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Capítulo 118

William Rodrigues

Eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Priscila estava nervosa, mas nervosa de um jeito que eu nunca tinha visto. Seus olhos estavam arregalados, cheios de lágrimas, e havia algo neles que me fez estremecer: era puro medo, como se ela tivesse visto um fantasma ou se alguém tivesse voltado dos mortos para atormentá-la.

A assistente social, por outro lado, mantinha aquele olhar julgador, frio, como se cada palavra ou movimento de Priscila fossem erros gravíssimos. Era desconcertante. Eu queria ajudar, mas não sabia como. Meu peito apertava ao vê-la naquela condição, abraçada às crianças como se fossem sua única âncora.

— Vou pedir para a Ana cuidar das crianças por um tempo, para você se acalmar... — arrisquei, me aproximando com cuidado, tentando ser um porto seguro no meio daquela tempestade.

— Não! — Priscila gritou, com a voz embargada e os olhos marejados, apertando ainda mais as meninas contra o peito. — Eu quero ficar com os meus filhos, Liam! Eles são meus!

A cada palavra, um soluço escapava, e a dor dela parecia ecoar pelo ambiente, cortando o ar como uma lâmina. A assistente social apenas cruzou os braços, observando-a com o mesmo desprezo de antes.

— Seu tio está vindo para São Paulo — disse, em um tom tão seco que me fez ranger os dentes. — Ele quer conhecer as crianças.

— Não! — A palavra explodiu da garganta de Priscila como um grito de guerra. Ela se levantou abruptamente, ainda com as meninas coladas ao corpo, os olhos faiscando entre lágrimas. — Esse homem não vai chegar perto dos meus filhos! Pilar jamais permitiria aquele homem perto das filhas dela! Que justiça é essa?

Sua voz quebrou no final, transformando-se em um choro profundo. Cada lágrima que caía parecia conter o peso de um passado que eu não conhecia. A dor que ela sentia era quase palpável, densa no ar, e eu me sentia impotente por não saber como ajudá-la.

— Ele é um bom homem, Priscila. — A assistente social insistiu, como se nada daquilo importasse. — Ele é casado, tem uma família bem estruturada...

— Se o problema é ser casado, eu me caso! — Priscila interrompeu, a voz misturando desespero e indignação. — O que não faz o menor sentido! Eles estão bem comigo! Eu já provei que consigo cuidar deles, que posso dar o melhor para eles!

As palavras dela soaram como um clamor, uma súplica desesperada. Mas, ao mesmo tempo, havia tanta força em sua voz, tanta determinação... Eu a vi se desfazer diante de mim e, ao mesmo tempo, lutar como uma leoa para proteger seus filhos. Mas o que me deixou mais confuso foi o medo nos olhos dela, um medo tão profundo que me fez querer segurar sua mão, segurá-la firme, mesmo que eu não soubesse contra o quê ela estava lutando.

— O juiz vai marcar a data da visita do tio-avô das crianças — anunciou a assistente social, em um tom quase triunfante. — E sugiro que você comece a preparar as crianças, Priscila. Explique a elas que ele é um homem bom, da igreja, temente a Deus.

Priscila soltou uma risada abafada, mais de incredulidade do que de humor. Cobriu a boca com a mão, mas o sarcasmo transbordava nos olhos. Eu sabia que ela estava se segurando para não explodir, mas não pude evitar de pensar: "Por que isso parecia tão absurdo para ela?"

— Um homem bom? — Priscila repetiu, com a voz carregada de ironia, soltando as palavras devagar, como se precisasse saboreá-las para acreditar que realmente foram ditas. — Temente a Deus? E é por isso que ele acha que pode aparecer na vida das crianças depois de tanto tempo? Isso não é uma piada de mau gosto?

— Ele só quer conhecê-las. É direito dele. — A assistente social cruzou os braços, mantendo a pose de autoridade moral.

— Direito dele? — Priscila disparou, o tom subindo um pouco mais. — Você tem ideia do que está falando? Conhece esse homem? Conhece a história da minha irmã? Porque se conhecesse, jamais diria uma bobagem dessas!

Eu observava a troca, completamente perdido. As palavras pareciam carregadas de um peso que ia muito além do que era dito. O tom de Priscila oscilava entre indignação e desespero, e o olhar dela estava turvo, como se uma tempestade do passado tivesse tomado conta.

— Ele é um parente direto — insistiu a assistente social, ignorando a explosão de emoções que acontecia diante dela. — Além disso, ele tem uma família bem estruturada, estabilidade financeira, um lar seguro. Você deveria encarar isso como uma oportunidade para as crianças terem um vínculo saudável com a família.

— Lar seguro? Família estruturada? — Priscila quase riu de novo, mas a raiva abafou o sarcasmo. Ela respirou fundo, tentando manter o controle. — Minhas crianças já têm uma família. Elas têm a mim! E isso é mais do que suficiente.

Enquanto isso, eu estava ali, vendo tudo sem entender as peças do quebra-cabeça. O que tinha nesse homem que provocava tanto ódio em Priscila? Por que ela parecia tão assustada, como se as palavras “tio-avô” fossem um gatilho para memórias que ela não queria reviver?

O que quer que fosse, era algo grande. Grande o suficiente para fazer uma mulher forte como ela tremer na base e lutar com unhas e dentes.

Decidi que precisava intervir. Não sabia os detalhes, mas sabia de uma coisa: eu confiava em Priscila.

— Priscila, vamos resolver isso. Você não está sozinha, ok? — falei, tentando puxá-la para fora daquele redemoinho emocional.

Ela me olhou, os olhos brilhando de lágrimas, mas com uma firmeza que dizia muito mais do que qualquer palavra. E, naquele momento, percebi: quem quer que fosse esse homem, Priscila estava disposta a ir até o fim para protegê-los. Mesmo que ninguém mais entendesse por quê.

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Continua....

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