No final de semana seguinte, Lena estava de maiô na sala quando desci. Eu ainda ficava tensa de perambular pela casa, mas era inevitável; tinha que passar pela sala em algum momento, caso contrário pareceria uma princesa presa na torre.E a mansão realmente parecia um castelo moderno.Na tarde em que eu fora à casa dos meus amigos mexicanos, voltara cedo para não dar motivos para reclamações.– A fim de ir ao clube comigo? – ela convidou.– Clube?– Sim! E aí, vamos? Às vezes, eu trabalho tanto na lanchonete que preciso de um respiro, compreende?De fato Lena trabalhava muito. Eu ficava abismada com o fato de que uma madame, o que era o seu caso, continuasse fazendo isso mesmo estando rica o suficiente para se dar ao luxo de relaxar um pouquinho. Muitas, em seu lugar, estariam apenas colhendo os frutos do trabalho, ao invés de permanecer trabalhando. Ela era aficionada pela lanchonete, e isso me causava admiração. Eu queria ser como ela quando crescesse.– Kevin vai mais tarde – ela c
Se era atração sexual o que eu sentia por Kevin, então a única saída era deixar de sentir, já que essa era uma atração impossível. Parecia uma solução óbvia demais? Sim, parecia, mas o que não era nada óbvio eram os meios que eu usaria para chegar até lá. Ou tentar. Não que houvesse muitas chances de dar certo, contudo, eu precisava ser otimista.Me lembrei de certa vez em que Ester me dissera, após uma das suas dezenas de desilusões amorosas que duraram apenas dois dias:– Não há nada melhor do que gogoboys para nos fazer esquecer dos garotos que não são gogo!– Oi?! – eu perguntara na tentativa de compreender aquela frase insana.Era um trocadilho que precisava de mais de um idioma para ser compreendido. Segundo ela, havia dois tipos de garotos no mundo: os gogo e os não gogo. Os gogo eram autoexplicativos: caras que dançavam e recebiam dinheiro para fazer isso e outras cositas más (no Rio de Janeiro havia muitos desses espalhados, uns dançavam, outros só recebiam por sexo), e os nã
– Hoje não vou te esperar – disse Alejandro. – Tenho que comprar ração para o nosso gato e depois Daniel vai levá-lo ao veterinário.– Eu gostei do apartamento de vocês.– Aposto que ele não é nem a sala da casa da Lena.Eu sorri. Já tinha feito essa mesma comparação com o apartamento da minha irmã.– Talvez seja a sala e um banheiro.Me calei. Não queria ser pega fofocando.– Martinha! – Lena exclamou minutos depois de o assunto ter terminado.Completava meu primeiro mês na Califórnia, e assim eu receberia meu primeiro salário.Se fosse fazer um resumo da minha estadia ali, eu diria que as coisas tinham sido melhores do que eu poderia desejar. Eu estava aprendendo muito sobre culinária, incluindo pratos norte-americanos como as panquecas tradicionais deles, torta de maçã, molho barbecue... E tinha aprendido também uma forma de deixar as batatas bem sequinhas e crocantes.Vez ou outra eu ficava além do horário, coisa que não me incomodava nem um pouco.– Hoje é dia de sorrir, menina!
