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Capítulo 3 – Eu preciso da sua ajuda

Aira

Isso foi bom. Perigosamente bom.

— Porra… isso foi surreal. — ele diz, a voz arrastada e um sorriso satisfeito nos lábios.

— Fico feliz em agradar, querido. — Respondo, sorrindo de volta.

Ele se move em minha direção, um olhar que eu conheço bem. Olhar de quem quer abraçar. Um sinal de alerta gigantesco soa em minha cabeça. Certo, essa é a hora de ir embora.

Levanto-me de supetão, deixando-o a meio caminho, confuso e um pouco constrangido.

— Tenho que ir. — Digo, enquanto procuro as minhas roupas.

As encontro perto da entrada e visto peça por peça.

— Nossa, mas já? Se quiser pode dormir aqui… — ele oferece, um pouco sem jeito.

— Não esquenta, com a moto, em menos de quinze minutos estou em casa. — Digo, enquanto passo a camisa pelo pescoço.

— Desculpe… fiz algo errado? — Dylan pergunta, os olhos escuros me analisando.

— Ah, meu querido, pelo contrário. — Aproximo-me, deixando um leve beijo em seus lábios. — Você foi perfeito. Só não tenho o costume de dormir fora de casa. Posso te ligar de novo?

— Claro, eu ficaria decepcionado se não o fizesse. — Ele me responde, o rosto sereno.

Reparada a possível ofensa a ele, me preparo para ir embora. Uma última promessa que ligaria, um longo e prazeroso beijo e me despeço.

Saio porta afora, satisfeita e pronta para dormir. É claro que não vou ligar de volta. O sexo foi bom e me satisfez, mas um segundo encontro seria pedir por complicações.

Subo em minha moto, ponho o capacete e saio dali, aproveitando o tráfego livre e o vento frio da noite. Não há nada como pilotar a noite. Se minha mãe fosse viva, aposto que ela aprovaria. Talvez até quisesse pilotar comigo. Ela sempre dizia que em nossas veias existe a necessidade de estar correndo, seja em um cavalo ou no meu caso, em uma moto.

A sensação de estar livre de qualquer amarra é indescritível.

Freio a moto devagar. Uma sensação fria e ruim tomando conta de mim, ao ver quem está parado em frente ao meu prédio. Meu pai. Sempre que ele aparece, minha vida vira um inferno.

Estaciono a moto, retiro meu capacete e desço dela. Caminho até ele, erguendo todas as minhas defesas emocionais. A iluminação parca da entrada, me faz perceber poucas coisas em seu rosto. Mas o sangue e olhos inchados são impossíveis de ignorar.

— O que foi dessa vez? Não se meteu com aquela gente perigosa de novo, né? — Pergunto.

Meu pai oscila a minha frente. Ele parece ter envelhecido mais de dez anos, desde a última vez que o vi. Uns dez centímetros mais baixo que eu, seu corpo magro tem um aspecto ainda mais frágil aos meus olhos. O cabelo escuro, está ficando grisalho nas laterais. Os anos de bebida sem fim e sabe lá mais o que, está cobrando o preço a sua pele. Seu queixo firme e olhos azuis-claros, a única característica que herdei dele, sempre foram seus pontos fortes e nem isso se destaca mais. Sinto um aperto em meu peito ao imaginar o que minha mãe pensaria se o visse hoje em dia. Ele parece um fantasma. Morto em vida.

— Ferrei com tudo filha. — Ele diz, a voz dolorida.

— Agiotas? — arrisco, o medo começando a me dominar.

— O cassino Farrey. Eu estava ganhando muito, arrisquei e acabei devendo mais que podia pagar. — Ele confessa, ofegante.

— Porra, pai! Os Farrey… a m*****a organização que domina o estado? — grito, a raiva me fazendo perder a razão.

— Estava tudo sob controle, mas foi tudo pelo ralo. — Ele admite.

— Claro que estava, contigo sempre está, não é mesmo? — Retruco, a voz carregada de mágoa.

— Eles me deram um mês… se não… — Ele solta, um soluço angustiado saindo de seus lábios.

Minha cabeça parece querer explodir de tanto sangue que circula. Porra! Tenho meus problemas com ele, mas deixar que o matem? Não sei se consigo lidar com isso.

— Quanto? — pergunto, calculando quanto tenho na conta.

— Cem mil. — ele responde.

Apoio-me na parede da entrada, as pernas, subitamente bambas. Como ele perdeu tanto dinheiro? Minha vontade é o sacudir e estapear até a raiva passar. Não tenho nem um terço disso, na minha magra conta bancária.

Nem adianta tentar recorrer a polícia. Além de ter metade do efetivo nas mãos, os Farrey poderiam fazer parecer um simples acidente. Ninguém ligaria para um alcoólatra e uma descendente nativo americana, gritando por ajuda. Estamos ferrados.

