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Capítulo 3 - Entre o Demônio e o Anjo

Paulah

A música da festa ainda tocava alta, as luzes dos carros refletindo nas poças de água espalhadas pelo asfalto. As risadas haviam sido substituídas por gritos e passos apressados. Eles estavam vindo. Todos eles!

Eu corri.

Os saltos altos que usava antes da confusão arremessei em algum lugar do caminho. Agora, meus pés descalços batiam no chão frio, eu queria poder gritar e pedir socorro. O vestido que antes era impecável agora estava rasgado, sujo de terra e suor.

— Ali! Ela foi por ali! — ouvi uma voz masculina gritar.

O som do metal das armas que carregavam me fez acelerar. Meu peito doía, e o ar parecia faltar, mas o medo era mais forte que o cansaço.

Virei a esquina e tropecei em uma lata de lixo caída. O barulho soou como uma explosão naquela noite silenciosa, e eu sabia que tinha acabado de entregar minha posição.

Luzes de lanternas varreram a rua e ouvi passos rápidos se aproximando. Não pensei, só corri para o beco mais próximo. Era estreito, apertado e o cheiro era insuportável, mas pelo menos me escondia temporariamente.

A floresta. Eu precisava chegar à floresta.

O som das vozes aumentava. Algumas estavam nervosas, outras riam como se fosse um jogo. Para eles, talvez fosse. Para mim, era vida ou morte.

Saí do beco e corri para a direção onde sabia que as árvores começavam. O céu estava escuro, mas eu podia ver o contorno das copas ao longe. 

De repente, o som de um tiro. Meu corpo inteiro congelou por um segundo antes de eu voltar a correr. Não olhei para trás. Não podia.

— Não a deixem escapar! — gritou uma mulher, era Elisa.

Mas quando finalmente vi a linha das árvores, algo dentro de mim se acendeu. Era minha única chance. Entrei na escuridão da floresta, sentindo galhos arranharem minha pele e folhas se prendendo ao meu cabelo solto. O barulho das vozes ficou mais distante, mas ainda podia ouvir os sapatos esmagando folhas secas. Eles ainda estavam me seguindo.

A escuridão era total, e eu tropecei várias vezes, mas continuei. O chão era irregular, cheio de raízes e pedras, mas aquela floresta era minha única proteção.

— Se Benício me encontrar, é o fim.

Minhas pernas tremiam, mas eu não podia parar. Não enquanto ainda houvesse uma chance, mesmo que pequena...

Foi então que aconteceu.

Meu pé afundou em algo duro e pontiagudo, e um grito escapou de mim antes que eu pudesse conter. A dor foi enorme, irradiando pela perna, como se algo estivesse rasgando minha carne. Olhei para baixo, ofegante, e vi o toco de madeira que havia atravessado toda a sola do meu pé e saía do outro lado.

— Não... não... — choraminguei, tentando entender o que estava acontecendo.

Tentei me mover, mas a dor era insuportável. Meu corpo inteiro começou a tremer, e lágrimas desciam pelo meu rosto enquanto eu lutava para me libertar. O toco estava preso, como se a própria floresta estivesse conspirando para me segurar ali e entregar-me a Benício.

Em um momento, senti que iria desmaiar de tanta dor enquanto o sangue escorria abundante. 

Agarrei minha perna com as duas mãos, comecei a puxar, ignorando os espinhos que arranhavam minha pele. A dor era tão intensa que senti náuseas, mas não podia desistir.

— Vamos, vamos, inferno... — sussurrei para mim mesma, mordendo o lábio para não gritar.

— Benício! A encontramos. — disse um dos homens que o seguiam.

As armas estavam apontadas em minha direção e ele veio logo em seguida, avistando a minha situação. O sangue ainda escorria pelo rosto dele após o golpe que lhe dei, agora eu sangrava o triplo...

— Vai! Atira de uma vez! — implorei e fechei os olhos.

Nenhum som, a dor permaneceu estranhamente igual. Até que senti o toque das mãos dele envolver minha cintura e repousar parte do meu peso.

— Puxem a perna dela — pediu Benício.

