Os olhos dele estavam presos em mim, como se fosse capaz de queimar a minha alma só com o poder daquele olhar. De repente, o escritório se tornou mais abafado, enquanto uma luta interna se travava dentro de mim.
—Ela falou que sentia sua falta.— Volto a falar, um pouco mais calma. —Não acho que seja fácil pra ela, ter perdido a mãe e ver o próprio pai, tudo que sobrou pra ela, se afastando.
Aquele homem franze a testa, como se as palavras da minha boca fossem uma espécie de enigma mal compreendido.
—O que te faz acreditar que você sabe de algo da nossa vida?— ele pergunta rudemente. —Você é apenas alguém que trabalha para mim. E pelo o que posso notar, está desejando que isso mude.
Não deixo sua provocação me distrair. Me recuso que ele mude de assunto daquela forma, porque a curiosidade sobre tudo aquilo que aquele homem poderia esconder me consome a cada segundo.
—Sei o suficiente para saber que se sente aliviado pela morte da sua esposa.— Deixo as palavras saírem livremente, sem me importar com qualquer descrição.
Os olhos do Sr. Barichello de repente se iluminam e ele me encara intensamente, como se apenas naquele momento, ele recordasse do nosso encontro naquele carro e da afirmação terrível que ele deixou no ar.
—Senhorita Green, aprecio sua maneira de tentar controlar ou descobrir detalhes sobre a minha vida pessoal. Mas preciso me anteceder e dizer que você jamais saberá nada sobre mim. E se ainda quiser ter um emprego, eu sugiro que saia da minha empresa e leve a minha filha para segurança da minha casa. Agora.
Aquela foi a única vez que o vi se expressar tanto, o que acabou me deixando sem folego. A mudança em sua expressão, a face apática e os olhos em chamas... Quem é você? Eu me perguntava.
No entanto, eu sabia que havia ido longe demais e eu realmente ainda precisava de um emprego. Mas antes de começar a sair da sua sala, me virei para o olhar mais uma vez:
—Tudo que você me pediu foi para cuidar da sua filha e eu estou o fazendo. Você me disse que ela era preciosa demais para você, no entanto, a trata como se fosse algo comum. Suas palavras não convêm com suas atitudes.
E dizendo isso, saí daquele escritório e ao encontrar Emma do lado de fora, voltamos até a mansão.
Mais tarde naquele dia, ela teve aula de ballet. O cansaço daquele dia a venceu assim que voltou pra casa e jantou junto a mim. A coloquei em sua cama até que ela dormisse e quando finalmente conseguiu, decidi me retirar.
A lua estava alta e cheia enquanto eu me dirigia até o anexo ao lado da casa, mas notei a boneca Dorothea da Emma na varanda da casa e lembrei que se ela acordasse no meio da noite e não a sentisse com ela, despertaria.
Pego a boneca e decido levar de volta a garota. No entanto, assim que paro em frente ao seu quarto, eu acabo travando.
O seu pai estava ali. Pelo traje, havia acabado de chegar do trabalho, mas estava ali em seu quarto, próximo a sua cama e a observava dormir, velando o seu sono. Pude ver amor em suas íris, uma espécie de cuidado e proteção incondicionais. No entanto, eu também podia enxergar dor. Muita dor.
De repente, ele se vira para mim. E eu engulo em seco.
—Vim apenas trazer a boneca dela.— Eu me adianto em falar, esticando os braços.
Rapidamente entro no quarto e deposito o brinquedo ao lado da garota que dorme tranquilamente. Seus cabelos castanhos em cachinhos caem ao redor do seu rosto, a pele clara e os lábios fartos e bem desenhados.
—Ela é extremamente linda.— Eu digo baixinho, também a observando por alguns segundos.
Sr. Barichello não diz nada, apenas segue a encarando, como se fizesse isso todos os dias.
—Ela é igualzinha a mãe.— Ele diz de repente, quando já estava próximo a porta.
Paro de andar rapidamente quando escuto a melancolia em sua voz. Uma espécie de dor misturada com saudade, decepção, medo, raiva.
Foi naquele instante que a compreensão de tudo aquilo se encaixou em minha cabeça como um quebra-cabeça doloroso.
