Foi a primeira vez que sonhei com Kevin. Um sonho quase erótico com o filho dos meus patrões. Algo tão indevido. Mas eu não tinha culpa, não é?! Ou será que tinha? Ah, Freud que explicasse isso do além, se quisesse. A mim mesma, eu estava reservando o direito de esquecer o assunto.Nossa conversa na praia terminara com ele se levantando, me estendendo a mão e me levando de volta para a festa onde Summer já não estava. Nenhum beijo acontecera. Não até o sonho, é claro.Acordei decepcionada, mas ao mesmo tempo aliviada, pois se a situação fosse real, poderia ter consequências graves (que talvez valessem a pena se ele beijasse tão bem na vida real quanto no sonho)."Ou vai, ou racha", era o que minha irmã costumava dizer quando me via com medo de algo. Apesar de eu estar longe de ser medrosa. Ok, ok, eu admito que era. Entretanto, não gostava dessa frase, pois ela me colocava na obrigação iminente de uma escolha. Às vezes, eu era boa em fazê-las, mas em outras não. Nesse caso, escolhi d
O ambiente era bem diferente da lanchonete dos pais de Kevin, e perdia muito em elegância, não chegando a poder se considerar um concorrente da Milk Shakespeare, sendo, porém, agradável o suficiente para que eu desejasse voltar; desta vez sem os intrusos.O McDonald’s era muito ofuscado na região devido à variedade de estabelecimentos do ramo alimentício. Ronald McDonal’d não era tão venerado quanto eu achava, mas, sendo sincera, era apaixonada por seu molho especial (cebola, picles, no pão com gergelim).Sentamo-nos em uma mesa de quatro cadeiras. Summer e Junior lado a lado e Kevin e eu opostos a eles. Este último estava visivelmente incomodado com a presença da ex-namorada ao lado de alguém que eu julgara ser seu amigo. Devia estar enganado, pois Junior não demonstrava nenhum constrangimento de estar com ela, pelo contrário, ele parecia estar feliz como alguém que tinha acabado de ganhar um troféu, que no caso era uma garota. Talvez ele tivesse ganhado outra coisa na sala de cinem
Pela primeira vez desde minha chegada, Lena iria receber visitas. Tratava-se de algumas das mulheres da vizinhança e do clube que sua família frequentava. Todas madames, eu supunha (e estava certa). Uma versão mais velha e feminina dos amigos de Kevin.Fui para o meu quarto para não atrapalhar, apesar de ter sido convidada a participar daquele momento "mulheres ricas". Eu imaginei que elas discutiriam juntas seus problemas de, adivinhe: mulheres ricas. Não eram, definitivamente, problemas sobre os quais eu poderia falar com conhecimento de causa, então preferi me abster. Se elas quisessem falar sobre contar moedas, aí sim eu poderia participar, mas não era o caso.Queria ligar para minha irmã para perguntar sobre a novela cujo primeiro capítulo eu tinha assistido antes de viajar para a Califórnia, mas que tinha sido o suficiente para ficar curiosa para saber quem seria A Próxima Vítima[1] (era esse mesmo o nome da novela). Nos EUA, as séries eram mais populares, e eu percebi que elas
Cortei as cebolas e as armazenei em um pote para que Alejandro utilizasse conforme preparava hambúrgueres.– Vai fazer o que hoje? – ele perguntou.– Que eu saiba, nada – dei de ombros. – Sem planos.– Quer conhecer a parte pobre de Beverly Hills?Aceitei o convite. Eu estava curiosa para saber mais sobre essa parte do bairro desde que ele me falara sobre o lugar onde morava. Até ali havia me alimentado com a imagem de pessoas ricas.– Vou preparar uma Tamale para nós.– Tamale? – perguntei.– É um prato típico mexicano.Antes de irmos, passamos no supermercado mais próximo para comprar os ingredientes para o tal prato. Alejandro colocou milho, queijo, pimentões e outras coisas em sua cesta.– Você veio para trabalhar aqui? – o interpelei.– Que nada! Vim sem emprego mesmo. Procurei muito em restaurantes de comida mexicana, mas não encontrei. Aí em um belo dia, acordei e decidi conhecer a famosa Beverly Hills (nessa época morava a alguns quilômetros de Bel Air). Sem a intenção, dei de
