2- O presente

A festa já estava começando e Emma foi em busca de seus primos e namorado. Logo os encontrou perto da fogueira. Yanni, seu primo mais novo, estava sentado, quase deitado, apoiado pelos cotovelos e gargalhando como louco. Ela sentiu vontade de rir só de velo daquele jeito. Arion, seu primo mais velho, estava sentado com as pernas cruzadas e olhando com um rosto sério para seu irmão. Julian estava mexendo na fogueira, o que exatamente ele estava fazendo ela não sabia, mas parecia que fora ele quem a acendeu pouco tempo atrás.

— Posso saber o motivo de toda essa alegria? - Ela perguntou e colocou as mãos na cintura.

— Quem é você? - Yanni perguntou. - Você é muito bonita, minha prima não é bonita desse jeito.

— Deixa de ser idiota, Yanni. - Ela disse enquanto sentava de frente para os primos. Não demorou muito e Julian ocupou o lugar ao lado dela.

— Você vai sujar o vestido. - Ele disse.

— Também não é assim, não é, Julian. - Ela disse com uma expressão séria no rosto.

— Eu só disse. - Ele levantou as mãos pro alto em sinal de rendição, e foi motivo para Yanni cair na gargalhada novamente.

— Esse aí tá lascado.

— E então. - Disse Emma tentando começar uma conversa normal com seus primos. - Como está minha tia?

— Ela está bem. - Quem respondeu foi Arion. - Ela não quis vir por causa de nossa irmãzinha. A viagem é muito longa pra um bebê de 3 meses. Pelo menos foi isso que ela falou, mas as duas estão bem.

— Oh! Eu quero conhecer minha priminha. Assim que eu puder, vou vê-la.

— Aproveita e dorme lá em casa. - Yanni falou. - Se ao amanhecer, você ainda acha-la adorável e fofa e todas essas coisas, você merece um prêmio. - E voltou a rir.

Arion repreendeu o irmão com o olhar, e mudou de assunto.

— O que tem de bom pra fazer aqui na sua aldeia?

— Nada! - Emma respondeu franzindo os lábios. - Esse lugar não tem absolutamente nada. Pra não morrer de tédio, treinamos em um campo aqui perto todos os dias de manhã. Não é como na sua aldeia que tem tantas coisas pra ver.

— Podemos explorar a floresta. O que você acha? - Arion deu a ideia.

— Não! É perigoso. - Respondeu Julian.

— Não acredito! Você acredita nas bobagens que falam? - Emma disse cruzando os braços.

— Não acredito. - Ele disse imediatamente.

— Mas... - Emma o instigou a dizer mais.

— Mas pode ser perigoso - respondeu como se quisesse dizer: " Não vai e ponto final." E essa entonação deixou Emma brava.

— Dizem que a floresta é mal assombrada e que seres de outro mundo vivem lá. Que pessoas já foram mortas ou desapareceram na floresta. É isso que as pessoas falam e Julian está com medo. - Ela disse olhando pra ele, um olhar de desafio.

— Bobagem! Assombrações não existem e seres de outro mundo também não. - Disse Yanni.

— Mas pessoas morreram ou desapareceram. Isso é verdade e ninguém sabe o verdadeiro motivo. - Completou Julian.

— Podemos ir com calma. Iremos armados e qualquer coisa de diferente a gente volta. Esta é a mesma floresta que cerca a minha aldeia. As pessoas caçam nela, fazem até piquenique ou tomam banho no rio, e ninguém nunca disse nada do tipo. - Arion disse.

— Está certo, então. - Decidiu Emma. - Amanhã de manhã iremos explorar a floresta. Se você não quiser não precisa vir, Julian. - Ela o provocou.

— É claro que eu vou. Não vou deixar você com esses irresponsáveis. - Ele observou Arion o olhar de lado, mas não disse nada.

Notando a tensão no ar, Emma decidiu mudar de assunto.

— Estou cheia de fome. Vamos comer?