—É por isso que você tem dificuldade em se relacionar com ela?— sussurro baixinho. —Porque ela lembra tudo que você perdeu?
No mesmo instante, ele vira o olhar minha direção. A expressão apática em seu rosto de volta ali.
—Porque ela me lembra tudo que eu nunca tive.— E dizendo isso, ele simplesmente vai embora, me deixando com mais uma centena de perguntas em minha cabeça.
Quem é você? O que a sua mulher fez que o deixou tão destroçado? É isso que me pergunto a noite inteira, sem conseguir dormir por nenhum segundo.
***
Na manhã seguinte em que me dirijo até a mansão, pude observar o carro do sr. Barichello ainda na garagem, o que significava que ele ainda não havia saído para trabalhar. Estranhamente aquilo me deixou nervosa, porque não tinha tanta certeza que iria conseguir olhar em seus olhos e não fazer mais uma centena de perguntas.
Assim que entro na casa, posso ouvir burburinhos na sala de jantar. A curiosidade me vence e eu caminho até lá. O sr. Barichello estava ali, tomando café com uma mesa repleta de coisas suficientes para comer em uma semana.
E para minha surpresa, Emma também estava ali.
— Ayla, vem!— ela grita assim que me vê, anunciando minha presença.
Olho o relógio me perguntando se havia realmente me atrasado tanto assim.
—Ela acordou mais cedo hoje.— Sr. Barichello sussurra, sem me olhar, com sua atenção ainda presa no jornal que ele trazia em mãos. —Decidi ficar com ela enquanto você não chegava.
Emma me olha em seguida, seus olhos estão mais um pouco iluminados que no dia anterior. E eu sorrio para ela, cumplice.
Me pergunto o que deve ter influenciado um pouco aquela decisão do sr. Barichello. Porque por mais que ele não estivesse olhando ou conversando com sua filha, aquela simples ação já significava muito.
—Senta aqui, Ayla.— Emma volta a chamar.
—Eu... eu não posso, eu...— me vejo gaguejando, porque não saberia lidar com aquela situação. —Vou ficar te esperando comer lá na sala ao lado e...
—Sente.— A voz firme e grossa do sr. Barichello enche aquele lugar de repente e eu percebo que não se trata de um pedido.
Não me atrevo a recusar diante de tudo aquilo que já havia feito e me sento ao lado de Emma. Por mais que ela apenas estivesse conversando comigo, eu podia perceber que só a presença do seu pai ali já era o suficiente para ela.
—Emma, precisamos cuidar pra ir à escola.— Digo, quinze minutos depois.
—Eu já estou pronta. Só irei pegar minha mochila.— Ela fala rapidamente e antes que eu conteste algo, ela sai correndo.
—Ela é muito independente, não é?— comento sorrindo.
O seu pai apenas levanta uma sobrancelha, o único sinal real que ele realmente está me ouvindo.
Me sinto inquieta com o silencio que ficou ali de repente, até que a campainha toca e segundos depois uma mulher alta e de pernas longas e finas aparece naquela sala de jantar.
Seus cabelos longos e loiros faz um contraste com sua aparência de modelo de Victoria´s Secret.
—Querido?— ela chama assim que vê o sr. Barichello.
No mesmo momento ela dirige o olhar até a mim, a sobrancelha arqueada, como se eu fosse algum tipo de animal exótico fora do seu habitat. Talvez eu realmente fosse.
—Já estou indo, Bianca.— Sr. Barichello diz de repente e se levanta, saindo daquele espaço.
Estou me levantando, prestes a ir em direção a Emma quando aquela mulher me chama.
—Quem é você?— sua voz aparece acusativa quando me observa de cima abaixo, estando a muitos centímetros abaixo dela.
—Olá, eu sou a Ayla. Sou a nova babá da Emma.— digo sorrindo, mas ela não corresponde.
—E por que estava sentada a mesa?— sua pergunta inconivente me faz lembrar o tipo de pessoa que ela é.
—Perdão, mas e você? Quem é?— pergunto, um tanto rude.
Ela apenas voltar a me olhar e jogando o longo cabelo loiro para o lado e sorrindo diz:
—Sou Bianca. Noiva do sr. Barichello e sua futura patroa.
Mas o quê...
