Capítulo 4 – É assim que me sinto

Ethan

As luzes dos prédios em volta, tornam-se pequenos pontos brilhantes na cidade. Alongo o pescoço, desviando o olhar da visão panorâmica a minha frente. Hoje foi um dia cansativo.

Sento-me na cadeira de couro e ignoro as diversas fichas na tela do meu notebook. Trinta e seis compositores e nenhum mostrou trabalhos bons o suficiente para o álbum. Vangory Turker, a nova queridinha do país, uma cantora de extremo talento, mas também extremamente exigente, foi bem clara em afirmar querer alguém que capitasse a sua essência.

Aiyra seria o ideal, se ela não fosse tão teimosa! Posso não ser sensível o suficiente para capitar a essência que Vangory tanto fala, mas tem um motivo para meu pai ter me posto na presidência de todos os estúdios nossos, do país.

Sei do que as pessoas precisam e manejo os problemas que surgem com rapidez. As diversas especializações que fiz também contam, claro.

Agora como posso fazer aquela mulher teimosa perceber que a proposta que fiz não é uma desculpa para me reaproximar? Bom… não é só isso. Ela realmente é a melhor compositora para o álbum e me aproximar dela seria um bônus… e uma tortura.

Sempre que estava próximo a ela, eu voltava a ser só um garoto bobo e completamente apaixonado, independente do quanto o sentimento me ferisse. Ela nunca percebeu. Eu não deixei que percebesse. Sempre fui ótimo em mascarar meus sentimentos e o fato de ela ter amado meu irmão August, desde a primeira vez que o viu, foi um baita incentivo para continuar escondendo o que sentia.

Eu odiava o fato dela olhar para ele com tanto carinho. Odiava saber que ela o tocava, da forma que eu queria ser tocado e me frustrava ver isso sempre tão de perto, testemunhar a relação dos dois. Havia um único motivo para eu nunca me afastar. Eu preferia a ter incompletamente, a deixar de ouvir sua voz, de sentir seu amparo quando algo dava errado, de seus pequenos toques, sempre inocentes no geral e que não tinham a menor intenção de me deixar incendiado quando não deveriam.

Olhando friamente, era muito deprimente e pouco saudável e talvez seja por isso que decidi por ser tão babaca na época. Aiyra nunca soube o quão envolvido eu estive, na traição estúpida de August. Eu só queria que Aiyra o visse como eu o via, mostrar que ele não merecia a devoção que ela tinha.

No fim, eu fui tão escroto quanto o próprio August e provei a mim mesmo que eu também não a merecia. Recebi a sua raiva e desprezo sem reclamar, mas com o passar do tempo, percebi que não sou tão virtuoso para deixar para lá.

Anos depois, eu ainda a quero. Não procuro em outras, o que sei que só encontraria com ela. Tenho os meus casos, mas não sou tolo o suficiente para pensar que poderia esquecê-la. É muito frustrante.

Uma mensagem vibra em meu celular. O pego, visualizando a mensagem de Karen, ela quer sair. Olho mais uma vez para o meu escritório um pouco escuro, o silêncio imperando. Penso no meu apartamento vazio, em como hoje estou disperso com as lembranças. Não é um bom momento para ficar só.

A boate que Karen quer ir tem uma reputação duvidosa, mas tem se tornado badalada depois que um influencer famoso postou a ida nas redes sociais. Se as pessoas certas o estiverem frequentando, talvez eu possa até achar alguns contatos interessantes. É mais convidativo do que ficar em casa me remoendo.

Respondo a Karen, confirmando. Fecho o notebook, apago a luz central e deixo o escritório.

Desço do prédio, entro em meu jipe e sigo pelas ruas engarrafadas da cidade com a mente absorta.

Eu deveria estar feliz, exultante. Os negócios tem ido cada vez melhor. Já consegui dominar boa parte dos contratos, com os artistas mais disputados. Meus pais estão de férias, curtindo a aposentadoria. Despachei August para o outro lado do país, para cuidar de uma filial pequena. Finalmente me livrei das suas birras mimadas e atitude irresponsável.

Amo meu irmão, afinal, sou programado geneticamente para amar o caçula da nossa família, mas nossa relação nunca foi a melhor. Mesmo antes de conhecermos a Dakota, nós já não concordávamos em nada. Ele sempre me acusou de ser neurótico, um robô e eu retrucava que ele era um cabeça de vento. Sempre nisso, dois extremos, nunca se unindo para nada.

