Capítulo 8

Festa na piscina era uma boa pedida para um dia de folga.

Imaginei jovens animados dançando no jardim da casa dos meus anfitriões, e embora eu mesma não soubesse dançar, me animei também.

O jantar de boas-vindas tinha me deixado mais à vontade, de forma que eu já não me sentia mais uma completa intrusa, só meia, mesmo.  O mesmo poderia ser dito sobre meu bolo de aniversário. Se a intenção dos meus chefes era aumentar meu entrosamento, eles tinham conseguido com sucesso.

– Aquela festa vai rolar hoje e você está convidada – disse Kevin.

– Beleza! – respondi.

Apesar disso, estava tensa, pois não conhecia os amigos dele, nem sabia se era cabível participar desse momento de lazer. 

Lena e João eram bons patrões e me tratavam muito bem, mas eu deveria abusar? Isso não era misturar as coisas?

Você que está lendo já deve estar farto das minhas perguntas.

Antes que eu pudesse expor esse pensamento, Kevin tinha dado as costas.

Eu subi para escolher um traje de banho dentre os meus poucos. Olhei um por um e selecionei o maiô com estampa de abacaxi, presente da minha irmã pouco antes da minha partida. Me perguntei se ele não era exagerado demais, chamativo.

– A Califórnia tem belas praias – dissera Ester. – Pelo menos é o que Peter diz, ele já esteve lá várias vezes. Às vezes, o invejo, mas sabe de uma coisa? Me sinto feliz onde estou. Feliz como nunca estive. Claro que isso não significa que eu não queira viajar.

Senti saudades pela primeira vez no dia. Ester sim parecia uma cidadã do mundo. Quer dizer, até se apaixonar pelo cara mais tranquilo que nós já tínhamos visto.

A vida no apartamento da minha irmã não era perfeita, até mesmo porque, se fosse, eu não teria me mudado para a Califórnia naquela temporada.

Eu estava me desafiando, no entanto, em alguns momentos, queria, sim, estar sentada no sofá com Ester, esperando a novela das oito começar. Minha zona de conforto era ali.

Desde crianças nós éramos parceiras, e quando ela se casara com Peter, eu havia sentido que perdera minha melhor amiga. Agora ela seria a esposa de alguém, não apenas minha irmã dois anos mais velha que sempre me apoiava em tudo e que me dava a dose de coragem necessária para desbravar o mundo minimamente. Eu precisava me tornar uma mulher independente, afinal era isso que eu era: uma mulher, de forma que, tendo o substantivo, me faltava o adjetivo para compor a expressão.

Minha mãe fizera questão de que eu me mudasse com ela quando se casara, mas Ester e eu fincamos o pé dizendo que ficaríamos bem, juntas. Com ou sem Peter. Eu era grata por ela ter tido forças para lutar pela minha vontade junto a mim, pois mamãe não era do tipo que abandonava a cria. Ir com nossa matriarca não me dava boas perspectivas – a cidade para onde ela fora não oferecia muitas oportunidades, além do fato de meu padrasto ser taciturno demais para que nossa convivência passasse do “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite”, o que não me agradava – e ficar no Rio, meu lugar de origem, era mais animador, principalmente porque Ester estaria por perto. E, então, com o coração na mão, minha mãe fora embora derramando muitas lágrimas e ameaçando nunca mais sorrir se eu não atendesse a todos os seus telefonemas, independentemente do que estivesse fazendo. Chorei também, pois sabia que uma mulher criada para ser esposa e que não sabia ser nada além disso, ainda que sua personalidade fosse ensolarada, o que permitiria inúmeras possibilidades caso ela ao menos soubesse da existência delas, acabaria caminhando exatamente para o rumo que estava seguindo. Na tarde em que ela pegara o trem, eu dissera a mim mesma que não queria ser como ela ainda que a amasse. É possível amar alguém e desejar ser totalmente diferente.

Voltando àquela tarde em Los Angeles:

Me olhei no espelho e coloquei meus shorts jeans por cima do maiô que Ester me dera, amarrando o cordão para apertá-lo em meu quadril. A timidez não permitia que eu exibisse minhas coxas brancas ao lado das prováveis beldades que estariam na festa com suas pernas bronzeadas. Era até uma afronta, eu, uma brasileira, me sentir assim. Mas eu não era uma brasileira típica. Nem sambar eu sabia, e se alguém me perguntasse qual era o meu time, eu responderia que era o Vasco da Gama, embora não soubesse o nome de nenhum de seus jogadores.

