William Rodrigues
Eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Priscila estava nervosa, mas nervosa de um jeito que eu nunca tinha visto. Seus olhos estavam arregalados, cheios de lágrimas, e havia algo neles que me fez estremecer: era puro medo, como se ela tivesse visto um fantasma ou se alguém tivesse voltado dos mortos para atormentá-la. A assistente social, por outro lado, mantinha aquele olhar julgador, frio, como se cada palavra ou movimento de Priscila fossem erros gravíssimos. Era desconcertante. Eu queria ajudar, mas não sabia como. Meu peito apertava ao vê-la naquela condição, abraçada às crianças como se fossem sua única âncora. — Vou pedir para a Ana cuidar das crianças por um tempo, para você se acalmar... — arrisquei, me aproximando com cuidado, tentando ser um porto seguro no meio daquela tempestade. — Não! — Priscila gritou, com a voz embargada e os olhos marejados, apertando ainda mais as meninas contra o peito. — Eu quero ficar com os meus filhos, Liam! Eles são meus! A cada palavra, um soluço escapava, e a dor dela parecia ecoar pelo ambiente, cortando o ar como uma lâmina. A assistente social apenas cruzou os braços, observando-a com o mesmo desprezo de antes. — Seu tio está vindo para São Paulo — disse, em um tom tão seco que me fez ranger os dentes. — Ele quer conhecer as crianças. — Não! — A palavra explodiu da garganta de Priscila como um grito de guerra. Ela se levantou abruptamente, ainda com as meninas coladas ao corpo, os olhos faiscando entre lágrimas. — Esse homem não vai chegar perto dos meus filhos! Pilar jamais permitiria aquele homem perto das filhas dela! Que justiça é essa? Sua voz quebrou no final, transformando-se em um choro profundo. Cada lágrima que caía parecia conter o peso de um passado que eu não conhecia. A dor que ela sentia era quase palpável, densa no ar, e eu me sentia impotente por não saber como ajudá-la. — Ele é um bom homem, Priscila. — A assistente social insistiu, como se nada daquilo importasse. — Ele é casado, tem uma família bem estruturada... — Se o problema é ser casado, eu me caso! — Priscila interrompeu, a voz misturando desespero e indignação. — O que não faz o menor sentido! Eles estão bem comigo! Eu já provei que consigo cuidar deles, que posso dar o melhor para eles! As palavras dela soaram como um clamor, uma súplica desesperada. Mas, ao mesmo tempo, havia tanta força em sua voz, tanta determinação... Eu a vi se desfazer diante de mim e, ao mesmo tempo, lutar como uma leoa para proteger seus filhos. Mas o que me deixou mais confuso foi o medo nos olhos dela, um medo tão profundo que me fez querer segurar sua mão, segurá-la firme, mesmo que eu não soubesse contra o quê ela estava lutando. — O juiz vai marcar a data da visita do tio-avô das crianças — anunciou a assistente social, em um tom quase triunfante. — E sugiro que você comece a preparar as crianças, Priscila. Explique a elas que ele é um homem bom, da igreja, temente a Deus. Priscila soltou uma risada abafada, mais de incredulidade do que de humor. Cobriu a boca com a mão, mas o sarcasmo transbordava nos olhos. Eu sabia que ela estava se segurando para não explodir, mas não pude evitar de pensar: "Por que isso parecia tão absurdo para ela?" — Um homem bom? — Priscila repetiu, com a voz carregada de ironia, soltando as palavras devagar, como se precisasse saboreá-las para acreditar que realmente foram ditas. — Temente a Deus? E é por isso que ele acha que pode aparecer na vida das crianças depois de tanto tempo? Isso não é uma piada de mau gosto? — Ele só quer conhecê-las. É direito dele. — A assistente social cruzou os braços, mantendo a pose de autoridade moral. — Direito dele? — Priscila disparou, o tom subindo um pouco mais. — Você tem ideia do que está falando? Conhece esse homem? Conhece a história da minha irmã? Porque se conhecesse, jamais diria uma bobagem dessas! Eu observava a troca, completamente perdido. As palavras pareciam carregadas de um peso que ia muito além do que era dito. O tom de Priscila oscilava entre indignação e desespero, e o olhar dela estava turvo, como se uma tempestade do passado tivesse tomado conta. — Ele é um parente direto — insistiu a assistente social, ignorando a explosão de emoções que acontecia diante dela. — Além disso, ele tem uma família bem estruturada, estabilidade financeira, um lar seguro. Você deveria encarar isso como uma oportunidade para as crianças terem um vínculo saudável com a família. — Lar seguro? Família estruturada? — Priscila quase riu de novo, mas a raiva abafou o sarcasmo. Ela respirou fundo, tentando manter o controle. — Minhas crianças já têm uma família. Elas têm a mim! E isso é mais do que suficiente. Enquanto isso, eu estava ali, vendo tudo sem entender as peças do quebra-cabeça. O