A cozinha estava disponível e, como Lena e João não estariam em casa até o dia seguinte (eles tinham viajado logo após o expediente para se encontrar com um novo fornecedor), achei uma boa ideia. Eu estava com saudades dos meus sorvetes. Prepará-los era como uma terapia.– Estive pensando – disse Kevin enquanto eu batia os ingredientes no liquidificador.Então eu liguei o objeto e seu som cobriu o que ele disse.– O que foi?– Eu disse que estou a fim de fazer uma trip – repetiu agora mais alto.Eu não sabia o que era uma trip, por isso pedi que ele me explicasse.– É uma viagem rápida de carro.– Parece bom – respondi olhando para a consistência do creme que precisaria ficar no congelador por algumas horas até ficar no ponto.Não tocamos mais no assunto, e duas horas depois nos encontramos na cozinha para verificar se meu sorvete deu certo.Coloquei o conteúdo em dois potes, um para mim e um para Kevin, e despejei em cima dele um pouco da cobertura que eu havia encontrado na geladeir
Eu não sabia de onde havia tirado forças para sair de perto de Kevin, que me atraía como um imã. Eu era o metal.Minha vontade era pular em seu colo e só parar quando estivéssemos exaustos.Subi para o meu quarto e liguei o ventilador para refrescar meu corpo quente. Deixei minhas mãos fazerem o trabalho que eu desejava que fosse dele, e no outro dia Lena e João retornaram me trazendo a sensação de segurança. A presença deles era um impeditivo para que eu colocasse pra fora meus desejos mais primitivos.No final de semana seguinte eu também estava de folga, e pensei desde aquele momento em que destino dar a ele. Não passava pela minha cabeça convidar Kevin para nada, pois já tinha ficado claro para mim que era melhor que nos afastássemos um pouco, pelo menos até que meu corpo entendesse os limites e não quisesse atravessar a fronteira do México a nado. Kevin era os EUA, nessa metáfora.Tinha obrigação quase moral de aproveitar Beverly Hills, mas não só isso, a cidade de Los Angeles ta
– Pronta? – Kevin perguntouRespondi que sim, e ele colocou o pé no acelerador.Pronta era uma boa palavra para descrever o modo como eu me senti naquele momento. Havia chegado a Los Angeles um pouco (ou muito) assustada, acuada até, embora ironicamente cheia de coragem de vencer meus medos, mas agora, dentro daquele carro, me sentia uma leoa selvagem com a juba balançando ao vento. Lembrei que ele tinha me feito aquela mesma pergunta no estacionamento do aeroporto, e muita coisa havia mudado desde então.A rota tinha sido traçada por Kevin e por mim com a ajuda do mapa da Califórnia, na mesa ampla da sala de jantar. Nós usamos um canetão para isso, e havíamos rabiscado nossas próprias mãos. Fora difícil tirar a tinta da nossa pele. Mal sabia eu que havia coisas ainda mais difíceis de sair da epiderme. – Acredita que, em todos esses anos, eu nunca fiz isso? Não tínhamos tempo para ir muito longe, portanto San Francisco era uma boa opção. Íamos parando na estrada durante o percurso d
Bem, ao menos era um quarto com duas camas, uma ao lado da outra. Poderia ser pior, e ao invés delas, uma única cama de casal que me colocaria em uma situação ainda mais complicada e embaraçosa. Ah, a tentação. Se eu fosse mais descarada, diria que poderia ser “melhor”, ao invés de pior. Deitar ao lado de Kevin, compartilhar do mesmo lençol que ele... ainda bem que não precisava ser tão tentador.Estava bastante constrangida com a situação, e senti uma pontada de arrependimento de ter viajado. Mentira! Eu não senti. Era estranho, sim, tamanha intimidade, porém, estava longe de ser o bastante para que eu me arrependesse. Na verdade, eu percorreria novamente cada quilômetro de estrada.– Qual cama você quer? – ele perguntou.Dei de ombros, para mim tanto fazia uma quanto a outra.– Pode ser a da esquerda.Kevin colocou suas coisas em um canto, e eu coloquei as minhas em outro.Então Kevin se deitou na cama da direita e perguntou se eu gostaria de tomar banho antes dele.Assenti com a ca
Expirei todo o ar de meus pulmões enquanto a sensação de êxtase se dissipava, causando em mim uma outra quase aliviadora.– Minha alma saiu do corpo – eu teria exclamado se conseguisse dizer alguma coisa.Kevin beijou minhas coxas e me olhou nos olhos, depois subiu novamente, encarando meu rosto e me beijando agora com calma, mas não sem urgência.De onde eu estava, observei as estrelas que cravejavam o céu como cristais cravejavam um vestido de noiva.Lembrei-me de uma canção que ouvira no rádio de pilha da minha avó, ainda na infância. Droga! Não me lembrava, e ainda não me lembro o nome dela, mas seus acordes estavam em minha cabeça.Eu ainda estava desnorteada, tamanho o impacto da língua dele em mim.Então nós caímos juntos em uma risada. Eu não podia acreditar que aquilo tinha acabado de acontecer; havia me desfeito, sim, me desfeito, na língua de Kevin segundos atrás.E agora só o que restava de mim era uma sensação deliciosa de alívio misturada à minha respiração ainda ofegant