— Onde fica o chefe deles? — pergunto, a voz falsamente calma.

— Você não pode lidar com essa gente. Vão passar a te cobrar diretamente, por favor, filha… — ele suplica.

— Se você não queria que eu me envolvesse, não deveria ter vindo aqui. Foi por isso que veio, não é? Sabia que eu iria assumir as suas merdas, como faço a anos. — Despejo sob ele, cansada de servir de contenção de danos.

Meu pai não responde, o silêncio imperando entre nós dois.

— Onde? — volto a perguntar, a paciência por um fio.

— Boate Dragonfly. De esquina com o grande centro comercial da cidade. — Ele responde, derrotado.

 — Vá para casa e se cuide. Não apareça mais aqui. Essa é a última vez e o que fizer depois disso é por sua conta. — O advirto, cansada de tudo isso.

Abro a porta da casa e entro sem sequer o olhar mais uma vez. Fecho a porta, os olhos lacrimejando de frustração. Reprimo o choro e verifico a hora. São quase duas, mas acredito que estarão lá.  Passo pela sala pequena de tijolos vermelhos e tons quentes nos tapetes.

Entro em meu quarto, uma bagunça de partituras, livros e meu violão. Olho as fotos de minha mãe. Primeiro as que ela ainda estava saudável, a pele com a tez quase avermelhada de tão viva. O sorriso largo e luminoso, os olhos escuros e inteligentes. Os longos cabelos, sempre muito bem cuidados por ela.

Quando a quimio a fez perder os longos fios escuros, doeu tanto nela quanto em mim, pois só eu sabia o quanto significava para ela, para sua antiga tribo. Para minha mãe, foi quase o mesmo que perder uma parte de sua identidade. Foi dela que herdei todo o zelo e carinho por meus cabelos, me faz lembrar dela.

As fotos seguintes já a mostram mais frágil, mais magra, doente, mas ainda assim com um sorriso no rosto. O sorriso mais lindo que já vi.

— Não é justo, mamãe… — digo, me aproximando da foto que mais amo.

Nós duas estamos abraçadas, nossos rostos próximos e olhares embevecidos. Naquele dia estávamos na praia. Foi um dos nossos melhores últimos dias.

Um urro rouco e enraivecido sai de meus lábios. Libero toda frustração e mágoa, antes de caminhar até o meu banheiro. Deixo a água quente, lavar meu corpo e acalmar meu coração.

Saio do banheiro e escolho minha melhor roupa de guerra: shorts de couro preto colado as minhas curvas, top azul-marinho finíssimo, realçando meus seios fartos, a tatuagem da serpente, se esgueirando pela coxa e panturrilha. Ponho minhas botas de couro e me sinto quase pronta.

Escovo meus cabelos escuros em frente ao espelho. Eles caem lisos e grossos abaixo da minha cintura. Minha pele, tão viva e parecida com a de minha mãe, contrasta com a sombra escura, que passo em minhas pálpebras. Meus olhos azuis-claros, herança de meu pai, parecem ainda mais frios que o normal. Por fim, passo um batom vermelho vibrante em meus lábios. Olho-me no espelho, apreciando a mulher que vejo. Já me descreveram como exótica e diferente, mas amo tudo que herdei de minha mãe.

Retiro-me do quarto, pegando o sobretudo para me proteger do frio e saio do apartamento. Caminho decidida, até minha moto e a monto. Por dentro posso estar destruída, mas por fora, a única coisa que verão é uma mulher querendo causar problemas.

A música retumbante parece formar algo vivo pela pista de dança. Os corpos se movendo disformes uns dos outros, em outra noite, eu poderia até me esbaldar nessa energia, mas hoje, só o que quero é achar os Farrey e acabar logo com isso.

Nunca foi tão fácil entrar em uma boate. Uma roupa sensual e uma atitude confiante, foi tudo que precisei, ao falar que tinha uma reunião com Zener Farray, o atual chefe da organização e que gerencia todo o esquema de apostas.

O segurança me indicou a porta dupla fechada no segundo andar. Segundo ele, eu veria logo na entrada. Pois bem, eu realmente a vejo.

Passo por entre as pessoas, recebendo olhares promissores aqui e ali. Em outra noite, talvez.

Subo as escadas, preparando-me mentalmente, para o que tenho que fazer. Conseguir que ele desistisse da dívida seria um sonho lindo, mas irreal. Meu objetivo aqui hoje, é conseguir mais tempo. Tempo para juntar essa grana.

Paro em frente a porta, dois armários, vulgo seguranças, me revistam com um pouco mais de vontade que acho necessários, mas relevo. Um deles b**e duas vezes a porta antes de abri-la e me deixar passar.

