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Capítulo 4 - Relações e conflitos

Paulah

Aquela cena ainda queimava a minha mente. O jeito como Elisa se atirou sobre Benício, o sorriso presunçoso que ela lançou em direção à janela... Era como se eu fosse um detalhe insignificante na história que ela estava tentando escrever com ele. Eu sei que não devo me importar, mas é impossível ignorar o nó que se formou no meu estômago toda vez que eu penso naquilo.

Com o pé machucado, presa por completo entre essas quatro paredes. Tentei me distrair com um livro que estava em um dos móveis, mas as palavras não faziam sentido. Tudo o que eu via era a cena de Elisa e Benício, ouvi vozes do lado de fora e Sara estava brincando com o cachorro...

— Por que não sobe novamente aqui e conversamos um pouco? Benício nos atrapalhou mais cedo!

— Sim, eu irei daqui a pouco.

Ela demorou a cumprir sua palavra, estou mais entediada do que nunca. Uma batida leve na porta me trouxe de volta à realidade. Antes que eu pudesse responder, Sara entrou, segurando um livro de colorir.

— Posso entrar agora? — ela perguntou, os olhos brilhando de curiosidade.

— Claro, pode entrar — respondi, tentando sorrir.

Ela se sentou na beira da cama, abrindo o livro no colo.

— Quer pintar também? 

— Claro! Agora que temos mais tempo e seu tio não está, posso te fazer uma pergunta?

— Ele disse que devo ter cuidado sobre o que digo a você.

— Não confia em mim? — perguntei, olhando-a nos olhos.

— Pergunte.

— Benício teve uma esposa ou filhos antes de mim? Você é muito nova, talvez antes do seu nascimento... — Minha pergunta soou tão inútil.

— Papai disse uma vez que sim, mas eu não sei dizer... Você gosta dele?

— Não! Quero dizer, sim, claro.

— Ele gosta de você!

— O quê? Por que você acha isso? — tentei disfarçar, mas minha voz saiu mais alta do que eu esperava.

— Porque ele jogou por você na festa. E antes, ele brigou com um homem por sua causa. — Ela disse isso com a inocência de quem não entende o peso das palavras.

— Ele só estava tentando salvar minha vida, Sara. — Tentei minimizar, mas meu coração estava disparado.

— Se ele salvou sua vida, é porque gosta de você. — Ela deu de ombros, voltando a colorir como se tivesse acabado de dizer algo comum.

Antes que eu pudesse responder, ouvi passos no corredor. A empregada apareceu na porta, claramente surpresa ao ver Sara ali.

— Sara, não incomode a Paulah ou seu tio pode ficar irritado — ele disse, mas sua voz estava mais suave do que o habitual.

— Eu não estou incomodando! Ela me chamou — ela protestou.

— Eu só queria saber se você precisa de alguma coisa — disse, os olhos fixos em nós duas.

— Estou bem, obrigada. — respondi rapidamente e a mulher saiu.

Vigiada o tempo inteiro, é assim que me sinto nesse lugar!

— Acabei de fazer um desenho para você.

— É mesmo? — Sorri, tentando parecer animada, apesar da tempestade dentro de mim. — Deixa eu ver.

Ela me entregou o papel. Era um desenho dela, de Benício e de mim, todos de mãos dadas. Meu coração apertou...

— Gostou? — ela perguntou, balançando os pés enquanto se sentava de novo na beira da cama.

— Muito, querida. Você é uma artista de verdade.

Ela sorriu, muito satisfeita com o elogio, e começou a falar sobre como gostava de desenhar. Foi então que uma ideia surgiu. Sara era curiosa, doce e, acima de tudo, queria me ver bem com Benício. Talvez ela pudesse me ajudar mesmo sendo vigiadas.

— Sara, você lembra daquele livro grande que assinamos ontem na festa?

Ela inclinou a cabeça, pensativa. — Qual livro?

— Um que parece antigo, com os nomes das pessoas da cidade. Eu vi uma vez quando estava no quarto do seu tio.

— Ah, eu sei qual é! Tio Benício guarda muitas coisas lá — respondeu, com os olhos brilhando de empolgação.

— Será que você consegue pegar ele para mim? Só por um tempinho?

Ela pulou da cama num instante, animada. — Claro! Vou procurar agora!

— Mas, Sara, faz isso com cuidado, tá? Não quero que o seu tio fique bravo com você.

