Soraya
Limpo as lágrimas que insistem em cair. As mãos trêmulas são o reflexo do meu corpo por completo. Fecho a tampa do vaso, sento e permaneço ali paralisada olhando o teste de gravidez, o qual deu positivo.
— Droga! Jogo o aparelho longe. Eu não queria ter filhos. Espremo os olhos. O choro está entalado na garganta, a mente vagueia em qual ponto deixei minha vida declinar. Limpo o nariz com dorso da mão. — Que merda!
— Soraya! B**e exasperado. — Soraya, abre essa porta!
Reviro os olhos. Sebástian me viu correr ao banheiro logo assim que chegou. Balanço a cabeça ao me recordar como estava. Patético. Patético. Um nítido caipira como nas novelas da TV, chegando com as compras do dia dizendo: querida! Eu cheguei! Ninguém merece esse traste.
Subo as pernas as deixando juntas, coloco a cabeça dentre elas tentando tapar o som que sai ao lado de fora.
— Soraya!
— Me deixe em paz!
Após alguns segundos, a porta é aberta abruptamente. Com seu traje típico, chapéu e calça jeans, ofegante, ele mira profundamente meus olhos.
— O que houve meu amor?
O analiso da cabeça aos pés. Deus me livre permanecer mais um minuto ao seu lado. Realmente é como minha mãe diz. Um maltrapilho, pobre, condenado a viver na miséria. Nunca poderá me dar o que eu mereço. Sebástian não é homem para mim.
— Eu lhe vi correndo ao banheiro. Conheço você desde quando era uma criancinha. Sei que quando está com medo se protege e não deixa ninguém penetrar. Agacha ficando a minha altura. — Minha linda. Encaixa dois dedos ao meu queixo o erguendo. — Me diga o que houve.
— Houve nada, me solta! Bato em sua mão. Me afasto ao mesmo tempo que escondo o teste atrás das costas. — Não temos nada para falar. Eu só passei mal e vim ao banheiro. Para de querer me controlar, eu odeio isso! Tem como esquecer um pouco que eu existo e me deixar viver em paz!
— Não, não tem! Você é minha mulher. Irá me dever satisfações até eu morrer. Junta as sobrancelhas. — Soraya, eu te amo, vamos tentar nos acertar. Não é possível que queira viver nesse pé de guerra para sempre. Somos casados, marido e mulher, temos que viver em união, como Deus manda. Tenta chegar perto. Recuo novamente.
— Eu não quero me acertar com você. Eu não quero mais morar nessa fazenda. Quantas vezes eu te pedi para arrumar uma casa melhor, um emprego decente, que te pagasse o suficiente para vivermos bem? Mas não. Você se contenta com migalhas.
— Temos um teto sobre a cabeça, alimento a vontade a nossa disposição. Olhe a nossa plantação, é vasta! Podemos comer do nosso fruto. Em relação ao dinheiro, eu te peço somente um ano, somente um ano para prosperar. Eu lhe prometo meu amor, eu serei o homem mais rico de toda essa região, lhe darei tudo o que quiser, nunca mais irá se preocupar com dinheiro.
Rio não entendendo como ele pode acreditar nas próprias piadas.
Lembro que o meu sutiã tem uma nota de 20 reais, pego e lhe ofereço. Junta as sobrancelhas intrigado.
— Para que isso?
— Para recarregar o celular e ligar para alguém que esteja interessado nas suas mentiras. Eu não tenho tempo para besteiras. Você nunca vai conseguir sair desse lugar. Vai morrer aqui com esses bichos, e eu não quero estar aqui para ver isso.
Dou as costas.
— Não pode agir assim, você é minha mulher e me deve respeito! Sinto meu corpo sendo puxado. Abro a boca a fim de reclamar, porém, constato que o teste de gravidez estava em minhas mãos.
— Isso não é o que você está pensando.
— Grávida. Surpreso, pisca algumas vezes. Logo, deixa as lágrimas rolarem e um grande sorriso surgir. — Grávida, meu amor. Eu vou ser pai! Coloca as mãos em meu rosto e o beija por completo. — Eu vou ser pai.
Meu corpo é rodado ao ar, o que me causa enjoo, ele percebe e para de imediato.
— Desculpe, meu amor. Agacha ficando a altura da minha barriga. De um jeito estranho, cochicha algo que não compreendo. Rolo os olhos e em pensamento peço para que esses meses passem o mais rápido possível. Não posso aguentar nem mais um minuto com esse homem, com essas crianças, com essa vida. Meu amante e eu tínhamos um plano, eu espero que ainda se cumpra, que Leandro possa aguardar esse tempo. Eu fugirei com ele.
9 meses depois
— Essas crianças não saem! Reviro os olhos com a dor dilacerando minha alma. Quando descobri que seriam gêmeos, o pânico me dominou. Estava com receio de uma cabeça sair de dentro de mim, ainda mais duas. — Tira logo!