No final de semana seguinte, Lena estava de maiô na sala quando desci. Eu ainda ficava tensa de perambular pela casa, mas era inevitável; tinha que passar pela sala em algum momento, caso contrário pareceria uma princesa presa na torre.E a mansão realmente parecia um castelo moderno.Na tarde em que eu fora à casa dos meus amigos mexicanos, voltara cedo para não dar motivos para reclamações.– A fim de ir ao clube comigo? – ela convidou.– Clube?– Sim! E aí, vamos? Às vezes, eu trabalho tanto na lanchonete que preciso de um respiro, compreende?De fato Lena trabalhava muito. Eu ficava abismada com o fato de que uma madame, o que era o seu caso, continuasse fazendo isso mesmo estando rica o suficiente para se dar ao luxo de relaxar um pouquinho. Muitas, em seu lugar, estariam apenas colhendo os frutos do trabalho, ao invés de permanecer trabalhando. Ela era aficionada pela lanchonete, e isso me causava admiração. Eu queria ser como ela quando crescesse.– Kevin vai mais tarde – ela c
Se era atração sexual o que eu sentia por Kevin, então a única saída era deixar de sentir, já que essa era uma atração impossível. Parecia uma solução óbvia demais? Sim, parecia, mas o que não era nada óbvio eram os meios que eu usaria para chegar até lá. Ou tentar. Não que houvesse muitas chances de dar certo, contudo, eu precisava ser otimista.Me lembrei de certa vez em que Ester me dissera, após uma das suas dezenas de desilusões amorosas que duraram apenas dois dias:– Não há nada melhor do que gogoboys para nos fazer esquecer dos garotos que não são gogo!– Oi?! – eu perguntara na tentativa de compreender aquela frase insana.Era um trocadilho que precisava de mais de um idioma para ser compreendido. Segundo ela, havia dois tipos de garotos no mundo: os gogo e os não gogo. Os gogo eram autoexplicativos: caras que dançavam e recebiam dinheiro para fazer isso e outras cositas más (no Rio de Janeiro havia muitos desses espalhados, uns dançavam, outros só recebiam por sexo), e os nã
– Hoje não vou te esperar – disse Alejandro. – Tenho que comprar ração para o nosso gato e depois Daniel vai levá-lo ao veterinário.– Eu gostei do apartamento de vocês.– Aposto que ele não é nem a sala da casa da Lena.Eu sorri. Já tinha feito essa mesma comparação com o apartamento da minha irmã.– Talvez seja a sala e um banheiro.Me calei. Não queria ser pega fofocando.– Martinha! – Lena exclamou minutos depois de o assunto ter terminado.Completava meu primeiro mês na Califórnia, e assim eu receberia meu primeiro salário.Se fosse fazer um resumo da minha estadia ali, eu diria que as coisas tinham sido melhores do que eu poderia desejar. Eu estava aprendendo muito sobre culinária, incluindo pratos norte-americanos como as panquecas tradicionais deles, torta de maçã, molho barbecue... E tinha aprendido também uma forma de deixar as batatas bem sequinhas e crocantes.Vez ou outra eu ficava além do horário, coisa que não me incomodava nem um pouco.– Hoje é dia de sorrir, menina!
A cozinha estava disponível e, como Lena e João não estariam em casa até o dia seguinte (eles tinham viajado logo após o expediente para se encontrar com um novo fornecedor), achei uma boa ideia. Eu estava com saudades dos meus sorvetes. Prepará-los era como uma terapia.– Estive pensando – disse Kevin enquanto eu batia os ingredientes no liquidificador.Então eu liguei o objeto e seu som cobriu o que ele disse.– O que foi?– Eu disse que estou a fim de fazer uma trip – repetiu agora mais alto.Eu não sabia o que era uma trip, por isso pedi que ele me explicasse.– É uma viagem rápida de carro.– Parece bom – respondi olhando para a consistência do creme que precisaria ficar no congelador por algumas horas até ficar no ponto.Não tocamos mais no assunto, e duas horas depois nos encontramos na cozinha para verificar se meu sorvete deu certo.Coloquei o conteúdo em dois potes, um para mim e um para Kevin, e despejei em cima dele um pouco da cobertura que eu havia encontrado na geladeir