Todos se levantaram ao mesmo tempo e foram em direção à mesa.

***

Algum tempo depois, Julian puxou Emma pela mão.

— Venha, vamos procurar seu pai. Quero falar sobre nosso noivado. Já esperei demais.

— Vamos. - Sorriu e o acompanhou.

Não demoraram muito para encontrar seu pai sentado com alguns amigos conversando e bebendo cerveja.

— Pai! - Emma chamou. - Preciso falar com o senhor.

Ele pediu licença e se aproximou da filha. Com a mão livre, ela pegou a mão do pai e o puxou para um canto pouco iluminado e com menos pessoas.

— Na verdade sou eu que quero falar com o senhor, senhor Benjamin. - Disse Julian, um pouco nervoso, mas firme. - Como o senhor sabe, sou amigo de Emma desde a infância, namoramos há dois anos e o senhor sabe que desejo torná-la minha esposa, mas ano passado me disse que se pudesse esperar mais um ano, permitiria que nos tornássemos noivos. Então, aqui estou eu. Vim pedir a mão de sua filha em casamento.

— Sei. Eu me lembro disso! - Benjamin coçou a barba loira. - Você realmente gosta da minha filha, rapaz?

— Sim senhor.

— Então não deve pedir a mim, e sim a ela. Se Emma aceitar o pedido, eu os abençoo.

Emma olha ao redor, seu coração palpitando de emoção. As luzes suaves da decoração de aniversário iluminam o ambiente, e os olhares curiosos de alguns poucos amigos e familiares estão fixos nela. Seu namorado, com um sorriso nervoso, se ajoelha diante dela, segurando uma caixinha delicada em suas mãos trêmulas.

Julian fala com a voz embargada.

— Emma, meu amor, desde o momento em que você entrou em minha vida, tudo mudou. Cada dia ao seu lado foi uma aventura mágica, cheia de risos, desafios e um amor que cresce a cada instante. Hoje, no dia do seu aniversário, na presença do seu pai, a pessoa que sempre desejou te ver feliz, eu quero fazer uma pergunta muito importante. Emma Collins, você aceita ser minha companheira para todo o sempre? Aceita compartilhar comigo cada amanhecer, cada lua cheia e cada capítulo desta jornada incrível?

Emma prende a respiração, os olhos brilhando com lágrimas de felicidade. Ela olha para o pai, que a observa com ternura, seu rosto refletindo a confiança e aprovação.

— Meu amor, não existe nada que eu deseje mais do que compartilhar minha vida com você. Cada risada, cada lágrima, cada desafio. Aceito com todo o meu coração, e prometo te amar para sempre - responde Emma emocionada.

O namorado coloca delicadamente o anel no dedo de Emma, e aplausos e lágrimas de alegria enchem o ambiente. O pai de Emma se aproxima, envolvendo os dois em um abraço caloroso.

— Estou além de feliz por testemunhar esse momento - fala Benjamin emocionado - Vocês são feitos um para o outro, e sei que juntos enfrentarão qualquer desafio que a vida possa trazer. Que este amor seja eterno, assim como a luz da lua que ilumina nossos caminhos.

Os olhou com intencidade e continuou.

— Mas escute uma coisa, rapaz. Minha filha é meu bem mais precioso, é minha única filha e a lembrança viva da minha esposa. A respeite e não a faça sofrer ou irei me decepcionar com você.

— Nunca a farei sofrer. Prometo. - Julian respondeu estendendo a mão para selar o compromisso e Benjamin apertou sua mão.

— Tudo bem, então.

Emma abraçou o pai fortemente, beijando sua bochecha e declarando sua felicidade.

— Obrigada, pai. - Ela estendeu a mão para Julian e o puxou. - Eu já volto.

Emma arrastou Julian para fora do quintal. Indo em direção a uma subida que dava em um pequeno morro que ela gostava de ir de vez em quando. Saindo do alcance das lamparinas e da fogueira que iluminava a festa, tudo o que iluminava o caminho deles era a lua cheia.

