Dois anos atrás
Richard Stafford, conde de Burlington voltava de uma excelente viagem de negócios, junto com uma comitiva de criados, que transportavam em algumas carruagens diversos objetos de valor e algumas obras de arte para a coleção da condessa. O caminho em que estavam era considerado como uma estrada tranquila, cercado por uma vegetação verde e extensa. O senhor Gaspar, empregado do conde há muitos anos, ia na retaguarda, quando notou um movimento estranho na mata, um pouco a frente do grupo. Infelizmente, o mesmo sequer teve tempo de alertar ou reagir, quando todos foram repentinamente surpreendidos por saqueadores da estrada.
Os homens do conde, tentaram se defender, e lutaram como podiam, mas, estavam em desvantagem de número de homens e de armas, além de terem sido pegos de surpresa. A vida de seus homens e a sua própria, valiam muito mais do que aqueles tesouros, pensando nisso, Richard ordenou que recuassem e soltassem os cavalos das carruagens para fugir.
Apesar de largarem tudo para trás, ainda foram perseguidos durante algum tempo, e um dos empregados parecia bastante ferido. O conde conhecia bem aquela estrada, ela não era conhecida por ser perigosa, pelo contrário, aquelas estradas sempre foram muito bem patrulhadas, algo não estava correto ali.
- o jones não irá aguentar viajar assim, além disso, nós também ficamos sem mantimentos para prosseguir. Estamos muito próximos ao ducado de Rothesay, vamos pedir ajuda lá. - disse o conde, sem diminuir a velocidade do seu puro sangue.
- mas, o duque de Rothesay não é o duque vampiro?- questionou um dos criados, que levava o homem ferido consigo em outro cavalo. - pelo menos é isso o que dizem por aí.
- Ora, Gaspar, vampiros não existem! Além disso, eu já estive com o duque a muitos anos atrás, e pra falar a verdade, ele era um rapazote, magricela, bem comum. O pai dele era um crápula, espero que ele não tenha se tornado o mesmo e que possa nos ajudar.
Sem mais conversas, os homens cavalgaram o mais rápido que conseguiram e quase uma hora depois estavam na imponente propriedade do duque.
O conde se apresentou imediatamente ao mordomo que veio atendê-los, e explicou a situação na qual estavam metidos. Logo, o duque apareceu para recebê-los. o garoto magricela havia se tornado um homem maior do que a maioria e era apenas alguns anos mais novo do que o próprio Richard.
Apesar de ser um homem misterioso e de poucas palavras, Arthur os recebeu bem em sua casa, providenciou um médico para cuidar do homem ferido, boas instalações e refeições para os demais criados e um dos melhores quartos de hóspedes para o conde. Também fez partir de Rothesay, quase que imediatamente após a chegada da comitiva, uma enorme equipe de homens bem armados e rastreadores, que caçariam o bando de foras da lei, que há alguns dias perturbavam as tranquilas estradas dos arredores e que ainda não tinham sido pegos, mas agora, fugindo com uma carga bem maior e com apenas algumas horas de vantagem, deveriam ser finalmente capturados.
Naquela mesma noite, o conde foi convidado para juntar-se a Arthur no jantar, o duque podia não ser um vampiro, ou um louco anti social, como diziam por aí, mas Richard reconhecia que ele era no mínimo estranho, falava muito pouco de si, e nunca frequentou a sociedade, mesmo antes de se tornar um duque no lugar do seu pai. Ele estava apreensivo por este jantar.
Quando entrou na imensa sala de jantar do duque, este já o aguardava, tomando um copo de alguma bebida e olhando através de uma das janelas, quando o viu chegar, Arthur se aproximou e apontou para uma das cadeiras na mesa de jantar que já estava posta.
- perdão, sua graça, devo ter me atrasado.
- na verdade, não. Eu é que cheguei aqui mais cedo. Aceita uma bebida?
- gostaria sim, obrigado.
- temos uma boa notícia. Os meus homens retornaram e a caçada teve êxito. Os bandidos foram capturados e os seus bens já estão sendo trazidos para cá.- apesar da notícia ser a melhor que o conde poderia receber no momento, a expressão de Arthur ainda era imparcial.
- isso é maravilhoso, sua graça. Estamos em dívida, eu estou muito grato pela ajuda que me deu hoje.