que tinha nesse homem que provocava tanto ódio em Priscila? Por que ela parecia tão assustada, como se as palavras “tio-avô” fossem um gatilho para memórias que ela não queria reviver? O que quer que fosse, era algo grande. Grande o suficiente para fazer uma mulher forte como ela tremer na base e lutar com unhas e dentes. Decidi que precisava intervir. Não sabia os detalhes, mas sabia de uma coisa: eu confiava em Priscila. — Priscila, vamos resolver isso. Você não está sozinha, ok? — falei, tentando puxá-la para fora daquele redemoinho emocional. Ela me olhou, os olhos brilhando de lágrimas, mas com uma firmeza que dizia muito mais do que qualquer palavra. E, naquele momento, percebi: quem quer que fosse esse homem, Priscila estava disposta a ir até o fim para protegê-los. Mesmo que ninguém mais entendesse por quê. ©©©©©©©©©©©©©©© Continua....William Rodrigues — Eu vou para a cozinha pegar um copo de água. — Minhas palavras eram uma tentativa desesperada de escapar do peso opressor daquela sala. A assistente social permaneceu em silêncio, mas o olhar que lançou antes de sair era como uma sombra, carregado de julgamento e algo que eu não conseguia decifrar. Pegou sua bolsa, ajustou a postura com uma calma ensaiada e foi embora sem olhar para trás, deixando para trás uma sala que parecia mais vazia e ao mesmo tempo mais sufocante. Meu olhar foi imediatamente para Priscila. Ela estava imóvel, uma estátua de dor e confusão, os olhos fixos em um ponto distante. Seus braços estavam caídos ao lado do corpo, como se tivessem perdido a força de sustentar o peso de tudo aquilo. E então, meus olhos pousaram nas crianças. Íris, Ítalo e Belinha estavam todos ali, encolhidos no sofá, os rostos cheios de perguntas que eu não sabia responder. Eles sentiam tudo, cada vibração de dor que emanava da mãe deles, mesmo que não compreende
William Rodrigues O silêncio no quarto era sufocante. Ao abrir a porta, meu coração parou por um segundo. Priscila estava encolhida na cama, abraçando os próprios joelhos, o corpo tremendo como se tentasse resistir a um frio que vinha de dentro. Nunca a vi assim. Nunca. O medo em seu olhar era um grito mudo, algo tão avassalador que quase me fez recuar.— Meu amor... — chamei, minha voz saindo trêmula.Ela virou o rosto para o lado, evitando me olhar. Sua voz veio baixa, arranhada pelo desespero.— Eu quero ficar sozinha...— Você não está sozinha, Priscila. — Sentei-me ao lado dela, minha mão tocando seus cabelos com uma suavidade quase reverente. — Você tem uma família agora. Não precisa carregar isso sozinha.Ela soltou uma risada amarga, que morreu antes mesmo de se formar. Seus olhos, úmidos e vazios, se perderam no teto.— Ele devia estar morto... Esse homem... Ele devia estar morto.— Ele não vai te machucar — afi
William Rodrigues Ficamos em silêncio, o quarto envolto em uma calmaria que contrastava com a tempestade que ela havia desabafado minutos antes. Minha mão se movia lentamente pelos seus cabelos, num cafuné suave e ritmado. Eu queria que ela sentisse, em cada toque, que estava segura. Que agora tinha alguém para dividir o peso.Ela fechou os olhos, a respiração ainda irregular, mas começando a se estabilizar. Meu olhar estava fixo nela, absorvendo cada detalhe: os traços delicados que contrastavam com a força que ela carregava, a vermelhidão em suas bochechas ainda marcada pelo choro.Enquanto isso, minha mente vagava. De repente, tudo fazia sentido. A raiva do Max naquele dia na piscina. Ele com certeza sabia de tudo, cada detalhe obscuro do passado dela. Ele deve ter achado que eu a pressionei, que eu a expus a algo que ela não estava pronta para enfrentar. E agora que eu sabia, percebia que, se estivesse no lugar dele, teria sentido o mesmo.— Eu te amo. — A voz dela quebrou o silê
Priscila Barcella Foi bom ter aquele momento com eles. Senti que, de alguma forma, estava mais forte. Há tempos não me sentia assim, e isso me deu a certeza de que, juntos, podemos enfrentar qualquer coisa. Apesar do medo inicial sobre como as crianças reagiriam ao nosso namoro, foi um alívio compartilhar. E no fim, tudo correu melhor do que eu imaginava. Era apenas nós cinco naquela noite, sem interrupções ou pressões externas, vivendo algo que nem sabia que tinha sonhado um dia. Depois de um jantar improvisado com pizza, nos juntamos no sofá para assistir a um filme. O riso fácil das crianças e a presença calorosa de Liam ao meu lado criaram um cenário quase irreal. Uma felicidade tão simples que me deixava zonza. Não demorou muito para todos caírem no sono – e claro, acabamos amontoados na minha cama. Na manhã seguinte, acordei com o corpo pesado e uma dor incômoda na coluna. Mas, ao abrir os olhos e ver aquelas carinhas serenas ao meu redor, percebi que tudo valia a pena.