— Onde estamos indo, minha linda noiva?

— Você já vai ver.

Eles subiram o morro e ao chegar ao topo a jovem se viu de frente para a lua cheia. A brisa da noite soprava entre seus cabelos e a luz prateada da Lua iluminava seu rosto e a revigorava. Era maravilhoso.

— É lindo. - Julian finalmente falou.

— Sempre venho aqui a noite. É ainda mais lindo que durante o dia.

Julian se sentou e puxou Emma pra se sentar em seu colo.

— Venho quando preciso pensar ou quando quero ficar sozinha. É um lugar especial pra mim. Por isso quis compartilhar ele hoje com você. - Se virou para ele. 

— Obrigado! - disse.

Ele alcançou seu rosto com as mãos, a acariciou e depois segurou firme seu rosto a trazendo para mais perto, para um beijo. O primeiro do casal após se tornarem noivos, e este a fez se lembrar do primeiro e especial beijo de Emma, aquele dado ao mesmo homem que a beijava. Aquele tinha sido tão sonhado com este em que se tornaram noivos.

O beijo envolvente do rapaz a deixava totalmente entregue, as línguas se exploravam com mais vigor e o choque dos lábios quase a fazia se esquecer que sua festa estava acontecendo logo abaixo.

O casal ficou ainda um tempo lá, sentados, namorando e conversando. Nem sentiram o tempo passar.

— Temos que ir. - Emma disse se levantando e ajeitando a saia do vestido. Ela segurou a mão de Julian e o arrastou de volta para a festa.

Quando chegaram, Emma viu a avó aflita andando pelo quintal, provavelmente a sua procura.

— Emma, minha querida, onde você estava? - Dona Elis se aproximou aflita da neta. - Temos que fazer a cerimônia dos presentes, já está tarde. As crianças já estão dormindo. Daqui a pouco as pessoas vão querer ir embora.

— Fui levar Julian no meu lugar especial, vovó! Papai já contou a novidade? – Emma estava com um sorriso largo no rosto. - Estamos noivos.

— Sim, querida. Seu pai me contou. Fico feliz por vocês. – Mas apesar das palavras tranquilas, a idosa agarrou a mão da neta e a levou em direção a cadeira enfeitada no meio do quintal.

— Peço a atenção de todos, por favor! - Dona Elis diz em voz alta e estendendo as mãos para cima. - Hoje é o 18º aniversário da minha neta, Emma, e todos vocês estão aqui para comemorar essa data com ela. - As pessoas aplaudiram, felicitando a aniversariante.

— Na minha família... - Continuou Dona Elis. - Fazemos uma pequena cerimônia de entrega de presentes nessa data. Como a minha filha, mãe de Emma, é falecida, eu darei o presente em nome dela. Depois o pai, e então quem mais quiser presentear a aniversariante pode se aproximar.

Elis se aproximou da neta com uma caixa nas mãos e disse somente para sua neta:

— Minha querida, na nossa família há uma joia que passamos de mãe para filha. Eu recebi de minha mãe e entreguei para a sua quando ela fez dezoito anos. Quando ela faleceu, a joia voltou para minhas mãos e estou te entregando agora. É simples, mas é importante.

Emma abriu a caixa e dela retirou uma pedra azul redonda de tamanho médio, mas não era pesada. Ela parecia ter outras cores intrincadas mas a que mais sobressaía era a azul. O colar que fixava à pedra era de um couro fino trançado fortemente.

— Obrigada, vovó! - Uma lágrima saiu rolando em seu rosto quando ela lembrou que deveria ser sua mãe a entregar-lhe essa joia de família. A idosa a abraçou, sabendo exatamente o que ela estava pensando.

— Não tire esse colar. Ele vai proteger você. Sempre! Entendeu? - Emma confirmou com a cabeça e pendurou o colar.

