheiro
O silêncio entre eles era espesso, quase palpável.Não um silêncio comum, mas um carregado de tensão e perguntas não ditas.Amélia continuou comendo, cada mordida trazendo uma avalanche de sentimentos confusos. O medo ainda estava ali, enraizado em seu peito como um espinho que se recusava a sair. Mas a fome era mais forte, e ela não desperdiçaria aquela oportunidade.Cada pedaço de pão que mastigava parecia dissolver um pouco da rigidez em seus músculos. A sensação de comida quente no estômago era algo que ela não sentia há muito tempo. Era quase estranho.Mas a presença de Damian impedia que relaxasse completamente.Ele permanecia parado perto da porta, os braços cruzados sobre o peito largo, observando-a com um olhar indecifrável.Não parecia apressado, nem impaciente. Apenas… atento.Ela não sabia dizer se isso era melhor ou pior.Depois de alguns instantes, ele finalmente falou:— Há quanto tempo você estava sozinha?O som de sua voz quebrou o silêncio como uma pedra atirada em u
Amélia passou o resto da manhã tentando afastar os pensamentos que insistiam em invadir sua mente.Damian.Havia algo nele que a fazia sentir-se inquieta. Ele era perigoso, disso ela tinha certeza. Mas, ao mesmo tempo, havia uma força nele que a atraía de uma forma que ela não compreendia. Seu cheiro, sua presença, o modo como seus olhos âmbar pareciam enxergar além de sua pele… tudo nele despertava nela algo primitivo, algo que não fazia sentido.Ela balançou a cabeça, irritada consigo mesma. Não podia se permitir esse tipo de distração.Decidida a entender melhor o lugar onde estava presa — porque, no fundo, ainda se sentia cativa —, resolveu explorar a casa da matilha. Não era a decisão mais segura, mas, afinal, ela havia sobrevivido anos sozinha na floresta. Um passeio não deveria ser tão desafiador.Caminhou pelos corredores de pedra, observando os detalhes. O lugar era imenso, com móveis de madeira escura, tapeçarias pesadas cobrindo as paredes e janelas amplas que deixavam a lu