Aquela informação paira no ar e eu ainda estou desnorteada demais para conseguir formar qualquer pensamento completo. —Noiva?— é tudo que consigo falar e aquela mulher apenas levanta uma sobrancelha sugestivamente, como se estivesse travando uma batalha individual em sua própria cabeça. —Algum problema com isso?— ela pergunta, um tom de superioridade em sua voz. —Problema algum.— Me recupero rapidamente. —Só fiquei meio surpresa com o fato de existir um noivado só apenas alguns dias desde que ele enterrou a sua mulher. As palavras saíram da minha boca antes mesmo que eu pudesse controlar, esse era um dos defeitos da minha longa lista. E aquela vez, minha língua havia voltado a me colocar em apuros. Bianca apenas me entrega um sorriso cínico e sei que está prestes a me responder da maneira mais humilhante que uma loira de classe alta poderia. No entanto, um barulho de passos surge logo na sala ao lado. Pressentindo que o sr. Barichello estava se aproximando, ela rapidamente traz d
O ar naquela atmosfera pareceu denso demais, enquanto eu assistia a troca de olhares selvagens e ameaçadores entre Erlon e o meu chefe. —Quem você pensa quem é?— Erlon pergunta exasperado, e tenta se afastar da figura potente e alta em sua frente. Sr. Barichello apenas dá um passo em frente e só aquele simples ato parece ser ameaçador o suficiente. —Essa será a segunda e última vez que sugiro que deixe a moça em paz.— Ouço a voz do meu chefe soar baixa o suficiente, estridentes. —E eu vou perguntar pela segunda vez: quem diabos é você?— Erlon insiste, também se aproximando. Sinto meu coração acelerar rapidamente. Eu não fazia ideia sobre tudo que poderia acontecer naquela situação, mas eu tinha a absoluta certeza que eu não gostaria do que quer que fosse. Por isso, soube que precisava intervir. Mesmo que isso me forçasse a agir do modo mais estupido possível. —Erlon, tudo que a Diana te contou é verdade.— Eu falei rapidamente, entrando no meio dos dois. —E esse é ele. É o cara q
Passo através daquele homem rapidamente, ignorando totalmente sua presença e como meu coração acelera em meu peito. Paro em frente ao balcão onde consigo contatar o recepcionista daquele hotel. —Boa noite, como posso ajudar a senhorita?— um senhor de cabelos grisalhos e muito sorridente me pergunta. —Boa noite. O senhor poderia me informar algum número de táxi e onde posso pegá-lo por aqui?— minha voz está tão ofegante, que acredito ter assustado aquele senhor. Por isso, forço um sorriso logo em seguida. O recepcionista apenas dá uma pequena tossida fingida e em seguida olha para tela do computador e com um sorriso empático no rosto, me informa. —Eu sinto muito, minha querida. Mas nessa área do hotel, os únicos carros permitidos a fazer rota são os do próprio hotel. E receio que nesse momento, todos estejam ocupados. Solto uma respiração completamente cheia de exasperação. Eu realmente gostaria de saber em qual ponto da minha vida, toda a sorte resolveu simplesmente dissipar. —P
Quando acordei naquela manhã de domingo, eu realmente senti que havia descansado. Foi a primeira noite desde o dia em que toda minha vida mudou, que minha mente pareceu finalmente relaxar.Poderia culpar o álcool, mas a verdade é que no final da noite não existia mais nenhuma gota de álcool em minhas veias. Só as novas lembranças e perguntas que havia acabado de criar.O sol já estava pintando forte no alto, quando decidi sair do meu anexo.—Ayla, você está aqui?— a voz de Emma alcançou meus ouvidos logo que coloco os pés pra fora.Sorri quando encontrei a garota vestida completamente de rosa, os cabelos partidos ao meio e a sua inseparável boneca ao lado.—Pra onde você vai tão linda assim?— perguntei ao me aproximar.—Vou sair com o papai.— Ela disse empolgada e no mesmo momento, aquela noticia me empolgou do mesmo jeito. —Achei que você não fosse ficar comigo hoje.—Ah, não. Eu só passei a noite aqui, já estava saindo.— Expliquei.A garota baixou os olhos no mesmo instante, parecia
