Depois do banho saí do quarto e me deparei com um corredor comprido com várias portas. “Caramba! Será que moram sozinhos nessa mansão enorme?”. Segui pelo corredor deserto e silencioso. Era dividido ao meio por uma escada. Parei e olhei para baixo. Arion estava sentado num sofá, em uma sala que era maior que meu apartamento. Desci a escada e ele veio em direção a mim.
Apontou minha camisa.
— Vai ficar com frio.
Não dei importância. Não estava com frio e não havia posto outro casaco na mochila.
— Não trouxe outro casaco.
Ele tirou a jaqueta revelando um peitoral musculoso. Ah, droga.
— Sei que vai ficar grande, mas acho que Iana não irá gostar se eu pegar alguma coisa do armário dela para você.
Essa eu
Alcancei os dois no meio da floresta de sumaúmas. Já haviam começado nosso ritual. Juntei-me a eles batendo nas sapopembas emitindo um som que ecoava por toda floresta. Conhecíamos cada palmo do vale e cada uma das quinhentas sumaúmas que havia. Estávamos quase terminando nosso trabalho quando Ansur bateu e uma sapopemba estourou causando um grande estrondo. Um líquido azul fluorescente jorrou para todos os lados e, unindo-se novamente bem à nossa frente, tomou uma forma humana. Ficamos olhando sem saber o que era exatamente. O líquido azul foi se tornando mais claro e ralo à medida que se transformava em névoa. E antes de desaparecer completamente, exibiu a figura do Sr. Sampaio. Nenhum de nós três se moveu ou falou por uns dois minutos contemplando o vazio. Iana sentou-se no chão e segurou a cabeça com as mãos. — A frase estava certa
Levantei cedo e desci. Resolvi que entraria no jogo deles. Talvez fosse mais fácil descobrir por que o povo agia assim e por que aqueles três eram tão diferentes. Durante as batidas da noite houve um som muito mais alto. Como se tivessem estourado um enorme barril cheio de água. Essa era mais uma das coisas que eu pretendia descobrir. Ao chegar na sala vi meu tio afagando as costas de tia Odete e Be sentado com o queixo entre as mãos. Havia algo errado. — Aconteceu alguma coisa? Tio Fernando olhou para mim pela primeira vez sem o sorrisinho bobo. — Um habitante do vale morreu essa noite. O pastor Jonas fará um culto especial agora pela manhã. — Morreu de quê? — Parece que foi o coração. Tia Odete olhou para meu tio balançando a cabeça. 
Ficamos ao lado do templo para escutar; cada detalhe era importante. As pessoas estavam nos acusando de ter matado o Sr Sampaio. Era o esperado. Sabíamos que a culpa recairia sobre nós depois do barulho que a sapopemba fez ao estourar. O sermão do pastor Jonas estava levando o povo a esquecer que o Sr Sampaio existiu. E para nosso espanto, Krica estava dentro do templo acompanhando o culto. — Será que Ansur não curou direito a batida que essa garota deu com a cabeça? — Iana falou sem entender o que Krica estava fazendo no templo. — Pra uma rebeldezinha ela desistiu muito rápido. — É. Rápido demais. Ela é esperta, não rebelde. — Eu disse tirando a única conclusão plausível depois de estar com ela. — Não é rebelde — Iana afirmou em tom sarcástico.
Fiquei parada olhando ele se afastar de costas para mim. Respondeu-me com um sonoro “não”. Por que eu queria correr atrás dele? Por que sentir suas mãos quentes nas minhas fez meu peito doer? Merda, eu não ligo pra garotos! Ele é arrogante, metido e muito, muito lindo. Fiquei com raiva de mim por ficar perturbada pelo toque de suas mãos e fiquei com raiva dele por ter me enrolado e não respondido a nada do que eu queria saber. Segui para casa. Além de raiva, eu estava com fome. Não estavam mais em frente à casa onde os encontrei. Entrei na casa de meus tios. Somente tia Odete estava ali. — Oi querida. Não quis ir à escola hoje? Seria bom que fosse amanhã. Eanes adorou você. Disse que queria te conhecer melhor. Seria bem difícil bancar a boazinha. Mas eu estava cada vez mais convencida de que aquele lugar era al
Rondamos por trás das casas, mas não havia nada de diferente. Isadora permaneceu no ombro de Ansur até que voltamos para mansão. Tomei um banho para tentar relaxar. A única coisa em que eu pensava enquanto estávamos andando pela floresta era no quanto Krica estava me perturbando. Eu não poderia perder o foco. Não agora que as coisas estavam começando a acontecer. Eu precisava me concentrar em proteger os habitantes do vale. Desci e encontrei Iana e Ansur na cozinha. — Coma alguma coisa, Arion. O sol já se pôs há muito tempo. Precisamos ir logo — Ansur disse me oferecendo uma xícara de café. — Você estava distraído demais hoje. Espero que não seja por causa daquela garota — Iana disse de forma áspera. Olhei para ela. Não estava com vontade de discutir com Iana
Revirei-me na cama sem conseguir dormir. Desci para pegar um pouco de gelo e colocar em meu tornozelo, mas não era exatamente isso que estava me incomodando. Não conseguia distinguir bem o que estava sentindo. Um desejo enorme de estar perto de Arion. Sentir seu braço me apoiando enquanto andava fez meu estômago formigar. E depois... Ele estava tão próximo que acabou me deixando confusa. Nem insisti ou briguei para que me dissesse o que acontecia nessa cidade maluca. Droga. Arion era um garoto muito lindo, acho que só por isso eu me sentia assim. Então não iria mais deixar o frio no meu estômago me dominar quando eu estivesse perto dele. Era só um garoto. Ouvi as batidas recomeçarem ao longe. Quando finalmente peguei no sono já estava amanhecendo. Levantei tarde, mesmo depois de alguns protestos carinhosos de tia Odete. Não fui à escola. E agora eu
Deixei Krica em casa e voltei para continuarmos com nosso ritual. Após terminarmos, chegamos na mansão com a claridade tímida do sol nascente. Tomei um banho frio fazendo um esforço enorme para não pensar na garota e em quanto nós estivemos próximos um do outro. Dormi um pouco além do habitual. Minhas forças estavam se esgotando. Saímos para fazer uma ronda após o almoço. Passamos em frente à escola, os alunos estavam saindo. Não vi a Krica. Passamos por algumas casas e ouvimos Isadora piando ao longe. Fomos até ela. Estava empoleirada num galho baixo e soltava o mesmo pio intermitente em som de flauta. Paramos em frente a casa da família Oliveira. — Ah não! A casa do Thiago. Jonas não pode fazer isso! — Iana cerrou os olhos e apertou os lábios com raiva. Thiago era o habitante mais jovem
Lembro-me de entrar novamente no quarto de Eanes. Lembro-me de sua mãe aparecendo na porta com um rosto ainda mais cansado. Não era a mesma que havia me recebido poucas horas antes. Ela estava muito pálida, com olheiras profundas e parecia mover-se com dificuldade. Olhei em volta. Não me lembrava desse quarto. Não me lembrava de ter entrado nele. Era um quarto muito simples. Uma cama, uma mesinha e uma cadeira. Com certeza eu estava na casa de Eanes, pois ao olhar pela janela vi o sol nascendo iluminando a área de piquenique. Só não entendia porque as janelas tinham grades. Eanes abriu a porta e entrou com uma bandeja de café da manhã. — Como se sente? — Não sei. To meio tonta. O que aconteceu? — Você devia estar muito cansada, pois deitou em minha cama e simplesmente adormeceu. Ainda estava