Uma semana depois...– Chegamos! – disseram em coro duas vozes entusiasmadas.Kevin e eu levantamos do sofá, surpresos. Estávamos tomando o café da manhã ali ao invés de na cozinha, e eu torci para não ter derramado farelos de pão no tapete. Não esperávamos que a chegada de Lena e João fosse àquela hora, embora soubéssemos que seria naquele dia. Sabíamos que eles entrariam pela porta em algum momento, mas não enquanto desfrutávamos do nosso último café da manhã a sós. A “vida de casados” estava chegando ao fim, e eu lamentava isso.Isso não queria dizer que não queríamos que eles voltassem, mas ambos, se pudéssemos escolher, teríamos postergado essa data, prolongando a nossa temporada.Na noite anterior, tínhamos nos sentado em frente à piscina e ficado lá, de mãos dadas, sem dizer nada por algum tempo. Eu estava relendo meu exemplar de “A Hora da Estrela”. Quem rompera o silêncio fora Kevin.– Vou sentir falta desta piscina quando formos embora.Ele se levantara e se sentara com os p
E foi isso que ele fez.Pouco depois, naquele mesmo dia, que agora era noite...Kevin estava sentado na bicicleta da academia que ficava no jardim. Eu havia subido para ficar sozinha por alguns minutos, absorvendo tudo, e voltara para vê-lo. Nós precisávamos conversar e não era possível procrastinar isso.A lua era cheia, propícia para lobisomens. Entretanto, o que estava de frente para mim nada tinha de lobo, apenas de humano. Um belo humano. Por dentro e por fora.– Reflexivo?!Ele despertou de seus próprios pensamentos.– Bastante, embora já tenha me decidido lá no fundo.Me justifiquei:– Eu não pude recusar. Não tenho trabalho no Rio e... você sabe, eu amo este lugar apesar de tudo. De tudo não, das poucas coisas que me desanimam aqui. Beverly Hills é um sonho, é a minha chance. Espero que não fique chateado. Nós fizemos planos, eu sei, mas...– Sei disso também. Eu compartilho desse sentimento. Também amo essa cidade. E posso dizer a expressão “apesar de tudo” sem medo.– Kevin,
Lena estava ao telefone quando, no dia seguinte, eu me preparava para dar notícias à minha mãe. Não sabia qual seria a reação dela, ou melhor, sabia sim, mas preferia não saber. Ela enlouqueceria, mas depois aceitaria minha decisão. Com pesar, porém aceitaria.Eu só não tinha certeza de quanto tempo levaria para chegar a esse “depois”. Estava na hora de entender que eu havia crescido. Já Ester ficaria exultante. Eu queria propor que Peter e ela viessem me visitar em breve. Eu estava com saudades e a perspectiva de sabe-se lá quanto tempo mais sem vê-la aumentava isso. Nunca tinha ficado tanto tempo sem minha irmã, amiga e confidente, e era irônico que isso estivesse acontecendo logo agora que eu tinha tantas coisas para contar a ela.Apesar de a minha estadia só parecer ter prós, eu tinha consciência dos contras: teria que planejar toda uma vida ali, me reestruturar, pois meus planos anteriores só iam até o fim do verão, ou seja, eles estavam chegando ao fim do prazo de validade.Cont
O verão de 1995 se findou junto à vida de Kevin Fisher, o garoto, o rapaz, o homem (sim, a ele cabia-se usar todos esses termos), que me apresentou a uma parte inteira do mundo.Parece incoerente dizer “uma parte inteira”, mas garanto, com direito a um ponto de exclamação, que não é! Tampouco “o inteiro de uma parte”. Haja complexidade para compreendê-lo.Kevin era um universo e, naquela tarde, este universo não teve um fim dentro do Mustang. Ele estava eternizado dentro das páginas escritas, intituladas “A biografia de um verão”, que tinham ficado parte dentro da gaveta da escrivaninha de seu quarto, parte em seu infinito particular, que poderia ser chamado também de biblioteca.O amor a que ele me apresentara, não terminou também com a estação: ele perdurou. Perdurou e perdura. Há verbos que podem ser conjugados no passado e no presente sem que seu sentido se altere.Aquela ligação repentina mudou todos os meus planos, causando uma revolução. Me lembrei de ter constatado, certa vez,