- eu não poderia fazer diferente, não com alguém da sua família. Já nos conhecemos antes, quando o meu pai ainda era o duque. Não sei se está lembrado, daquela noite infeliz.
- na verdade, eu me lembro. Até comentei no caminho pra cá. Não sobre o que aconteceu, é claro, mas sobre o fato de já ter estado aqui antes.
- obrigado pela discrição, lorde Stafford. Muita coisa mudou desde então.
- isso é verdade, éramos dois moleques, e hoje eu já tenho uma família. - no mesmo instante em que mensionou a família, Richard se arrependeu. Corria por toda sociedade, diversos boatos sobre o fato do duque nunca ter se casado, ou sequer cortejado uma dama publicamente. Aquele comentário poderia ser confundindo com uma intromissão, ou quem sabe, algum tipo de indireta, com a qual Arthur já deveria conviver há muito tempo, e essa realmente não era a sua intenção.
Os dois terminaram o drink praticamente no mesmo momento e o jantar começou a ser servido, pelos lacaios formalmente trajados. Richard ainda estava constrangido pelo que havia dito, afinal, tinha estado alí há muito tempo, e tudo o que ouvia sobre o duque atualmente eram boatos negativos e comparações grotescas, por isso, não sabia o que esperar da sua personalidade. Porém, ao contrário de tudo o que imaginou, o próprio Arthur voltou aquele assunto e se mostrou interessado pela sua família.
- então, milorde, foi afortunado com uma família feliz. Conte-me um pouco mais sobre ela.
Richard então lhe falou sobre Loretta, sua amada esposa, e sobre os filhos que tiveram. Três homens fortes, para levar o nome da família adiante, e três donzelas mais jovens, que alegravam a casa como as flores alegravam um jardim. Entre elas, havia Hazel, a filha mais velha dentre as ladys, que havia debutado na última temporada e recebido diversas propostas de casamento, que agora estavam sendo avaliadas por ele.
- mas, então, a senhorita Stafford não terá uma opinião sobre o próprio casamento?
- perdão, sua graça, mas não considero que uma jovenzinha, inexperiente, tenha alguma idéia do que será o melhor para o seu futuro. Desde cedo, minhas filhas receberam educação e disciplina, para se tornarem uma boa esposa para o marido que eu considerar adequado.
- me consideraria um marido adequado, lorde Burlington?
A pergunta pegou Richard de surpresa, ele certamente não esperava por algo assim. O intocável duque, iria finalmente se casar? E escolheria a sua filha, que sequer havia visto antes?
- não imagino que esteja falando sério, sua graça.
- pois deveria. Deve ter notado que não sou o tipo de homem com um senso de humor aflorado. Acha mesmo que eu faria esse tipo de brincadeira?
Não. Richard não imaginava. Mas era realmente difícil de acreditar que o lorde Rothesay estava lhe propondo um casamento com a sua filha, e enquanto um lado seu considerava que um duque seria um ótimo partido, uma outra parte sua imaginava se sua filha poderia ser infeliz, ao lado de um homem tão enigmático, que mal saía do ducado e que teve um passado um tanto turbulento, que poderia ter se refletido em sua própria personalidade.
Como se ouvisse os seus pensamentos e dúvidas, Arthur se adiantou para respondê-las.
- dou a minha palavra, de que o que presenciou nesta casa a alguns anos atrás, jamais se repetirá com sua filha, milorde. Deve ter ouvido alguns boatos fantasiosos sobre mim, garanto que são infundados, porém, mesmo com todos os boatos, ninguém nunca espalhou inverdades a respeito da minha honra e da minha palavra, pois não haveria o que se falar sobre isso.
- claro que busco um casamento vantajoso para a Hazel, mas também espero que ela se sinta feliz.
- no que depender de mim, será. Terá liberdade para visita-la quando quiser, e ela também será livre para ver a família. Deve ter notado que eu não saio muito daqui, mas, também não pretendo prede-la junto comigo. Ela terá todo conforto com o qual já está acostumada, e assim que terminar a colheita eu posso viajar até o condado de Burlington, para corteja-la pessoalmente.
- e por que resolveu encontrar uma noiva agora, sua graça?
- me parece que o destino lhe enviou aqui no momento certo, milorde. E para que se sinta mais seguro, farei um contrato garantindo boas condições de vida e meu total respeito a senhorita Stafford. Garanto que nenhum dos pretendentes ofereceram condições como estas.