Não tive forças para gritar e quase desmaiei. Benício me sentou no chão e fez um torniquete com a própria gravata. O sangue cessou um pouco e, de repente, fui erguida no ar e jogada sobre seu ombro como se eu não pesasse nada. Minha cabeça balançava para baixo, e a visão que eu tinha era do chão da floresta, se afastando cada vez mais rápido enquanto ele caminhava com passos firmes.

Seguido pelos demais.

— Vai levá-la de volta? Enlouqueceu? — perguntou Elisa.

Benício não parou para respondê-la, quando chegamos na casa...

— Já chega de jogos por essa noite, voltem para casa! Mandem Elton para tratar dela!

O cheiro de suor e sangue misturava-se ao perfume dele, uma combinação que me dava náuseas. Cada passo que ele dava fazia meu corpo balançar, e o sangue do meu pé machucado escorria, pingando pela casa inteira até a empregada se aproximar.

Com cuidado surpreendente para alguém tão brutal, Benício me colocou na cama. Minha perna latejava de dor e eu não consegui segurar o gemido que escapou dos meus lábios.

— Fica quieta. — Sua voz era firme, mas não tão dura quanto antes. Ele ajeitou meu corpo na cama, afastando o tecido rasgado do meu vestido para examinar o ferimento no meu pé.

Eu tentei me mover, mas ele segurou meu tornozelo com firmeza. — Não se mexe. Vai piorar!

Antes que eu pudesse dizer algo, a porta se abriu de repente, e um homem entrou apressado. Ele carregava uma maleta preta, que reconheci imediatamente como sendo de médico.

— Está aqui. — Benício disse, sem nem olhar para mim. — Cuide disso rápido.

O homem, com cabelos grisalhos e óculos, colocou a maleta sobre a mesa ao lado da cama. Ele abriu com um clique, revelando uma fileira de instrumentos médicos.

— Ela perdeu muito sangue? — perguntou o homem, enquanto colocava luvas de látex.

— Não sei. Só faça o que tem que fazer. — Benício cruzou os braços e ficou de pé ao lado, observando cada movimento.

O médico se aproximou e olhou para mim com uma expressão neutra, quase profissional demais para a situação. 

— Isso vai doer um pouco. — Ele avisou antes de começar a limpar o ferimento.

A dor foi como fogo atravessando meu pé, e eu me contorci, mas Benício colocou a mão firme no meu ombro, me mantendo no lugar. 

— Eu disse para ficar quieta. — disse Benício.

Após a limpeza, anestesia e uns pontos...

— Mantenha o ferimento limpo, não apoie esse pé por alguns dias e ficará bem. Receitei um remédio para dor e outro para evitar qualquer infecção! — disse o médico, entregando a receita médica para Benício. — Agora, deixe-me verificar sua cabeça.

— Estou bem, doutor, é preciso muito mais do que isso para me deter!

A resposta era para mim, além de tamanha frieza... Ele entendeu a situação como um desafio às ordens dele.

Os dois saíram um momento, a empregada entrou.

— Ele atirou em você? — perguntou ela.

— Ainda não! — respondi prontamente.

— Não sei por quê, mas gosto de você. Não lute contra a situação.

— Eu só quero ir para casa...

— Benício salvou sua vida, duas vezes! — disse ela, antes que argumentasse mais sobre isso...

— Mande comprar os remédios dessa receita assim que amanhecer. — disse ele, entregando o papel a ela e a mulher saiu.

Eu evitava olhar para ele, Benício parecia fazer o mesmo.

— Olhe para mim! Se tentar novamente, eu juro... 

— Me diz Benício, por que tudo isso?

— Estamos casados agora. Você pertence a esse lugar, protegemos a nossa forma de levar a vida há anos!  Isso aqui não é uma cidade comum. Cada pessoa lá fora, cada rosto que você viu na festa, faz parte de algo maior.

— Que forma de vida? Eu não sei de nada... Juro por Deus!

— Somos uma cidade inteira de mafiosos. Homens, mulheres, famílias inteiras, todos unidos por um pacto que foi firmado há muitas décadas. Ninguém entra aqui sem ser notado. E ninguém sai daqui contando histórias!