— Respira fundo Soraya. O primeiro já está vindo. Minha sogra fazendo o meu parto era tudo que eu menos queria, infelizmente Geane é a única parteira da região. — É um menino. O choro ecoa pelo quarto. Jogo a cabeça para trás, parece que a dor vem de todos os cantos. Geane oferece a criança para que eu possa segurar, mas viro o rosto, não consigo pensar muito e a dor volta novamente.
— Oh, céus! Grito com toda força, sinto meu corpo rasgando por completo. Por alguns instantes penso que vou morrer. Com toda a certeza, isso não é de Deus. Aperto os olhos deixando cair algumas lágrimas. Com o resto de forças que tenho, uso para empurrar de uma vez a outra criança.
— Uma menina. Parabéns, Soraya. Um casal.
A porta é aberta em um estrondo. Com o chapéu pousado ao peito, Sebástian me olha, estende um mínimo sorriso, o suficiente para lhe fazer chorar. Impassível, acompanho seus passos. Dessa vez, abre um enorme sorriso quando vislumbra os gêmeos, com suas devidas mantas, os cobrindo. Com delicadeza, pega um em cada braço. Engulo a seco. Não sei o que sentir, não consigo olhar para eles.
Alguns segundos depois, Sebástian se aproxima da cama, rapidamente giro o rosto no sentido oposto. Prendo o lábio inferior, fecho os olhos, sentindo as mãos gelarem.
— Os gêmeos são lindos, meu amor. Segure-os, um pouco apenas.
— Não consigo.
— Só um pouco. Nada respondo. — Somente olhe então. São seus filhos, Soraya.
— Não insista.
Poucos segundos depois, percebo que ele se afasta e fecha a porta. Me permito recolher o corpo e chorar. Sinto como se meu corpo fosse usado e agora largado na cama. Como um descartável qualquer. Solto um suspiro pesado. Não se preocupe, Soraya. Logo esse pesadelo acabará.
Um mês depois
— Você vai deixar os gêmeos?
— Eu não quero eles.
— Soraya, não faça isso, por favor.
Olho por cima do ombro. Em cada braço estão seus filhos. A única coisa que posso sentir é como pude me envolver com esse homem, é digno de pena, chorando desesperado com duas crianças no colo. Ajoelha-se à minha frente, pedindo pelo amor de Deus para que eu não vá embora. A que ponto ele chegou? Endireito meus óculos escuros e solto a última frase antes de ir para sempre daquele lugarzinho de merda.
— Isso não é mais problema meu.
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SebástianEngoli a seco enquanto ela se afastava. Minha mente vagava repetindo suas últimas palavras. Nunca poderia imaginar que Soraya fosse me abandonar, e pior, deixando seus filhos para trás. Minha mãe resgatou os bebês de meu colo, eu não tinha reação. Fiquei ao chão, parado, com os olhos fixados na porta. Ela me deixou. Um tempo depois, levantei e me tranquei ao quarto. Deixei as lágrimas caírem, elas foram direto para nossa foto de casamento no porta retrato. Soraya estava linda nesse dia, um vestido simples, rendado, com um buquê de rosas-brancas. Não queria se casar, aquilo era um tormento, mas como perdeu sua virgindade comigo, foi obrigada por seus pais. Soraya sempre foi ambiciosa, queria ganhar o mundo, e eu sabia disso, contudo, como um bobo apaixonado, acreditei que pudesse mudar, que conforme os anos passassem, o amor iria florescer, ainda mais quando descobri sua gravidez. Sinto um misto de vazio e preenchimento ao mesmo tempo, com os filhos enchendo meu peito, mas e
Observando o movimento ao lado de fora do carro, entrelaço os dedos aos de Leandro. Hoje finalmente me livrarei de Sebástian. Assinaremos o divórcio e me casarei com meu milionário, como sempre sonhei, tendo a vida que sempre desejei. Não foi fácil destacar-me dentre tantas empregadas que havia relações, contudo, usei das minhas melhores armas, meus jogos de sedução, esperando todos dormirem e indo ao seu quarto tarde da noite com apenas a lingerie por baixo. Ganhei limpamente e me orgulho por isso.— Minha linda. - ergue nossas mãos depositando um leve beijo em minha pele. — Espero que eu lhe entregue tudo o que espera ao meu lado. Fortuna, sucesso, fama...— Que eu possa lhe fazer a mulher mais realizada nessa vida.— Eu não tenho dúvidas disso. Te escolher foi a melhor decisão da minha existência. Só de estar comigo, me acompanhando na assinatura do divórcio, mostra como é um homem digno e muito leal. Tenho certeza que posteriormente ao assinar os papéis do casamento, não me arrep
