A cozinha estava disponível e, como Lena e João não estariam em casa até o dia seguinte (eles tinham viajado logo após o expediente para se encontrar com um novo fornecedor), achei uma boa ideia. Eu estava com saudades dos meus sorvetes. Prepará-los era como uma terapia.– Estive pensando – disse Kevin enquanto eu batia os ingredientes no liquidificador.Então eu liguei o objeto e seu som cobriu o que ele disse.– O que foi?– Eu disse que estou a fim de fazer uma trip – repetiu agora mais alto.Eu não sabia o que era uma trip, por isso pedi que ele me explicasse.– É uma viagem rápida de carro.– Parece bom – respondi olhando para a consistência do creme que precisaria ficar no congelador por algumas horas até ficar no ponto.Não tocamos mais no assunto, e duas horas depois nos encontramos na cozinha para verificar se meu sorvete deu certo.Coloquei o conteúdo em dois potes, um para mim e um para Kevin, e despejei em cima dele um pouco da cobertura que eu havia encontrado na geladeir
Eu não sabia de onde havia tirado forças para sair de perto de Kevin, que me atraía como um imã. Eu era o metal.Minha vontade era pular em seu colo e só parar quando estivéssemos exaustos.Subi para o meu quarto e liguei o ventilador para refrescar meu corpo quente. Deixei minhas mãos fazerem o trabalho que eu desejava que fosse dele, e no outro dia Lena e João retornaram me trazendo a sensação de segurança. A presença deles era um impeditivo para que eu colocasse pra fora meus desejos mais primitivos.No final de semana seguinte eu também estava de folga, e pensei desde aquele momento em que destino dar a ele. Não passava pela minha cabeça convidar Kevin para nada, pois já tinha ficado claro para mim que era melhor que nos afastássemos um pouco, pelo menos até que meu corpo entendesse os limites e não quisesse atravessar a fronteira do México a nado. Kevin era os EUA, nessa metáfora.Tinha obrigação quase moral de aproveitar Beverly Hills, mas não só isso, a cidade de Los Angeles ta
– Pronta? – Kevin perguntouRespondi que sim, e ele colocou o pé no acelerador.Pronta era uma boa palavra para descrever o modo como eu me senti naquele momento. Havia chegado a Los Angeles um pouco (ou muito) assustada, acuada até, embora ironicamente cheia de coragem de vencer meus medos, mas agora, dentro daquele carro, me sentia uma leoa selvagem com a juba balançando ao vento. Lembrei que ele tinha me feito aquela mesma pergunta no estacionamento do aeroporto, e muita coisa havia mudado desde então.A rota tinha sido traçada por Kevin e por mim com a ajuda do mapa da Califórnia, na mesa ampla da sala de jantar. Nós usamos um canetão para isso, e havíamos rabiscado nossas próprias mãos. Fora difícil tirar a tinta da nossa pele. Mal sabia eu que havia coisas ainda mais difíceis de sair da epiderme. – Acredita que, em todos esses anos, eu nunca fiz isso? Não tínhamos tempo para ir muito longe, portanto San Francisco era uma boa opção. Íamos parando na estrada durante o percurso d
Bem, ao menos era um quarto com duas camas, uma ao lado da outra. Poderia ser pior, e ao invés delas, uma única cama de casal que me colocaria em uma situação ainda mais complicada e embaraçosa. Ah, a tentação. Se eu fosse mais descarada, diria que poderia ser “melhor”, ao invés de pior. Deitar ao lado de Kevin, compartilhar do mesmo lençol que ele... ainda bem que não precisava ser tão tentador.Estava bastante constrangida com a situação, e senti uma pontada de arrependimento de ter viajado. Mentira! Eu não senti. Era estranho, sim, tamanha intimidade, porém, estava longe de ser o bastante para que eu me arrependesse. Na verdade, eu percorreria novamente cada quilômetro de estrada.– Qual cama você quer? – ele perguntou.Dei de ombros, para mim tanto fazia uma quanto a outra.– Pode ser a da esquerda.Kevin colocou suas coisas em um canto, e eu coloquei as minhas em outro.Então Kevin se deitou na cama da direita e perguntou se eu gostaria de tomar banho antes dele.Assenti com a ca