Depois de sua vó, foi a vez de seu pai. Ele lhe deu um arco e flechas novinho, com uma aljava cheia de flechas. O metal da ponta reluzia, Emma ficou maravilhada. Seu arco e flechas já estava muito usado e ela amou o presente.

— Obrigada, pai. – A jovem se levantou e o abraçou.

Depois ela recebeu presentes dos primos e de outros aldeões. Enfeites de cabelo, brincos, tecidos, sapatos, flores... No final da cerimônia, ela estava cansada. Se despediu de todos e foi dormir.

Porém, não esperava que durante o sono ela tivesse um sonho que no começo foi maravilhoso, mas o que lhe aguardava no final a deixaria aflita.

" Ela estava sentada no alto do morro onde tinha ido mais cedo com Julian. A lua cheia estava ainda mais brilhante. Ela estava envolvida em seus braços carinhosos. Era maravilhoso se sentir protegida. O vento suave no seu rosto, a luz prateada da lua, tudo estava perfeito, até que um vento forte soprou e ela sentiu frio, a lua cheia estava escurecendo pela borda, como em um eclipse. Ao olhar para o lado em busca do noivo, Julian não estava mais lá, a jovem encontrava-se sozinha e com medo. Muito medo. Isso pesava em seu estômago e frio gélido percorria seu corpo. Uma sensação de estar sendo observada surgiu e a cada instante que passava, aumentava mais.

De repente todo o cenário muda. Emma se encontra em um lugar etéreo e misterioso. A neblina envolve seu corpo, enquanto seus passos a levam através de um cenário enigmático. Ela sabe que está em um sonho, mas sente uma presença poderosa ao seu redor. Em meio à névoa, um lobo majestoso, branco como a lua, surge diante dela. Seus olhos brilham com uma sabedoria ancestral, e sua voz ressoa em sua mente.

— Emma, filha dos lobos, chegou o momento de conhecer uma parte da sua missão. Eu sou o guardião das tradições perdidas, o mensageiro da deusa da lua que guiará seus passos.

Emma observa com fascínio para o lobo branco, mas a confusão lhe toma. “Filha dos lobos?” Ela se questiona.

— Quem é você?

O Lobo Branco ergue a cabeça com altivez.

— Sou o espírito ancestral dos lobos, aquele que desperta em momentos de grande importância. A deusa da lua concedeu-lhe um dom, mas sua missão vai além disso, Emma. Você também é responsável por resgatar as tradições esquecidas da sua família e restaurar o equilíbrio entre as dimensões.

— Que tradições? E como posso encontrar algo que desconheço?

O Lobo Branco se aproxima lentamente.

— Siga os sinais do passado, os fragmentos que foram esquecidos com o tempo. As respostas que busca estão entrelaçadas na história da sua família. Procure os pergaminhos antigos, as histórias contadas pelos mais velhos, as lendas esquecidas. Neles você encontrará pistas que a guiarão em sua jornada.

— Histórias antigas? Pergaminhos? - Ela estava confusa - Mas onde eu posso encontrar essas coisas?

O lobo branco balança a cabeça antes de desaparecer gradualmente na neblina.

— Espere, espere, por favor. Não vá embora?

O lobo já havia sumido na neblina.

Emma girou ao seu redor, e não havia nada nem ninguém, somente árvores e trepadeiras. A lua agora estava ainda mais escura. A sensação de estar sendo observada estava ficando insuportável e a lua quase totalmente encoberta. Antes ela acreditava que quem a observava fosse o lobo branco, mas não. A sensação agora estava esmagadora. A moça saiu correndo, o desespero tomando conta dela. O frio aumentava, era como se de repente fosse começar a nevar, ela observava sua respiração no ar frio enquanto corria utilizando a pouca luz que restava para correr, até que tudo ficou escuro e uma mão gelada agarrou em seu braço, puxando-a com violência. O pânico tomou conta e ela não viu nem sentiu mais nada."

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