E se o final do último capítulo tivesse sido apenas um pesadelo de Martinha?O capítulo a seguir contém um desfecho alternativo, onde a morte de Kevin foi um mero pesadelo da mente excessivamente sonhadora de sua amada.Um alento para quem derramou algumas lágrimas com o passamento do mauricinho mais lindo de toda a Beverly Hills. Indicado para quem gosta de finais felizes.**– Martinha, Martinha – ouvi alguém dizer ao meu ouvido.Me virei e, com a voz fraca devido ao sono, perguntei:– O que foi?Meu braço estava dormente, pois eu havia cochilado com o peso do meu corpo em cima dele.– Acho que você teve um pesadelo – disse Kevin.Esfreguei os olhos com o dorso da mão que não formigava, e tentei me lembrar. Não precisei de muito esforço para o tal.Me veio à mente a imagem de Lena e eu na cozinha, conversando, quando o telefone tocara. Na vida real aquilo tinha mesmo acontecido, no entanto, era Alejandro ligando para avisar sobre os pormenores de sua volta a Beverly Hills. Isso era
Assim que pisei na Califórnia, dei de cara com Kevin e seu Mustang vermelho que parecia ter acabado de sair da concessionária. Ele (Kevin, não o carro) era alto, mas não chegava a merecer o título de "poste". Parecia magro, porém através da camiseta branca justa, estilo James Dean, percebi que seu corpo era repleto de músculos definidos, embora discretos. Era meu tipo preferido de beleza masculina, apesar de, na minha atual situação, eu costumar ter pouco tempo e energia para pensar sobre garotos. Bem... Kevin não era exatamente um garoto, sua fisionomia era máscula demais para que ele fosse chamado de tal coisa. Ele era um homem, isso sim! Um baita de um homem. Mas eu não deveria estar reparando nisso. Definitivamente não!– Você deve ser a Marta! – ele disse. Não havia nada do sotaque estadunidense que eu imaginava, pelo contrário, se eu estivesse em outra situação, diria facilmente que Kevin era um carioca passando férias na Califórnia, ao invés de morar ali há mais de uma década.
Tempos antes...Rio de JaneiroEu estava organizando as roupas no armário de ferro que usava para guardar minhas coisas no apartamento da minha irmã quando ela entrara no quarto.– Como você está? – perguntara Ester.– Decepcionada! – fora minha resposta.Para ela eu não precisava fingir. Ester era minha melhor amiga – e talvez a única além de minha mãe.Me sentara na cama e pegara uma pilha de roupas, colocando-a sobre meu colo. As coisas realmente não estavam sorrindo para mim e, quando sorriam, era com os dentes cheios de cáries.– Nenhum restaurante precisando de uma cozinheira na cidade inteira. Nem lanchonete, nem sorveteria. Não se come mais nesta cidade.– Eu sinto muito, Martinha!Era assim que Ester me chamava desde criança: Martinha. E era assim que eu gostava de ser chamada. Minha mãe costumava dizer que Marta era um dos nomes mais bonitos que existiam, mas a maioria das pessoas preferia me chamar por seu diminutivo, e eu me identificava assim, pois denotava carinho e, sin
– Eu vou o quê? – perguntei.As palavras de Kevin tinham me alcançado pela metade. Eu sabia o significado de cada uma delas, mas não fazia muito sentido sua junção em uma frase. Isso porque ele tinha falado em português comigo, imagine se fosse um estrangeiro qualquer, ou pior, um rapper estrangeiro cuspindo as palavras freneticamente. – É! – respondeu sem pretensão. – Você vai ocupar uma suíte lá em cima! Venha, vou te mostrar!Kevin passava uma confiança absoluta por meio do seu tom de voz e do seu semblante, o que foi essencial para que eu não saísse correndo dali achando que aquela era uma tramoia de garotos ricos para fazer algum tipo de mal com uma garota pobre e inexperiente. Seria trágico! Imaginei minha irmã recebendo a notícia pelo telefone e tendo que contar à minha mãe. Cruel demais. Pobre garota! Duvidei que a matriarca da minha família dissesse “eu avisei!” diante de tamanha dor, mas isso não mudaria o fato de que, nessa realidade paralela, ela teria razão de ter desco