Eu engoli em seco, sentindo o sangue esfriar nas veias, mas ele continuou, sem dar espaço para interrupções.

— Nosso segredo é o que nos mantém vivos. O que nos mantém no poder. Se o mundo lá fora descobrir que existimos, tudo o que construímos desmorona. Sou o líder, capo... — Ele apontou para si, o olhar queimando em mim. — Não vou deixar isso acontecer.

— Então...

— Sob o nosso regimento, se algum invasor entra em nossas dependências... Ele deve morrer! Mas encontrei uma forma de controlá-la, tornando-a uma de nós a partir de um casamento!

Agora entendi o que a empregada havia dito, se Benício ou qualquer um daqueles homens competissem por mim nas cartas... Eu já estaria morta!

— Então Paulah, você tem duas escolhas. Ou aprende a viver com isso..., ou desaparece como todos os outros que tentaram nos expor.

— Eu...

— Você não tem um passado lá fora.

— Como sabe disso? Mentira! — gritei.

— Tem apenas uma irmã chamada Lúcia, com quem não fala há oito anos. Um último namoro que acabou há um tempo... Amizades não muito sólidas e uma carreira mediana.

— Vasculhou minha vida! Estúpido...

— Já chega, descanse! — disse ele tranquilamente, deixando o quarto em seguida.

Eu não consegui dizer mais nada, as lágrimas me deixavam uma atrás da outra. Benício certamente me odiava e eu só pensava que nunca mais poderia sair dali. Ele estava certo, minha vida lá fora era um fracasso total e ele sabia...

O anestésico me deu sono, apesar de tudo que a minha mente precisava processar, adormeci.

— Bom dia! — ouço uma voz infantil me despertar. Era a menina que eu havia visto ontem na rua e na festa.

— Bom dia...

— Seu pé continua doendo? — perguntou ela, sentando-se ao lado da cama.

— Não muito. O médico cuidou dele ontem. Qual é seu nome?

— Sara, o seu é Paulah.

— Sim. Seus pais... Vivem aqui?

— Eu nasci aqui, Benício é meu tio. Mas... por que você estava tentando ir embora?

— Esqueça Sara, apenas esqueça.

Benício entrou no quarto de repente, ele nunca b**e na porta.

— Trarão os remédios em algumas horas. Vejo que já se conheceram...

— Eu gostei dela, tio!

— Fico feliz por isso. Agora nos deixe um momento a sós, Sara.

— Sim senhor. — respondeu ela, dando um beijo no rosto dele e saindo em seguida.

— Todos nós temos algo valioso a perder, certo?

— Acha que eu machucaria uma criança, senhor Mendelerr? Os bandidos aqui são vocês! — Ele engoliu seco.  — Como está a cabeça?

— Melhor do que seu pé!

— Então sobreviveremos...

Chamaram Benício do lado de fora do quarto. Ele hesitou por um instante, me lançando um último olhar antes de sair. Assim que a porta se fechou, soltei um suspiro que eu nem percebi que estava segurando.

Eu não sei como decifrar esse homem. Às vezes, ele parece o próprio demônio, com aquele olhar frio, como se pudesse esmagar qualquer um com um simples comando. Sua presença me sufoca, me faz sentir pequena, impotente.

Então... há momentos como agora. Momentos em que ele age com cuidado, como quando me colocou na cama ou mandou o médico cuidar de mim. Por mais que eu quisesse odiá-lo completamente, algo nele me confundia.

Essa dualidade me deixa louca. Não sei se devo temê-lo mais do que já temo ou se, de alguma forma insana, posso confiar nele.

Tento sair da cama mesmo sabendo que não devo, caminho apoiada apenas no pé bom, olho pela janela e o vejo conversar com Elisa. Senti uma onda atravessar minha garganta...

— Essa mulher quer me ver morta. Vai acabar o convencendo a isso!

De repente, ela o beija e eu cubro meus lábios com a mão direita... Como se quisesse cobrir o dele e protegê-lo dela. Benício vira-se na direção da janela e eu me esquivo rapidamente para que não me veja, nesse movimento acabo esquecendo o pé ferido.

— Merda! Espero que não tenham me visto.

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