Eu tinha 13 anos quando apresentei Aiyra a August. Na época eu já estava encantado por ela, mas era moleque demais para admitir. August, com seu jeito carismático de ser, fez os olhos de Aiyra brilharem como eu nunca havia visto. Foi a primeira vez, que experimentei o ciúme.

Um motorista atrás de mim, aperta a buzina com fervor e percebo que o sinal abriu. Contenho um palavrão e dispenso qualquer lembrança. Já me permiti muita nostalgia por hoje.

Alguns engarrafamentos depois, chego ao meu apartamento. Digito a senha para desbloquear a porta e entro, deixando as chaves e carteira na mesinha da entrada.

Passo pela ampla sala de tons cinza e azul, meu sofá cor creme parecendo convidativo. Peço a Vini, um apelido carinhoso que dei a minha assistente virtual, para tocar o hit da banda kiryn, enquanto tomo meu banho.

Ouço a voz cadenciosa do vocalista, encher meu banheiro. O ritmo vai ganhando emoção lentamente. O tipo certo de música que te faz pensar. A letra acompanha a melodia com perfeição. Cantarolo a letra, um único rosto preenchendo meus pensamentos:

“Caminhei sem te ver… e mesmo sem sua mão na minha, sempre esteve comigo.”

Essa foi a primeira letra que Aiyra vendeu e faz sucesso mesmo três anos depois. Eu queria tanto poder ter comemorado com ela, ainda mais sabendo que essa letra é baseada na relação dela com a mãe. Quando Yana faleceu Aiyra perdeu tudo, nunca vou me esquecer do quanto me senti impotente ao não poder consertar essa dor para ela. Foi uma fase muito difícil. Live e eu fomos os únicos a conseguir nos aproximar.

Outra música se inicia, essa mais animada e termino meu banho. Seco os cabelos no secador e brigo um pouco com os nós. Está na hora de cortá-los. Primeiro eu os deixei crescer por desleixo, mas depois, eu meio que me habituei a tê-los maiores.

Procuro uma roupa que me deixe confortável e acho uma calça de alfaiataria preta. Visto minha camiseta mais quente e ponho a minha jaqueta de couro preta por cima. Nada muito sofisticado, mas que dará conta, caso eu ache alguém muito esnobe.

Calço um tênis qualquer, que vejo pela frente e corro para a cozinha comer algo.

Faço três sanduíches de pasta de amendoim e penso na cara contrariada da minha mãe, se me visse comendo isso. Ela sempre diz que preciso me alimentar melhor.

Vini me avisa, que já é quase uma da manhã e saio porta afora, para buscar Karen.

Já estamos no vaivém da pista de dança a algum tempo. Eu até gosto de dançar e Karen sendo gostosa como é, não é nenhum sacrifício, mas começo a achar tudo um pouco cansativo. A boate tem uma estrutura legal, o movimento de gente poderosa parece aumentar conforme a hora avança, mas nenhum contato aqui me interessa.

Digo a Karen que estou com sede e ela me acompanha. Desvio de duas mulheres bêbadas e já ia para o bar quando meu olhar captura um belo par de pernas. Pernas essas, que conheço muito bem, já fantasiei diversas vezes em tê-las, envoltas em meu corpo. A serpente se esgueira pela panturrilha torneada de Aiyra, como se tivesse vida.

— Dakota? — chamo, não acreditando que a achei aqui.

Ela me olha, os olhos azuis conturbados, parecendo ser a única coisa que vejo nesse lugar. Ela murmura algo, mas não ouço pelo som alto da música.

— Eu não entendi. — Grito de volta, confuso.

Ela me olha por mais um tempo, penso que ela vai me ignorar e ir embora, afinal, ela nunca me respondeu uma sequer mensagem nesses anos, mas ela me surpreende ao pegar meu braço e me guiar por entre as pessoas até a saída da boate.

Do lado de fora, ela para com a respiração ofegante. Observo seus traços como um viciado em abstinência. Linda… o queixo impertinente, lábios cheios e pele calorosa. Os lindos cabelos, caindo como uma cascata negra por suas costas.

Quantas vezes eu já não me imaginei puxando esses mesmos fios, enquanto a fodia na parede? Meros desejos.

— Ethan… preciso da sua ajuda. — Ela sussurra, o olhar perdido.

