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Capítulo 5 - Diálogo interno

Benício Mendelerr

Uma sexta-feira para mudar todo o rumo da minha vida, viúvo há seis anos e mergulhado integralmente nos assuntos de Culla del Crimine. Até essa mulher aparecer e encher nossas mentes com dúvidas e receios, eu não podia permitir que ela saísse daqui levando nossos segredos e tudo o que lutamos para esconder do mundo.

Seu olhar é um enigma, hora acredito em sua fala e outras vezes sinto que sua beleza e doçura são uma armadilha mesmo para um coração sombrio. Desperto após o primeiro dia de casados, Tony saiu daqui, deixando-me ainda mais irritado com suas insinuações sobre a inexistente vida íntima desse matrimônio. Passo na frente do quarto dele, tenho a chave e posso entrar e sair quando quiser...

Ela ainda está acuada, mas se tentar fugir novamente, não terei a mesma misericórdia de antes. Elisa está furiosa. Não preciso que ela diga nada; o jeito como entra no escritório, batendo os saltos no chão e cruzando os braços, já diz tudo. 

Mas, quando Paulah chegou, eu sabia que seria assim. Elisa nunca aceitou dividir nada, muito menos a atenção que acha que é só dela.

Paulah já está na sala de estar e certamente pediu ajuda à empregada, sentada no sofá, tentando parecer menor do que é. Ela evita me olhar diretamente, mas eu percebo o medo nos olhos dela. Não posso culpá-la. Foi arrancada da vida que conhecia e jogada no meu mundo, um lugar que não tem espaço para suavidade ou consolo.

— Bom dia! — digo a ela, que responde quase inaudível.

— Elisa o espera no escritório. — diz a empregada.

Ao mesmo tempo, a presença dela me inquieta. Paulah me faz lembrar de coisas que eu não quero lembrar. Família. Lar. Palavras que há muito tempo deixaram de ter significado para mim. E agora, só o fato de ela estar aqui traz de volta fantasmas que eu preferia deixar enterrados.

— Então é isso? — Elisa dispara, sua voz cortando o silêncio como uma lâmina. Ela me encara, os olhos cheios de ódio. — Você trouxe ela para cá, se casou e já nem me olha na cara como antes!

Respiro fundo. Já esperava por isso.

— Elisa, não começa! Ainda não esqueci o que aprontou antes, você sabe que eu não perdoo quem me faz perder dinheiro.

— Não começa? — Ela dá um passo à frente, a voz carregada de ironia. — Você acha que eu vou ficar calada enquanto essa mulher entra na sua casa e ocupa um espaço que deveria ser meu? Tantos anos pedindo para você me assumir...

— Nunca te prometi nada. Sou e sempre serei livre!

— Livre? 

Eu encaro Elisa, tentando manter a calma. Sempre soube que ela era possessiva, mas agora está indo longe demais.

— Paulah está aqui porque eu não tinha escolha. Se não fosse por mim, ela estaria morta.

— E o que eu tenho a ver com isso? Foda-se ela! Tony e Eloi queriam se casar com ela e disputaram nas cartas, bastava jogar o problema nas mãos deles! — Elisa retruca, a voz cheia de amargura. — Desde quando você se importa em salvar alguém?

Ela está tentando me provocar, mas não vou morder a isca. Olho para ela, mas não digo nada ainda... A espero sair do controle.

— Deixa ela ir embora daqui. Essa idiota está com medo, ela não dirá nada!

— Ninguém sai daqui, você conhece as regras Elisa. Pare de cobrar, nunca fomos um casal e quero que me deixe em paz! Não volte a essa casa, exceto se eu mandar buscá-la, já não confio em você sequer para uma missão simples!

— Você se apaixonou por ela? — perguntou incrédula.

— Claro que não!

Me viro de costas, Elisa continua a perder o amor-próprio e me fazer odiar ainda mais essa conversa.

— Pode me chutar da sua vida como tem feito há tanto tempo, isso eu posso superar... Mas te ver encantado com essa desgraçada...

— Saia da minha casa! — exigi com firmeza.

— Ela nunca te dará prazer como eu, porque não te quer... Sabe onde me encontrar...

Encosto na mesa, tentando acalmar o ódio dentro de mim. As palavras dela ficam voltando na minha cabeça, mesmo que eu queira ignorá-las. "Ela não te quer."

Claro que não quer. E por que eu deveria querer algo com ela? Paulah é só um peso que aceitei carregar e um problema que salvei de algo pior.