Se Richard já estava surpreso com a proposta de casamento inusitada, a menção de um contrato com vantagens que não eram comumente acordadas em um casamento, eram ainda mais surpreendentes, e o acordo estava cada vez mais vantajoso aos seus olhos. De fato, o duque não deveria ser um homem mau, afinal, além de os receber muito bem, enviou uma grande equipe em busca dos salteadores, enviou todas as carruagens que haviam sido deixadas pra trás para passar por reparos na oficina e nos arredores da propriedade, todas as vilas de camponeses e agricultores pareciam bem assistidas, com trabalhadores com um bom semblante e crianças coradas, que corriam livremente ao redor dos campos. Richard estava realmente inclinado para aceitar a proposta.
- neste caso, é uma honra para mim, o fato de ter escolhido a minha Hazel. Amanhã eu partirei para Burlington, e a informarei sobre este arranjo. Tenho toda certeza de que ficará lisonjeada com a proposta, sua graça.
- então, brindemos a este acordo, e a partir de agora não me trate mais por sua graça, em breve seremos parentes.
No dia seguinte, o conde partiu com todos os bens que lhe pertenciam e uma promessa do duque de que em breve iria visita-lo e conhecer a sua noiva pessoalmente.
Desta vez, a viagem prosseguiu tranquila, e após alguns dias, Richard finalmente chegou ao condado de Burlington.Logo, foram recebidos pelos empregados da propriedade e pelos parentes que aguardavam ansiosos. Loretta ficou aflita e nervosa, quando soube do que poderia ter acontecido com Richard durante a viagem, porém, passada toda a sua preocupação, ao constatar que agora estavam todos bem, ela também ficou radiante com as novas peças de arte para a sua galeria pessoal, mas, sua alegria foi realmente incomparável ao saber do acordo de casamento entre Richard e o duque de Rothesay. Sua filha, sua amada Hazel, seria nada menos que uma duquesa, e ela não merecia nada inferior a isso.Hazel, por outro lado, não pareceu tão exultante com a menção daquele acordo. Sabia que mais cedo ou mais tarde algo do tipo iria acontecer, seu pai já estava há a
- Hazel, anime-se querida! O duque de Rothesay não gostará de conhecê-la com essa carinha tão triste, hoje é o seu noivado e não o seu velório.- disse a condessa de Burlington, sorrindo animadamente, enquanto admirava a filha que acabara de se preparar para o baile e estava radiante.- perdão mamãe, eu sei que um Duque será um ótimo partido para mim, principalmente na visão do papai, mas, é que eu não imaginava me casar assim, tão de repente e sem nenhum tipo de sentimento! E pelo que ouvi de algumas senhoritas, no baile da senhora Kent, ele deve ter o dobro da minha idade.-ah, minha querida, não pense nas bobagens que as senhoritas falam nos bailes, a maioria delas, decerto que estão invejando-a grandemente. Além disso, futuramente um sentimento poderá surgir no seu casamento, isso não é tão incomum, eu e o seu pai nos damos muito bem.- espero que tenha razão, mamãe. Eu prometo que tentarei sorrir durante este baile e
Após o desastroso noivado, algumas outras missivas chegaram a residência da família Stafford, acompanhadas de jóias ainda mais valiosas e repetidos pedidos de desculpas, para Hazel era apenas um pouco mais do mesmo.O duque ainda convalescia em sua propriedade, mas o risco de morte já era muito menor agora. O que era realmente um alívio para o conde. Após todo escândalo do noivado, se o noivo, por infelicidade do destino, vinhece a falecer, além de ser muito difícil conseguir um partido tão bom quanto o duque de Rothesay para a sua linda Hazel, ela ainda seria durante muito tempo, um motivo de deboche nas bocas das senhoras nobres, que mesmo agora já a invejavam por estar compromissada a um homem tão poderoso, e espalhavam fofocas sobre o fato do noivo ter faltado o próprio noivado alegando uma doença que poderia até ser falsa, além de nunca a ter corteja
