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Capítulo 1 - Atividade bem-vinda

Três anos depois...

Aiyra

O ronco do motor da minha moto ressoa uma última vez antes de deixá-la morrer. Tiro o capacete, meus pesados cabelos, caindo em minha cintura. Deixo-a estacionada na parte de trás da cafeteria, olhando para sua cor prata, vibrante. Faz meses que troquei minha antiga moto por essa. Doeu trocá-la, foi o meu primeiro veículo, mas uma Harley sempre foi um sonho para mim.

Agora com as contas um pouco mais organizadas, me permiti a essa compra. Mesmo ganhando bem com a venda das minhas composições, as dívidas do meu pai estavam tão acumuladas, que nem trabalhando o dia inteiro na cafeteria e lucrando com as músicas, eu conseguia respirar aliviada.

Agora faltam poucas parcelas. Meu pai não conseguirá me ferrar de novo. Desde que mamãe faleceu, ele tem sido um completo irresponsável. Se afundou na bebida, nos jogos e nas dívidas. Os credores batiam tanto a nossa porta, que ficou difícil esconder da vizinhança.

Aos dezesseis anos, eu já trabalhava em dois empregos, mas nunca era o suficiente. Consegui terminar os estudos com muito custo. O pouco que frequentei da faculdade foi um luxo, mas ele conseguiu tirar isso de mim também.

Tranquei a faculdade e voltei para casa, pois meu pai se acidentou ao dirigir embriagado. O tempo passou e nunca mais consegui voltar a estudar. Trabalhava cada vez mais para arcar com a casa e com as contas que ele fazia. Meu basta foi a um ano atrás, me mudei e prometi o ajudar com as contas, mas a uma distância saudável. Não tinha como continuar com ele.

Respiro fundo tentando dispersar todas essas lembranças. Tudo está correndo bem. As dívidas estão diminuindo, minhas letras tocam cada vez mais nas playlists de streaming, tenho a Live e minha independência. Está tudo bem.

Ando até os fundos da cafeteria e vou em direção ao banheiro. Me troco pondo o uniforme na cor lavanda e prendo meus cabelos em um coque e na rede. Ao sair da cabine, dou de cara com Live.

— Ei, eu achei que hoje você estaria de folga. — Lhe digo, sorrindo.

— Pensei em uma nova receita de geleia para os acompanhamentos e vim testar. — Live me responde, os olhos presos no espelho grande, a nossa frente.

Observo como ela prende seus cachos castanhos claros em um rabo de cavalo. Sua pele negra, está realçada pela cor pálida, do vestidinho leve que veste. Live é minha amiga desde criança. É também, a gerente dessa cafeteria que trabalho. Sua mãe e ela tornaram essa cafeteria, um dos pontos mais cobiçados da cidade. Considerando tudo o que Live passou quando criança por seu problema cardíaco, acredito que elas são as mulheres que mais admiro.

Meu olhar desce para o decote de seu vestido, parando na cicatriz já esbranquiçada, do transplante que ela fez. O dia que Live conseguiu o coração, foi um dos melhores dias da minha vida. Éramos duas pirralhas, rindo e chorando simultaneamente. Ela ainda faz acompanhamento médico de tempos em tempos, mas segue saudável e forte, assim como sempre deveria ter sido.

— Estou bem, Dakota. — Live me assegura, o olhar gentil no meu.

— Sim, sei, é que hoje estou nostálgica. — Lhe respondo.

Meu celular vibra no bolso da calça do uniforme. O pego, vendo mais uma mensagem de Ethan. Um e-mail, com a proposta para a gravação.

— É o Ethan né… — Live me pergunta, o olhar astuto me avaliando.

— Sim é… — Suspiro, desanimada.

— Você não acha que é hora de acabar com isso? Já faz três anos Dakota. A empresa que ele preside é uma das maiores da América do Norte. Seria um contrato perfeito para você. — Live argumenta, os olhos escuros, me perfurando.

— Eu não preciso da caridade dele. — afirmo, com os dentes rangendo.

— Não é caridade, sua idiota! Seu nome… quer dizer, seu pseudônimo já é reconhecido entre os principais estúdios do país. Seria bom para os dois. — Ela retruca, perdendo a paciência.

— Você não entende… — murmuro, encolhendo os ombros.