Mas, ao mesmo tempo, não consigo ignorar a sensação que ela provoca em mim. O jeito como ela evita me olhar diretamente, como se estivesse sempre pronta para fugir. É misterioso, desconcertante. Assustado, mas... meigo.

Isso me irrita ainda mais.

Eu não a quero. Não posso querer. Essa situação já é complicada o suficiente sem eu deixar que esses pensamentos me desviem... Sou o líder desse lugar e estou me sentindo um fraco por quase tê-la deixado fugir no dia do casamento.

Mas é como se a presença dela puxasse algo em mim que eu não sabia que ainda existia. Um desejo de proteger, de entender o que está por trás daquele olhar.

Balanço a cabeça, negando sozinho nessa sala, tentando afastar esses pensamentos. Não posso me dar ao luxo de ser humano. Não agora. Não com Elisa ficará observando cada movimento meu, esperando que eu cometa o erro...

— Me apaixonar por essa mulher!

Desço as escadas ainda com o ódio ainda pulsando na cabeça. Paulah está sentada no sofá, conversando com Sara e a televisão imensa ligada em um programa aleatório. As duas riem baixinho, como se dividissem algum segredo e isso me incomoda mais do que deveria.

Elas estão próximas demais. Paulah, com aquele jeito doce, parece ter conquistado Sara de um jeito que ninguém mais conseguiu. Não que eu ache que minha sobrinha seria capaz de conspirar contra a própria família, mas Paulah é sedutora... Até demais!

— Bom dia, Sara. Seu pai está em casa?— Forço um tom neutro, parando ao lado delas.

Sara se levanta de um salto, sempre animada. — Bom dia, tio Benício! Sim, ele está.

Cumprimento a pequena com um aperto de mão firme, ignorando o olhar curioso de Paulah e não digo nada a ela, não quero dizer. Apenas viro e saio, deixando-as, sem olhar para trás.

Saio de casa e respiro fundo, tentando deixar a tensão para trás e entro no carro. O caminho até a sede é curto, mas minha mente já está a mil. 

Assim que entro na sede, sou recebido pelo caos habitual. Pilhas de documentos, telefones tocando, vozes se sobrepondo. Kevin me encontra antes mesmo de eu alcançar minha mesa.

— Senhor Benício, temos um problema com o lote de armas para o Brasil. Foi extraviado no transporte.

— Como isso aconteceu? — pergunto, passando a mão pelo rosto.

— Parece que houve um erro na logística. Estamos rastreando, mas...

— Resolva isso, Kevin. Quero uma solução antes do fim do dia! Minha cabeça está atribulada demais para lidar com mais prejuízo.

Ele assente e sai rapidamente. Mal tenho tempo de me sentar antes que o telefone toque. Atendo, e a voz do outro lado é direta.

— Senhor Benício, um dos nossos maiores fornecedores de armamento, estará em Culla del Crimine na próxima semana. Ele quer discutir novos acordos, trata-se de Elton Mariaga.

— Ele vem até aqui? — pergunto, surpreso. Ele é o mais importante de todos os contatos e se conseguirmos firmar um acordo com ele, teremos um lucro inestimável.

— Sim, e espera uma recepção à altura. O senhor sabe como ele é...

Claro que espera. Esses homens sempre esperam. Uma festa, luxo, algo que mostre que estamos no controle. Desligo o telefone e chamo Kevin de volta.

— Preciso que delegue a organização de uma recepção para Elisa. — Minha voz sai firme, sem espaço para discussão. — Mande-a preparar um lote de garotas, as melhores que temos!

Elton Mariaga é um conquistador, amante de mulheres belas. Nada como oferecer as melhores vadias que temos no bordel da cidade e isso ajudará a formar o acordo.

— Elisa? — Kevin parece hesitar. — Tem certeza?

— Absoluta. Não quero lidar com isso pessoalmente. — Respondo seco. — Diga a ela que quero algo grandioso, mas não entre em detalhes.

Kevin assente, mas não parece muito confortável. Eu não me importo. Não quero outra conversa desnecessária com Elisa. Não hoje! E apesar do prejuízo que ela me dera há uns dias, é a melhor para organizar esses eventos.

Finalmente sozinho, por impulso, abro o laptop. Não sei exatamente o que estou procurando, mas minhas mãos já digitam o nome dela. O perfil aparece imediatamente. Não costumo perder tempo com redes sociais, mas algo em mim quer saber mais sobre ela, além do que vejo todos os dias e do dossiê que mandei fazerem sobre ela no dia em que chegou.