A porta se fecha as minhas costas e adentro ao escritório, percebendo que o som abaixo, sumira por completo. Belo isolamento…

Um homem na casa dos cinquenta anos, alto e de ombros largos, me aguarda, em frente a uma mesa de mogno. Todo o escritório em si, parece ter saído de uma daquelas revistas de decoração caras.

Aproximo-me no meu tempo, um rebolado a mais nos quadris e paro a sua frente. O homem me fita com zero interesse e arqueia as sobrancelhas esperando.

— Zener Farrey? — indago, o queixo erguido.

— Quase sempre. Vamos, eu não tenho a noite toda. Diga a que veio. — Ele exige, o olhar entediado.

Reprimo a minha resposta indignada e sorrio com candura.

— Meu pai, Joshua Rivera, arranjou uma dívida das boas com seu cassino. Precisamos de mais tempo. — Lhe digo, a voz modulada e tranquila.

— E ele te mandou para negociar comigo? Desculpe docinho, mas se quer barganhar com a boceta, está no lugar errado. Não misturo as coisas. — Ele corta.

— Não querido. Em momento algum te ofereci isso. Digamos que eu me satisfaço com frequência e não uso a minha boceta para negociações. — Retruco, rangendo os dentes para não o mandar ir se foder.

Ele arqueia as sobrancelhas e um pequeno fleche de interesse se acende em seus olhos verdes. Ele em si não é de todo mal, a pele com algumas marcas de expressão não se mostra tão castigada, o nariz reto e lábios firmes, lhe dão um aspecto viril. O tipo coroa arrumado não faz o meu tipo, mas se ele não fosse tão babaca, talvez eu até abrisse uma exceção.

— Então querida, o que exatamente você quer? — ele exige.

— Precisamos de mais tempo. Eu consigo a grana, mas não assim tão rápido, meu pai é um alcoólatra desempregado, quer o dinheiro ou só mais um corpo pra sua lista? — jogo, sabendo que o farei repensar.

— Quanto tempo? — ele sonda, o indicador indo em direção ao queixo.

— Seis meses. — Arrisco, na esperança de que ele vá na minha.

O homem cai na risada. Um som farto e rouco.

— Você está louca. Nós não somos agência bancária, querida. — Ele me diz, vestígios da risada ainda em sua voz.

— Como vamos arrecadar tanto dinheiro em tão pouco tempo? Mal acabamos de pagar as últimas contas. — Argumento, um desespero inconveniente me dominando.

— Isso não é problema meu. Te dou dois meses. E é o máximo que adiarei. — Ele sentencia, os olhos vazios.

— É sua palavra final? — tento.

Ele só me encara com exasperação. Certo, é hora de ir para casa. Ele não cederá. Pelo menos consegui um mês a mais.

Viro-me, indo em direção a porta.

— E querida… — ele me chama.

Olho para trás e o encaro.

— A partir de agora, a dívida é sua. Não pague e eu acabo com seu pai, tente fugir e quebro suas pernas se sequer tentar. Estamos entendidos? — ele alerta, os olhos frios.

— Sim, estamos. — Repondo sem vacilar.

Fodeu.

Caminho até a porta, sentindo seu olhar queimando as minhas costas. Saio pela porta e desço as escadas sem sequer tropeçar nos saltos. Só quando estou a uma distância segura, deixo a tremedeira tomar minhas pernas. Respiro entre pequenos ofegos, controlando a ânsia de vômito. Dessa vez eu me ferrei de vez.

Dois meses ainda é pouco. Onde conseguirei tanto dinheiro? A proposta de Ethan passa por minha mente como um tapa em meu rosto. O contrato era para criar as composições de um álbum inteiro, um cantor famoso, não lembro o nome. A remuneração contratual era de quase duzentos mil, fora os direitos. Terei que ceder a isso mesmo? Sim, vou.

Meus dedos trêmulos pegam o celular, buscando o contato de Ethan, com desespero.

— Dakota? — a voz grave de Ethan, me faz levantar o olhar assustada.

E ali está ele. Cabelos escuros ondulados chegando aos ombros, cresceram muito… seu rosto forte e olhar ambarino, me encarando como se vissem um fantasma. Ao seu lado, uma ruiva exuberante desvia o olhar irritado entre mim e ele.

— Acho que o destino, é um filho da puta irônico às vezes… — murmuro, nervosa demais para fazer sentido.

Seus lábios grossos se fecham em uma linha fina, as sobrancelhas franzidas e expressão confusa. Ele ficou ainda mais lindo nesses anos.

— Eu não entendi. — Ele me responde, alto por conta da música.

Com os sentimentos confusos e doida para sair daquele lugar, direciono um olhar, pedindo desculpas a ruiva e pego Ethan pelo braço, o arrastando comigo, para a saída da boate.

Saímos porta afora, o ar gelado me banhando e as batidas constantes ficando para trás.

— Ethan… preciso da sua ajuda. — Sussurro, minha mão ainda em seu braço.

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