Priscila Barcella Aproveitamos para ir ao clube com as crianças. Era o último dia da minha folga, e eu queria que fosse especial para todos nós. — Mamãe, eu quero ir na piscina agora! — Belinha anunciou, cheia de energia, enquanto eu passava protetor solar nela. — Calma, meu amor. Primeiro temos que nos proteger do sol. Você não quer ficar ardendo depois, né? — respondi com um sorriso, tentando conter a impaciência dela. — Deixa que eu passo protetor em você — Liam ofereceu, sua voz baixa e carinhosa, me fazendo sorrir mesmo sem querer. — Só um instante, coração. Deixa eu terminar com a nossa princesa primeiro — falei, e Belinha, com aquele sorriso sapeca, olhou para Liam como se conspirasse algo. — Vocês dois são tão fofos que até dá vontade de gravar um TikTok — Íris comentou do lado, cruzando os braços e rindo de nós com aquela típica atitude de adolescente. — Mamãe, você pode passar protetor nas minhas costas também? — Claro, meu anjo. Já termino aqui e passo em você. Pas
Priscila Barcella Acordei na segunda-feira bem cedo, já que minha pequenininha decidiu começar o dia às 4h30 da manhã, cheia de energia. Depois de alimentá-la, não quis acordar o Liam. Resolvi tomar um banho e aproveitei para dar banho na Nina também. Ela adora compartilhar a banheira comigo, e seu riso ao brincar com as bolhas sempre torna o momento especial. Após o banho, me arrumei para o trabalho e vesti minha princesa com um vestidinho azul, meia-calça branca e as sapatilhas da Cinderela. Para completar, fiz duas chiquinhas no cabelinho dela. Minha bonequinha estava tão adorável que só de olhar já dava vontade de morder aquelas perninhas fofas. Saí do quarto com cuidado para não fazer barulho e fui em direção ao quarto da Isabela. No corredor, encontrei minha sogra saindo do quarto dela. — Bom dia, sogrinha — cumprimentei com um sorriso, que ela retribuiu ao olhar para mim e para a Nina. — Bom dia, minha nora favorita! Bom dia, bebezinha da vovó — respondeu ela, estendendo
Priscila BarcellaSaí com Rafaela e, desde o início, percebi que seus olhos estavam constantemente em mim. Era um olhar carregado de algo mais profundo do que simples curiosidade. Saímos do elevador e estávamos indo até a garagem e já estava desconfortável, como se ela estivesse tentando me decifrar.Depois de alguns minutos de silêncio, resolvi quebrar o clima tenso.— Rafaela, você está me encarando como se eu fosse um quebra-cabeça de mil peças. O que está pegando?Ela corou, surpresa por eu ter notado. Tentou disfarçar ajeitando o cabelo atrás da orelha, mas não respondeu de imediato. Suspirei, parando no meio do corredor.— Fala logo. Você não é do tipo que guarda as coisas.Ela parou ao meu lado, apertando a alça da bolsa como se aquilo a ancorasse à realidade. Respirou fundo antes de começar:— É só que... eu não entendo como você e o Max conseguem estar tão bem resolvidos. A Nina só tem cinco meses. Isso não é tempo suficiente para superar tudo. Fiquei em silêncio por um mome
Priscila BarcellaCheguei ao escritório com o coração um pouco acelerado. O ambiente, que sempre foi meu refúgio, parecia diferente após minha ausência, mas não demorei a me reconectar com ele. Eu nem imaginava que estava com tanta saudade do meu mundinho.— Ela voltou! — Joyce exclamou ao me ver, surpreendendo-me com um abraço caloroso.— Joyce, estamos na empresa — repreendi com um sorriso contido, tentando manter a postura profissional. — Vem, vamos para a minha sala.Caminhei pelo corredor cumprimentando com um leve aceno quem cruzava meu caminho, mas sem trocar muitas palavras. Eu queria me concentrar. Quando entrei na sala, fechei a porta assim que Joyce entrou atrás de mim.— Certo, me conta tudo. O que aconteceu enquanto eu estava fora? — perguntei, ansiosa.Joyce começou a listar rapidamente os acontecimentos, mas antes que pudesse terminar, verificou o relógio.— Depois te passo o restante. Você tem uma reunião com a Larissa daqui a pouco. O Max passou tudo para você antes d