Muitas fotos de viagens e do trabalho dela como fotógrafa. Em quase todas, Paulah sorri. Não aquele sorriso contido e desconfiado que ela exibe aqui quando está com Sara, mas um sorriso genuíno, de alguém que parecia estar em paz com o mundo.

Paro em uma foto dela em um parque, o cabelo solto, um decote delicioso. Em outra, ela segura um café e ri para a câmera, como se a vida fosse simples e fácil...

Me recosto na cadeira, os olhos fixos na tela. "Será que ela era realmente feliz lá fora?" A pergunta me incomoda mais do que deveria. Em Culla del Crimine, cercada por tudo isso, será que ela conseguiria sorrir assim de novo? Será que ela conseguiria sorrir... comigo?

Fecho o laptop com força, irritado comigo mesmo. Que tipo de pensamento é esse? Eu não deveria me importar com a felicidade dela. 

Mas, quanto mais tento afastar essas ideias, mais elas voltam. O jeito como ela olha para mim, como se estivesse sempre à beira de fugir... É excitante!

Levanto da cadeira e caminho até a janela. A vista da sede é imponente, mas não me dá a paz que deveria. 

Preciso voltar ao trabalho. Não posso me dar ao luxo de me perder em pensamentos sobre essa mulher. Mas, mesmo enquanto pego o telefone para resolver mais um problema, o sorriso dela ainda está lá, como uma sombra que se recusa a ir embora.

Ouço passos firmes no corredor e não preciso levantar o olhar para saber quem é. A porta se abre sem cerimônia, e Lui entra, com aquele ar de quem sempre tem algo a dizer e fecho com velocidade a tela do computador a minha frente.

— Esperava te encontrar em casa, irmão. — Ele começa, cruzando os braços enquanto me encara. — Achei que, em lua de mel, você não sairia assim para vir trabalhar.

Solto um suspiro e me recosto na cadeira, tentando controlar a irritação que já está à flor da pele.

— Lua de mel, Lui? — Minha voz sai seca, quase sarcástica. — Não se iluda. Nada mudou.

Ele dá uma risada curta, sem humor, e se aproxima da mesa. — Nada mudou, mas você saiu de casa irritado. Algo me diz que essa "lua de mel" já está te desgastando.

— Não tenho tempo para isso. — Respondo, abrindo uma pasta com documentos que preciso revisar. — Tenho encomendas para despachar, problemas para resolver. Não é exatamente o cenário ideal para romantismo, caso você não tenha notado!

— Ah, eu notei. — Lui puxa uma cadeira e se senta, como se tivesse todo o tempo do mundo. — Eu ainda não entendi nada sobre esse seu casamento repentino, a mulher é linda... Mas Elisa também tem seu charme, no entanto nunca conseguiu te levar ao altar.

Fecho a pasta e olho para ele. — Eu só quis ajudá-la, imagine-a casada com Tony ou com qualquer um dos idiotas daquela mesa de jogo.

— Ou seja, você gostou mesmo dela — Lui pergunta, arqueando uma sobrancelha.

— Eu não disse isso!

— Mas eu sei, ela te deixa louco e nunca se casaria se isso não fosse verdade. Mas me conta, já conseguiu transar com ela?

— Todos querem saber o mesmo! Sua audácia está indo longe demais Lui.

— Sou seu irmão, ninguém pode nos ouvir... Mesmo que seja só por prazer, sei que não conseguiria estar com ela sem ao menos experimentar.

— Não chegarei sequer perto dela!

— O que foi, não gosta mais de mulher? — ele sorri.

— Claro que sim, seu merda! Mas com ela é diferente...

— Essa mulher tem mel. Você está de quatro patas por ela!

— Cala a boca, vamos falar de negócios. Elton Mariaga chegará aqui em breve e teremos que dar uma festa para recepcionar! Já mandei Kevin delegar isso para Elisa. Não vou lidar com mais nada além do essencial.

Lui me observa por alguns segundos, como se tentasse ler algo que não digo. Finalmente, ele se levanta.

— Você sabe que, cedo ou tarde, vai ter que lidar com tudo, certo? Não dá para delegar tudo para sempre... Mas está certo, vamos dar uma festa para o milionário.

Ele dá de ombros e se dirige à porta, mas para antes de sair. — Ah, e sobre seu amor por Paulah... espero que você saiba o que está fazendo.

Não respondo, mostro o dedo do meio e ele sai.

Me recosto na cadeira novamente, mas, em vez de voltar ao trabalho, meus olhos acabam no laptop fechado. A imagem do sorriso de Paulah ainda está lá, na minha mente...

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