Desci logo depois e me deparei com dois convidados sozinhos próximos à piscina. 

Eram rapazes da nossa idade, um loiro e outro negro. Eles sorriram ao me ver, e eu sorri de volta sem jeito, forçando simpatia.

Estavam de bermudas, ambos sem camisa. Um deles, o da esquerda, usava uma enorme e grossa corrente envolta no pescoço, e outras mais fininhas compondo o visual, todas também chamativas.

– Então você é a garota brasileira? – perguntou o garoto negro, que se chamava Frank. Ele não usava joias, mas ostentava no topo da cabeça um boné da Looney Tunes.

Respondi que sim e me apresentei. 

– Marta era o nome da minha avó – disse o loiro chamado Junior. Era ele quem estava com as correntes penduradas. Parecia uma árvore de natal.

Eu estava sem graça ali, sem ninguém que conhecia para aliviar essa sensação. Sabia que ainda restavam muitas pessoas a chegar, incluindo o próprio dono da festa, que tinha ido buscar umas bebidas, e me arrependi de ter chegado cedo demais. “Chegado” é  modo de dizer, pois eu estava hospedada a alguns metros dali na vertical, ou seja, no andar de cima.

–Então, Marta – continuou Junior. – Está gostando da cidade?

– Estou! É bem legal. 

Eu sabia que precisava de um pouco mais de traquejo social, mas algumas coisas estão tão entranhadas na nossa personalidade, que são difíceis de mudar.

Eu me sentia à vontade com Kevin, e isso era uma raridade. Falando nele, o anfitrião chegou com as bebidas e mais quatro convidados, quer dizer, um convidado e três convidadas que me olharam de cima a baixo. Elas eram patricinhas dali.

Fui apresentada a todos e assim a festa começou pra valer, junto com a chegada de mais alguns jovens californianos de classe alta.

Kevin colocou algumas faixas de hip hop para tocar em seu rádio, e esses mesmos jovens dançavam ao som das músicas escolhidas enquanto eu me restringia a balançar a cabeça e dar um sorriso xoxo. Isso não era sinal de que eu estivesse infeliz, muito pelo contrário. Era uma diversão observar aquelas pessoas tão diferentes de mim.

Kevin estava novamente com uma camiseta branca, que eu constatei ser a cor que melhor lhe cabia.

– Cheguei com as bebidas – avisou.

Balancei a cabeça.

– Quer alguma coisa?

– Agora não. Obrigada!

Em algum momento, ele se jogou na piscina de roupa e tudo, incluindo seu relógio de pulso. O que isso importava, não é?! Ele tinha dinheiro para comprar quantos relógios quisesse.

Não saiu dela pela escadinha (ok, eu poderia ter deixado essa piada passar), pois isso não era de seu feitio.

Observei seu corpo bem delineado e molhado. Ele era atraente, droga! Eu não podia mais negar que me sentia atraída por ele. Isso porque mal o conhecia. Não era do tipo que me sentia atraída com facilidade, mas Kevin despertara algo inédito em mim.

Me permiti uma metáfora poeticamente pobre: Kevin era quente como o verão.

Respirei fundo.

– Fica à vontade – disse ele se sentando ao meu lado e me entregando uma garrafa de Pepsi, que eu aceitei.

Agora estava sem camisa, apenas com os músculos discretos expostos.

– Como assim? – perguntei observando as veias de seu braço.

– Sei lá! Acho que você está meio tensa.

–Impressão sua!

– Mesmo?

– Uhum!

Decidi não mentir. Era muito educado de sua parte deixar todos os outros convidados para me dar atenção, e diante desse gesto constatei que Kevin tinha puxado aos pais. Aquela velha história: quem sai aos seus...

– É estranho pra mim... Toda essa situação. Eu vivi a minha vida inteira em uma mesma cidade, convivendo com as mesmas pessoas. Comecei a trabalhar na sorveteria ainda na época da escola, então essa é a primeira vez que conheço gente nova em tempos. Acredite, é desafiador. Ainda estou me acostumando. Sou assim, gosto de observar.

– Como uma coruja – ele concluiu. – Eu meio que entendo.

– Mesmo?