Olho bem a maneira com que ela aperta meu braço, sem nem perceber, o queixo tremente. Ela não vai chorar, pois sei que ela odeia fazer isso em público, mas esse pequeno gesto, faz a raiva brotar em meu peito, com descontrole. Sei bem a pessoa que pode ter a deixado assim.

— O que seu pai fez, dessa vez? — pergunto, controlando-me para não grunhir.

— Aquele idiota… ele… — Ela para, as sobrancelhas se franzindo e olhar acompanhando a mão que ainda segura o meu braço.

Aiyra me solta, o olhar se tornando gelado. Acho que ela acaba de lembrar estar com raiva de mim. E lá vamos nós…

— Não é nada. Deixe para lá. — Ela volta a dizer, se afastando um passo.

— Dakota… qual é, sou eu. — Digo, a voz suave.

— Não me chame assim. — ela pede, o olhar duro.

— Certo… Aiyra, o que caralhos está acontecendo? — pergunto, perdendo a minha compostura.

Aiyra me encara, os olhos se arregalando de surpresa. Eu nunca fui de perder a paciência desse jeito com ela. Bom, eu mudei um pouco.

Seu silêncio se prolonga e a encaro, meu olhar teimando em descer para seu corpo. Ela está ainda mais deliciosa, do que me lembro.

— Porra, Aiyra! Você não pode deixar de ser tão teimosa? Sei que te magoei, mas levaremos as coisas assim, por quanto anos a mais? — Grito, a frustração se misturando ao desejo.

— Você não tem a menor ideia de como me sinto. — Ela retruca, olhar desafiador.

Paraliso ao observar seu perfil, uma nova percepção me acometendo.

E se ela soubesse? E se, muito antes de tudo virar essa bagunça, eu tivesse lhe dito o que sentia? Poderia ter sido diferente?

Tudo que escondo desde moleque, ameaça explodir fachada afora. Fecho os punhos me controlando. Eu não sou assim. Desde criança penso antes de agir, calculo os meios e os resultados. Eu não ajo por impulso. Observo o contorno de seus lábios e do quanto eu já quis beijá-la.

Foda-se!

Me aproximo ao ponto de nossos narizes se encostarem. Seus olhos buscam os meus, com confusão.

— E você Dakota… — rosno seu apelido, propositalmente — Nunca teve a mínima ideia de como eu me sentia. Nunca.

— Do que você está falando, Ethan? — ela pergunta, a voz surpresa.

— Disso. — Levo minha mão, a sua nuca e colo nossos lábios.

Dakota trava nos meus braços. Afasto os lábios, vendo seu olhar arregalado e confuso. Desejoso de lhe sentir de novo, roço meu lábio inferior no seu com demora, meu olhar nunca deixando o seu. O clima entre nós muda, seu olhar se demorando nos meus lábios e seus braços relaxando, em meu agarre. É toda permissão que preciso.

Minha boca encontra a sua, mas agora com a fome dela, que acumulei por anos a fio. Sinto seu corpo estremecer junto ao meu, quando ela me retribui. Nossas línguas se entrelaçam, o prazer me fazendo perder a noção de onde estamos. Pressiono nossos corpos, sentindo que qualquer distância entre nós é um grande absurdo. Meu pau lateja tanto na calça, que tenho certeza que ela o sente através do tecido.

Porra! Eu sempre achei que seria bom, mas isso? Vai muito além.

Minha mão puxa os cabelos de sua nuca, afastando seu rosto, para que eu possa a olhar.

— É assim que me sinto. — Lhe digo, a voz enrouquecida pelo tesão.

Dakota me encara, os olhos nublados pelo desejo, lábios inchados e rosto afogueado. Linda.

— Ethan, mas que merda é essa? — Ouço Karen, vociferar as minhas costas.

Toda a densa bolha de tesão que nos envolvemos, se dissolve. Dakota me afasta com brusquidão, o batom borrado e expressão perdida.

Nos encaramos, mas karen volta a reclamar de algo, que não ouço.

Dakota pisca e se vira, andando com os ombros rígidos e cabelos balançando pelas costas. Minha vontade é correr até ela e lhe mostrar o quanto mais escondi, mas sei que já forcei demais a barra. Se eu o tentar agora, aposto que levaria um belo chute nas bolas.

Levo a mão aos lábios, com Karen ainda resmungando as minhas costas, mas continuo a não ouvir, pois minha mente afoita só consegue pensar em uma coisa: ela retribuiu.

Porra, eu posso me ferrar muito, mas essa pequena vitória é o incentivo que sempre quis.

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