Expirei todo o ar de meus pulmões enquanto a sensação de êxtase se dissipava, causando em mim uma outra quase aliviadora.– Minha alma saiu do corpo – eu teria exclamado se conseguisse dizer alguma coisa.Kevin beijou minhas coxas e me olhou nos olhos, depois subiu novamente, encarando meu rosto e me beijando agora com calma, mas não sem urgência.De onde eu estava, observei as estrelas que cravejavam o céu como cristais cravejavam um vestido de noiva.Lembrei-me de uma canção que ouvira no rádio de pilha da minha avó, ainda na infância. Droga! Não me lembrava, e ainda não me lembro o nome dela, mas seus acordes estavam em minha cabeça.Eu ainda estava desnorteada, tamanho o impacto da língua dele em mim.Então nós caímos juntos em uma risada. Eu não podia acreditar que aquilo tinha acabado de acontecer; havia me desfeito, sim, me desfeito, na língua de Kevin segundos atrás.E agora só o que restava de mim era uma sensação deliciosa de alívio misturada à minha respiração ainda ofegant
Ao chegar para mais um dia de expediente, não avistei Alejandro.Minhas energias estavam elevadas por causa da viagem, e eu estava feliz de voltar ao trabalho. Queria contar a ele sobre Monterey, mas é claro que omitiria os fatos mais indiscretos: incluindo a discussão familiar que eu presenciara ao voltar a Beverly Hills.Ele costumava chegar meia hora antes de mim, e também sair meia hora antes, e já estava bastante atrasado quando:– Estranho – disse Lena. – Alejandro não costuma se atrasar.Ela parecia a mesma chefe tranquila e simpática de sempre, embora eu soubesse que, por dentro, estava cheia de angústia pela decisão de Kevin.– Imprevistos acontecem – foi a resposta de João.Eu estava com pena dos meus chefes, que pareciam estar sentindo o controle da vida do filho se esvair pelas mãos.Ela esperou algum tempo para ligar para a casa dele, e Daniel, seu noivo, atendeu dizendo que ele já tinha saído para trabalhar há algum tempo.– Estou preocupada! – Lena exclamou.Eu não sabi
Naquela semana a lanchonete estava menos movimentada do que de costume, o que era bom, já que Lena estava tensa com a notícia de Kevin e principalmente com o que acontecera a Alejandro. Contar à equipe sobre sua partida tinha sido tarefa de João. Todos ficaram abismados com os acontecimentos sequenciais e um clima estranho se instalou ali.– O que esse garoto fez me desestabilizou – Lena comentou comigo.O som no salão estava mais alto do que de costume, e nós podíamos ouvir de onde estávamos, uma canção um tanto romântica que me fazia lembrar o cara mais sexy que eu já tinha visto:“Foi um sonho de verão,Numa praia,Quatro semanas de amorEm noites de luar,Sob a luz das estrelas,Eu e vocêO seu nome eu escreviNa areiaA onda do mar apagouEm cada pôr de solA saudade incendeiaMeu coração(...)[1]”Acabei prestando atenção demais na música e deixando Lena falando sozinha. É incrível como, quando estamos apaixonados, todas as músicas românticas parecem fazer sentido.– Martinha!–
Lena passou a mão pelos meus cabelos, e depois me encarou. Havia um sorriso enigmático em seus lábios tingidos de marrom.– O que foi? – perguntei.– Um corte novo combinaria muito com esse vestido que comprou.Nós ainda estávamos no shopping, e tínhamos parado para tomar um sorvete de casquinha no McDonald’s.– Você acha?Ela assentiu com a cabeça.– Cabelos mais curtos estão em alta. Eles têm mais movimento, mais elegância.Cogitei a possibilidade de ela estar me chamando de deselegante.– Está ruim como está?– Nada disso. Eu que sou entusiasta de tesouras.Já fazia algum tempo que eu desejava cortar minhas madeixas, mas não tinha coragem de ver meus fios negros sendo varridos por algum cabeleireiro.– Se você quiser, posso te levar a um salão que fica aqui mesmo no shopping.Pensei um pouco e, corajosamente, respondi que:– Tudo bem, eu topo!**Voltando para casa, encontrei Kevin na sala, jogando vídeo game. Os dias dele eram assim: jogos, academia, piscina, praia e passeios mist