— Entendo Dakota, entendo mais do que imagina. Eu estava contigo e ajudei a juntar os cacos, depois do que aquele imbecil do August fez, mas tenho que ser justa. Não foi o Ethan que te traiu.

— Pode não ter sido, mas ele também não me disse a verdade. — Digo, lembrando a ela e a mim mesma, o motivo de minha resistência.

— E esse foi seu único erro. Os anos de amizade, antes disso, deveriam contar um pouco, você não acha? — ela aconselha, acertando precisamente em minha consciência.

— Eu não vou assinar um contrato com a empresa dele e essa é minha decisão final. Não sei como me reaproximar dele, sem lembrar do August. Não consigo. — Asseguro, com o olhar firme no dela.

— Você é uma teimosa Dakota, mas eu te amo mesmo assim. — ela me responde, a gentileza voltando ao seu tom.

— Eu também te amo, sua chata. — Dou um breve beijo em sua testa e vou em direção a cozinha.

Começo a organizar todos os utensílios e depois sigo para o caixa. A manhã começa agitada. Os engravatados dos prédios vizinhos se empanturrando de café e pedindo mais cupcakes que consigo contar. Perto da hora do almoço, o movimento diminui um pouco e ajudo Jimy, a outra garçonete, com os pedidos.

Um homem bem-vestido, senta na banqueta do balcão e pede uma caixa de muffins. Registro no caixa apressada, mas paro ao observar o olhar que o homem me dá. A pele negra, com a barba por fazer, está bem cuidada. Os cachos escuros, caem sensuais pelas laterais do rosto. Os lábios cheios, se esticam em um sorriso cheio de intenções do canto do rosto.

Inclino minha cabeça, o admirando sem pudor. O corpo esguio parece firme, pelo pouco que vejo. Lindo. Entrego-lhe a nota do pedido com um rabiscado do meu número na parte traseira. 

Sei bem o que homens como ele querem e não me incomodo nem um pouco. Sexo, se tornou uma atividade bem-vinda. Sem o envolvimento emocional, tudo fica mais saudável.

Não vejo a sua reação ao perceber que dei seu número e nem me importo muito. Se ele quiser, ligará, se não… bem… aí também não faz diferença. Deixei de me apaixonar desde August e torço para continuar assim pelo resto da vida. Nunca mais quero me sentir despedaçada daquela forma.

O almoço passa rápido e sigo meu dia de trabalho, sem grandes acontecimentos. Perto da hora de fechar o caixa, recebo uma mensagem de número desconhecido.

“Você me deu seu número mais cedo. Me chamo Dylan e trabalho perto da cafeteria. Quer me encontrar para comer algo?”

Sorrio, lembrando dele. O respondo brevemente e o peço para me encontrar na porta da cafeteria.

Quando saio meio hora depois lá está ele, um sorriso encantador no rosto. Aproximo-me, sentindo o suave perfume que ele exala.

— Não é sempre que recebo um número assim. — ele comenta, a voz grossa, um pouco acanhada.

— Ah, não seja humilde, um cara com um rosto como o seu, deve ter números caindo até no mercado. — Gracejo, o olhando sugestivamente.

— Se metade, fossem como você… — ele relaxa ao meu lado — que tipo de comida prefere?

Indico-lhe um restaurante próximo que conheço e seguimos a pé pelo curto trajeto.

A conversa começa um pouco travada a princípio, mas gradualmente relaxamos com a presença um do outro.

— Me desculpa perguntar, mas é que não tô aguentando de curiosidade. Você tem descendência de nativo americanos? — Dylan indaga, os olhos escuros, prescrutando meu rosto.

— Não tem problema perguntar. Sim, minha mãe era de uma reserva na Dakota e esse é o meu apelido, aliás. Ficou uma mistura interessante, não acha? — Sorrio, lembrando dos traços exóticos que herdei de minha mãe.

Ele se aproxima, a língua se movendo pelo lábio inferior com displicência. Acompanho o movimento, a imaginação fluindo solta.

— Interessante, não chega nem perto do que pensei. — Ele responde, os olhos escuros nos meus lábios.

Aproximo-me, sentindo meu corpo aquecer. Nossos hálitos se misturam, o desejo me instigando a continuar. Seus lábios capturam os meus com hesitação. Retribuo-lhe com ferocidade e logo ele toma meus lábios com igual vontade.

Me perco na sensação de seus lábios, de sua língua invadindo minha boca. Sim… é só isso que preciso.

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