Ao subir para os seus aposentos, Hazel suava frio e sentia as pernas trêmulas. Nunca fizera algo tão ousado em toda sua vida. Sabia que iria decepcionar sua família e envergonhar o nome de todos e isso a entristecia além do que ela poderia ter imaginado, porém, se ficasse alí, estaria condenada para sempre a viver uma vida sem amor e suportar um casamento infeliz com um homem velho, que não conhecia e que já demostrava sinais de que não seria um bom marido, não dava a mínima para o que ela sentia, ou se importava em saber como ela realmente era, apenas a julgava como uma mulher fútil, facilmente comprada com jóias e cartas de poucas palavras.Quando entrou em seu quarto, ela sentou em sua cama, olhando para a valise que já estava preparada e tentou manter a calma para seguir adiante com o plano, a esta hora, Edigar já devia estar no quarto da condessa, correndo um enorme ri
- milady, milady, é melhor acordar ou vai ficar muito atrasada. A própria condessa entrará aqui gritando a qualquer momento.Os sons pareciam vir de algum lugar distante, a cabeça de Hazel latejava insistentemente e abrir os olhos também lhe parecia algo bem doloroso. Aos poucos a sua mente foi revivendo tudo o que tinha acontecido na noite anterior e os mesmos motivos que a fizeram se sentir tão mau antes de finalmente adormecer, agora voltavam para novamente atormenta-la e puxa-la para o buraco negro de onde parecia não conseguir sair.Somente quando conseguiu abrir os olhos por completo e pôde vislumbrar o imenso sorriso que a sua criada pessoal ostentava, ela finalmente se deu conta do que estava prestes a acontecer, e a realidade a engoliu de uma forma cruel e desanimadora. Lentamente ela se levantou, limpou os olhos e lavou o rosto com a água morna e perfumada com rosas da jarra que Joane trouxe consigo, uma regalia especial para o seu dia de noiva.A c
Ao chegar na porta da igreja o coração de Hazel estava disparado em seu peito. Estava alí para se casar com um completo estranho, que ainda por cima possuía uma fama nada agradável. A marcha nupcial anunciava a sua chegada e todos os convidados olharam para trás curiosos no momento em que a porta foi aberta. Seus pés quase travaram no lugar, sabia que agora deveria caminhar em direção ao altar, mas a sua real vontade era de correr para o lado oposto e fugir para bem longe dali. se não fosse o seu pai segurando firmemente em seu braço, talvez tivesse feito exatamente isso, ou talvez tivesse tropeçado em suas próprias pernas trêmulas.Tomando coragem, respirou fundo e finalmente levantou os olhos, o véu que usava sobre o rosto, apesar de fino, ainda nublava sutilmente a sua visão e apenas quando caminhou alguns passos em direção ao seu destino ela realmente o viu.Depois de quase dois anos de especulações, sua mente finalmente tinha um rosto para por no homem que protagoni
Tudo o que Hazel sabia na prática sobre a intimidade de um casal, era o que tinha vivido com Edgar naquele estábulo e sinceramente não estava nenhum pouco preparada para reviver uma situação daquela maneira com um outro homem, quando o seu coração ainda doía por pensar na rejeição que sofreu.Por este motivo, quando Arthur a convidou discretamente para se retirarem, enquanto dançavam, suas pernas travaram quase que instantaneamente, no meio da dança e por pouco os dois não caíram juntos no chão. O que acabou chamando novamente a atenção de todos para o jovem casal.- preciso tomar água, eu não estou muito bem e tem muitas pessoas olhando para nós.- disse tentando ganhar algum tempo, mas, no fundo sabia que seria inevitável.- se não tivesse tentado nos derrubar, as pessoas não estariam nos observando agora.- comentou o duque de forma imparcial, e ela não soube decifrar se ele estava brincando ou se falava realmente sério.
Quando acordou, Hazel demorou alguns segundos até perceber a sua realidade. Não estava em seu quarto habitual, nem vestia peça alguma de roupa. Rapidamente olhou ao seu redor, mas constatou que não havia mais ninguém ali. Melhor. Seria ainda mais embaraçoso, abrir os olhos e se deparar com o duque ao seu lado, depois de ter se comportado de forma tão indecente e vulgar.Ao lembrar da última noite sentiu-se extremamente envergonhada, e culpou-se por não ter sentido a repulsa que imaginara sentir ao estar a sós com o marido que até pensava odiar. Além disso, o seu coração, mesmo magoado, ainda pertencia a outro homem, então como fora capaz se se entregar com tanto prazer e de uma forma tão fácil? Seria apenas o seu desejo interno de vingança? Uma forma de provar para si mesma, que seria absolutamente capaz de dar a volta por cima?Ao lembrar de Ed