Não me intimidei nem por um segundo com a figura loira e arrogante em minha frente, pelo contrário, eu soube exatamente o que deveria fazer. Eu já havia percebido Bianca o suficiente na última vez, eu era ótima em observar pessoas. Ela claramente se prestava a um papel de querida e boa moça na frente do Juan, tudo pra ganhar admiração e respeito. Mas a verdade era que ela não passava de uma cobra, à espreita pra atacar. —Estou fazendo a mesma coisa que você, Bianca.— Respondo. —Estou em um aniversário. Vejo quando sua mandíbula fica rígida e ela parece se morder de raiva com a audácia em minhas palavras. —Mas você não deveria estar aqui fora. Deveria estar com a Emma.— Ela insiste, claramente incomodada pela minha presença junto ao seu adorável noivo. —Ah, a Emma está bem, não se preocupe.— Eu digo, sorrindo. Aquilo pareceu acender ainda mais a raiva presente dentro dela. Juan ao seu lado apenas fumava, como se tivesse alheio aquele cenário todo. Me perguntei o que Bianca poderia
Os olhos de Juan permanecem em Ax, dessa vez imparcial. Espero que ele fale qualquer coisa, que pergunte porque eu trabalharia com Ax, uma vez que ele não irá me demitir. Mas ele não faz isso. Seus olhos apenas procuram Emma e buscam sua mão, apenas desejando ir embora daquele local. Bom, eu também desejava aquilo profundamente. E como se minha prece fosse atendida: —Você vem?— ele resmunga de repente, mas sem olhar pra mim. Ele não precisa se esforçar mais que isso pra me ver saindo em disparada atrás dele. —Juan, eu...— eu começo a falar, a voz trêmula, mas sou interrompida. —Aqui não.— Ele me corta friamente assim que chegamos ao seu carro e ele dá partida em alta velocidade. Eu engulo em seco, sabendo que aquele momento era um daqueles em que eu arruinaria tudo se eu só falasse descontroladamente. No meu lado, Emma parece muito mais tranquila sentada em sua cadeirinha, mesmo que silenciosa. Mas também respeito esse seu espaço. Assim que o carro para em frente a mansão, Juan
Aquele dia completamente intenso já estava chegando ao fim, e em breve, eu iniciaria mais uma outra semana de trabalho. A ideia de um final de semana relaxante e sem estresse já havia caído por terra há um bom tempo. É por isso que assim que o sol começa a desaparecer no céu pintado de rosa e laranja, eu apenas decido que iria continuar no meu anexo, juntando as tantas peças de um quebra-cabeça sem fim que minha vida se tornou desde o dia em que apareci por ali. No entanto, as novidades daquele dia, todavia não havia terminado. —Encontrei você aqui!— a voz masculina me parou antes mesmo que eu pudesse atravessar o jardim. —Ax, o que você está fazendo aqui?— pergunto confusa e olhando para todos os lados. —Eu só precisava ver você. Saber se tudo ficou bem.— Ele sorriu, enquanto enfiava as mãos no bolso da calça. —Ah, ficou tudo bem, sim. Obrigada.— Eu respondo de modo direto, porque por alguma razão, eu me sentia um pouco invadida pela sua presença ali. —Que bom, Ayla. Eu realmen
—Você não me tem para que algo me tire de você.— Cuspo com raiva, logo após o choque de sua confissão se esvair. Para minha surpresa, Juan se afasta de mim e eu fico livre entre ele e a parede. Sei que naquele instante, eu só poderia ir embora, me afastar rapidamente dele, com toda a dignidade que um pé machucado me daria. No entanto, havia algo em seu olhar que me deixou parada exatamente no mesmo lugar. —É impossível manter qualquer conversa com você.— Juan resmunga em seguida e vejo sua testa franzida de insatisfação. Não posso evitar sorrir. —E desde quando você sabe conversar com alguém?— rebato. —Você só saber mandar, e usar três ou quatro palavras cheia de enigmas. Mas acabei descobrindo que o que você gosta mesmo de fazer, é comentar sobre a personalidade e aparência alheia. Vejo quando Juan solta um longo suspiro de exasperação e já parece exausto com meus comentários. O que era uma pena, porque eu só estava começando. —Eu adoraria ficar aqui e te explicar a mesma coisa