— Ele não vai nem perceber, sempre demora voltar quando vai para o trabalho — respondeu com um sorriso travesso, antes de sair correndo.

Enquanto esperava, tentei ajeitar meus pensamentos. Esse livro pode me dar pistas sobre Benício, sobre o passado que ele esconde. E, se eu fosse honesta comigo mesma, talvez fosse só uma desculpa para tentar entender por que ele mexia tanto comigo.

Alguns minutos depois, Sara voltou, segurando um livro pesado e com um sorriso de vitória.

— Aqui está!

— Ninguém te viu entrar? — perguntei.

— Não, as empregadas estão na cozinha.

— Você é incrível, sabia?

Ela riu e se sentou ao meu lado enquanto eu abria o livro. Meu coração batia acelerado. As páginas estavam cheias de nomes, datas e assinaturas. Era um registro da vida das pessoas da cidade, mas eu sabia que, em algum lugar ali, podia haver mais do que isso.

— Olha aqui! — Sara apontou para uma página. — O nome de vocês dois.

Lá estava. Paulah e Benício, assinados contra minha vontade na noite passada.

Estava escrito em italiano e outros idiomas do início ao fim, nada adiantaria ter aquilo tudo em mãos à disposição se eu não sabia interpretar, porra nenhuma!

Algumas horas frustrantes mais tarde...

— Leve-o de volta! Com o mesmo cuidado que usou para trazer.

Ela conseguiu devolver o livro, a submeti a um risco inútil. 

— Vamos agora Sara! Seu pai está esperando... — gritou uma das empregadas.

— Venha me ver depois e jure não dizer nada disso a ninguém.

— Eu prometo! — disse ela, me dando um beijo no rosto e entregando alguns desenhos que havia pintado antes de sair.

Me levantei com cuidado, consegui tomar um banho sem pedir ajuda a ninguém. Meu pé parece ainda muito inchado, mas foram alguns pontos e isso é natural!

Entre as roupas que eu tinha, em sua maioria vestidos. Escolhi o mais simples, um modelo rosa que marcava um pouco as curvas... Passei um perfume e penteei os cabelos, enquanto eu fazia isso e ajeitava meu colar, olhando aquele imenso espelho da penteadeira. Benício entrou no quarto e nossos reflexos se confrontaram ali mesmo, sem que eu precisasse me virar para ele.

— Quer ir lá embaixo ou ainda prefere ficar aqui?

— Quero sair desse quarto um pouco!

Ele se aproximou, apoiei o lado do pé ferido no corpo dele e descemos as escadas sem dizer uma só palavra. 

— Parece que o casamento vai bem... — disse o velho que me disputou na noite passada com Benício.

— Não me venha com ironias Tony!

Benício me colocou sentada no sofá e eu apenas fiquei observando a interação deles e aquele barbudo tarado não tirava os olhos de mim.

— O lote de heroína chegou a Istambul há duas horas. O dinheiro já deve estar na conta!

Ele olhou para mim, parecia constrangido com a informação que recebera na minha frente. Nada mais pode me surpreender sobre ele, já sei quem são e o que fazem para acumular tantas riquezas.

— Certo, diga que passarei os valores correspondentes a todos amanhã!

— Amanhã chefe? A lua de mel está lhe tomando tanto tempo assim? — ironizou o velho.

Benício avançou sobre ele, segurando-o pelo colarinho, e os ânimos se exaltaram. Ele não disse uma palavra, apenas largou o homem que saiu correndo da casa...

Ao me ver assustada com a cena, ele perguntou:

— Pediu algo especial para o jantar?

— Não...

— O jantar está servido! — disse a empregada, ele se aproximou para me ajudar e eu recusei.

— Ela pode me ajudar agora!

Ela não retrucou, apenas seguiu até a sala de jantar sem olhar para trás ou argumentar. O jantar foi servido com salmão ao molho, vinho e uma bela salada. Esperei a empregada servir e nos deixar novamente a sós...

— Você tem filhos?

Minha pergunta o fez parar de comer, engolindo com velocidade o que ainda estava em sua boca.

— Por que essa pergunta agora, Paulah?

— Porque ficou fora o dia inteiro e estamos em um momento conveniente!

— Conveniente para quem? — ironizou.

— Você sabe tudo sobre mim, é justo que eu comece a saber sobre você!

— Só me casei para salvar sua vida! Foi um ato de solidariedade...