Três anos depoisSebástianDepois de muitos anos juntando minhas economias, finalmente pude comprar a fazenda de Ágar e me tornar o dono de todo um império. Logo que soube que as terras seriam vendidas no leilão, a preço de banana, por conta de diversas dívidas, não hesitei em comprá-las. Como um peão modesto, confesso que essa situação era uma utopia. Tomar posse do território que antes era de meu patrão, o tal que fugiu com minha ex mulher, se tornou meu objetivo de vida. Senti que tirando uma parte que pudesse ser destinada a Soraya, seria um modo de fazê-la pagar por tudo que fez, mas a verdade é que não consigo agir ao lado da vingança. Meu coração está em paz por conquistar o que sempre sonhei, e não posso estragar minha vida com pensamentos em quem não merece.— Ela foi muito burra.— Ainda pensa nessa mulher? - pergunto enquanto encaixo os botões da camiseta. Giro para que ela possa dobrar as mangas.— Não há como não pensar. Você nunca foi um homem sem ambições, pelo contrári
Em caso de violência a mulher, denuncie! ❌Soraya O sol nasce me forçando a despertar. Espreguiço-me deixando o corpo descansar de toda a noite de ontem. Leandro está muito diferente. De uns anos para cá, venho notado que não sou sua prioridade como antes. Acredito estar me traindo, e isso não é o pior. O jeito que temos relações está ficando cada vez mais frio, robótico, como se eu fosse uma boneca de plástico. Está bruto, ofensivo, sempre violento ao toque, parecendo querer me ferir.Sei que algo não anda bem em suas finanças. Acabou perdendo alguns bens, inclusive a terra que era de seu pai. Ágar sempre foi uma das mais famosas fazendas, a mais tradicional, sempre rendendo muito lucro. Não sei quem a comprou, mas tenho certeza que fez bom negócio. Vejo que deixou um bilhete a cabeceira. Estico os braços para alcançá-lo."Esteja pronta às 21:00 em ponto. Jantaremos com um renomado executivo, Diogo Valadares. Não me envergonhe"Leandro A.Jogo o papel longe. Como se eu fosse constra
— Foram alguns ossos quebrados. Duas costelas fraturadas. Alguns dedos da mão direita deslocados. Cortes profundos no supercílio e lábios. O que mais me preocupou foram as pancadas em seu ventre. Eu sinto muito Soraya, mas não poderá mais engravidar.Assinto com a cabeça.— Tudo bem. - tento disfarçar a lágrima que escorre sem querer. Nunca tive sonhos de engravidar, muito menos ter mais filhos. É estranho o que estou sentindo, está tudo embolado. Ainda não sei como essa informação me atinge. — Não tem importância.— Você já tem filhos, não é mesmo?— Sim. Gêmeos. Suel e Selene. Eles têm três anos.— Imaginei que fosse mãe. Outras mulheres entrariam gritando em prantos nesse momento. Tem muita sorte por estar viva, o que aconteceu aqui foi muito grave. Uma policial virá para o interrogatório, e peço que não exite em falar a verdade. Mais tarde voltarei para verificar seu estado. E... Soraya...Dou minha atenção a ele.— Aproveite seus filhos ao máximo. Eles crescem rápido.//— Linda
Dou um passo para trás quando Sebastián ameaça atacar-me. Dois peões tentam intervir colocando as mãos em seu peito. As crianças me olham assustadas, logo aquela mulher os leva consigo, deixando-me ali paralisada sem saber o que fazer. Junto as sobrancelhas. Minha presença desagrada tanto assim?— O que faz aqui? - desperto com a voz de Geane, minha ex sogra.Seu belo vestido vermelho de cetim, compõe perfeitamente sua face amarga. Nunca foi minha fã, com certeza está me xingando por dentro.— Vim para a festa.— Não foi convidada. Como soube que hoje seria um dia comemorativo?Rio de escárnio.
Limpei meus saltos no pano de chão. Fiz o sinal da cruz e adentrei a casa de minha mãe. Senti novamente o ar acolher-me como quando eu era criança. O cheiro de madeira misturado com o solo molhado de chuva me fazem recordar do bolo de milho com café com leite. Ao mesmo tempo que esses sentimentos bons invadem, o temor do seu estado de saúde, me assusta. Fecho os olhos pedindo forças aos céus. Enchendo o peito de ar, aos poucos abro a porta de seu quarto.— Soraya.— Mãe.Sorrio amedrontada. Está deitada com aparelhos acoplados em seu corpo. Olho para a máquina que mostra seus batimentos. Estão lentos. Prendo o choro que se forma em minha garganta. Tento disfarçar dando m
SebastiánEu não estava em meus melhores dias. Uma terrível praga invadiu a minha plantação, destruindo os meus frutos mais bem pagos. Isso me deu muita raiva no coração, principalmente porque eu estava em meu melhor momento. Parece que quando prosperamos, acontecem inúmeras coisas para nos tirar do propósito. Tenho que lidar com a inveja, intriga, e a cobiça a todo momento, e se esse for o preço para ser financeiramente bem, eu não quero pagar por ele.Diana e minha mãe não param de me dizer o quanto se orgulham pela minha trajetória. Elas se admiram pelo fato de eu ter superado os inúmeros obstáculos e ter alcançado êxito, chegando a ser um dos mais bem sucedidos fazendeiros da região, tendo primordialmente a fazenda São João de Agar em meu nome. Isso não me diz nada. Se um homem não tem as suas raízes plantadas em s