– Sim! Lembra que estávamos falando de Yale? Então, quando cheguei lá, me senti um pouco como você deve estar se sentindo. Aqui na Califórnia eu tenho meus amigos, lá eu não conhecia ninguém. Lá era como se eu não fosse ninguém. Mas sabe o que descobri depois?

– O quê?

– Que isso era bom.

Eu entendi a profundidade da constatação. Kevin estava me dizendo que gostava de não ser quem era ali naquele momento. Mas por que continuava sendo? O fato de eu ter entendido revelava uma conexão entre nós.

– Vai demorar um pouquinho para eu me acostumar. É um novo mundo!

– Também foi como me senti quando cheguei aqui há uma década.

– E agora você é bem popular – constatei.

Ele sorriu de um jeito diferente, desanimado; o que me encheu de dúvidas.

– Vamos, Marta! Você é uma convidada. Quero que se divirta.

Algumas pessoas estavam na piscina jogando vôlei ou algo do tipo, e eu fiquei com vontade de sentir a água geladinha molhar meu corpo.

Kevin segurou minha mão para me levantar, e eu senti seus dedos longos e macios sobre a palma dela. Fiquei de pé.

Foi nesse momento que uma presença nova e paralisante chegou à festa, ou melhor, entrou em cena.

**

Tratava-se uma garota alta, de cabelos negros e curtos. Sua pele era igualmente negra e brilhante, e seu corpo parecia uma escultura. Os seios eram fartos, e os quadris, embora não fossem largos, eram harmoniosos, formando um conjunto sexy e belo.

Todos olharam para ela, como se sua chegada fosse um evento, assim como ela era.

– Summer! – exclamou alguma das vozes presentes.

Kevin soltou minha mão automaticamente e voltou toda sua atenção para a estranha que agora eu sabia se chamar Summer, e que era irmã de Frank, um dos dois garotos que já estavam na festa quando eu chegara (o que não usava as correntes).

– Oi! – disse ela abraçando os que haviam chegado antes.

Kevin não saiu do lugar, e eu me sentei novamente, deixando meu corpo cair.

Foi a recém-chegada quem se aproximou dele, mas ao invés de abraçá-lo ou cumprimentá-lo, ela apenas o olhou.

Eu, de onde estava, observei o vão entre eles, foi nesse momento que minha ficha caiu: Summer era a ex-namorada de Kevin.

Um clima estranho se instalou ali.

Bem, ela não era loira de olhos azuis como eu supunha, mas era americana e tinha seios fartos. É certo que eles formavam um casal e tanto. Digno de filmes pornôs. Só ali notei que, caso Kevin quisesse, poderia se dar bem nessa carreira.

Eu assistiria, com certeza!

Me levantei para pegar um ponche (embora estivesse com uma garrafa de Pepsi na mão) e sair daquela cena cinematográfica de reencontro. Ok, o ponche era meu pretexto.

– Quase que eu estava indo estourar umas pipocas – disse Junior se aproximando.

Eu ri forçadamente. Não gostei do modo como ele surgiu do nada, atrás de mim, como uma sombra, mas constatei que era coisa da minha cabeça.

– Não é?!

– Acho que é a primeira vez que eles se veem depois de anos.

– Sério?

– Sim! A Summer estava namorando um cara, mas terminou recentemente. Vai ser explosivo.

Eu dispensaria essa última frase dele. Sabia a que ele se referia: reencontros costumam ser ferventes, e aquele tinha tudo para ser.

– Ela foi convidada pra festa?

– Acho que não. O Kevin foi pego de surpresa pelo visto.

Eu concordava com isso. O efeito da chegada de Summer tinha sido genuíno demais para não ser surpresa. O anfitrião não esperava por sua chegada, assim como nenhum dos presentes parecia esperar. O momento de sua entrada tinha sido como o de uma noiva, só que inesperado.

– O Brasil deve ser um lugar quente – Junior disse.

– É sim! Muito quente.

– Tenho vontade de ir para lá.

– Vale a pena passar umas férias – concluí. – Mas você tem que passar muito protetor solar – ele era muito branco, ainda mais do que eu, e havia pouca melanina em seus cabelos, que eram loiros, e em seus olhos azuis como a piscina.

Voltei ao meu lugar e me sentei novamente enquanto bebia o ponche, mas então, ao ver as conversas animadas dos desconhecidos à minha frente, sentindo-me deslocada, decidi dar um novo rumo à minha tarde.

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