— Mas se casou, mesmo por um motivo como esse.

— Se eu responder... Vai calar a boca? — perguntou ele, limpando a boca com o guardanapo e me olhando com ira.

— Talvez!

— Sim, eu tive um filho. Ele faleceu há uns anos.

— Como ele morreu? — perguntei com firmeza.

— Disse que se calaria! 

— É apenas uma curiosidade.

— Ele morreu há muitos anos, logo após o nascimento. Causas naturais...

— Sinto muito por tocar nesse assunto.

Ele ficou muito incomodado, sei que perdeu o apetite por causa disso e não quis sair da mesa para que eu não percebesse o quanto o afetou. Benício tem sentimentos, perdas que talvez ainda não tenha se dado a oportunidade de lamentar de verdade.

Se esconde em uma máscara de poder, enquanto o coração pode estar sofrendo... Um solitário...

O celular dele tocou, Benício apenas desligou a ligação e tomou uma última taça de vinho antes de se levantar apressado da mesa.

— Com licença! — disse ele, saindo em seguida com o aparelho na mão.

E se for Elisa? Um encontro com qualquer uma daquelas mulheres da festa, se não tem escrúpulos e vive do crime... Certamente deve ter várias putas à sua escolha pela cidade.

— Quer ajuda para voltar ao quarto senhora? — perguntou a empregada e eu assenti.

  — Sim!

Subimos novamente, passei pela frente do quarto dele e a luz estava acesa.

— Benício vai sair? — perguntei e logo me arrependi.

— Não sei dizer!

Entramos no quarto, escovei os dentes e olhei pela janela sem avistar nada além de crianças na rua e os cães latindo para um gato. A porta se abriu...

— Esqueci de te dar isso ontem. — disse Benício ao me entregar um colar de ouro.

— Não precisa... — respondi, colocando-o de volta em sua mão.

— Não quero que saibam que esse casamento não é real. Seria humilhante para nós dois...

— Ninguém saberá por mim!

— Então use isso e não discuta. — Ele me arrodeou e afivelou o colar em meu pescoço.

— Boa noite! 

Ele fechou a porta e saiu. Fiquei olhando o pingente daquela peça, deve significar algo como uma aliança de casamento... Já que nada em Culla del Crimine é como o mundo lá fora.

Antes de adormecer, permaneci sentada do lado da janela. Enganando a mim mesma sobre o real motivo de estar ali esperando, ele saiu no jardim e dessa vez estava apenas com os braços cruzados e olhando para fora.

Parecia preso a pensamentos assim como eu estou, gostaria de saber o que ele pensa. Me sinto tola, me deitou novamente na cama e verifico meu pé que parece melhor e quase sem dores.

Acordei e Benício estava ali, parado ao lado da cama, me olhando com um olhar que eu não conseguia entender. Ele parecia... diferente. Seus olhos estavam ainda mais frios.

— Levanta — ele disse, sua voz grave. — Temos algo a resolver.

Sem saber o que fazer, ele me levantou da cama e seguimos até seu escritório. A única luz vinha de uma lâmpada fraca no canto e ele se sentou atrás da mesa, os dedos batendo levemente sobre o tampo de madeira, como se estivesse esperando algo.

— Eu mudei de ideia — ele disse, finalmente quebrando o silêncio. — Sobre você, sobre o casamento. Não dá mais, Paulah.

Senti um nó na garganta, e as palavras pareciam faltar. O que ele estava dizendo? Não conseguia entender. Eu tentei falar, mas ele me interrompeu.

— Não consigo mais viver com essa mentira — ele continuou, a voz mais fria agora. — Não consigo fingir que tudo está bem quando não está. E, sinceramente, me cansei!

Ele se levantou de repente, e eu recuei por instinto. Benício se aproximou de mim com um passo firme, e então eu vi o revólver em sua mão. 

— Você vai me deixar com essa opção, Paulah — ele disse, apontando a arma para mim. 

Eu fiquei paralisada, sem saber o que fazer. A sensação de estar em perigo era tão real que parecia que o mundo ao meu redor estava desmoronando. O silêncio entre nós era a pior parte.

— Agora, a pergunta é: você vai me deixar fazer isso? — ele perguntou, a arma ainda apontada para mim, enquanto seus olhos buscavam algo,  uma resposta.

Até que acordei transpirando em minha cama, havia sido um pesadelo. Mas até quando isso seria apenas um sonho ruim?

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