Krica desapareceu de repente. Eu estava atordoado. Não entendi o que ela pretendia fazer. Minha cabeça doía e havia sangue escorrendo por meu rosto. O céu estava encoberto por uma nuvem azulada que descia em forma de espiral em direção a Jonas e Gerd. Levantei-me com dificuldade e me aproximei dos dois. Gerd olhava para cima.
— O que faremos? Como vamos impedir que isso continue avançando? — eu perguntei para Gerd.
— Não podemos. Eu calei Jonas, mas elas continuam vindo em nossa direção.
— Mate-o, Gerd!
— Não antes de saber se posso.
A espiral de fumaça azulada estava descendo lentamente, mas estava muito próxima a nós. Jonas sorria debilmente ancorado ao chão pelo poder de Gerd. Krica reapareceu.
— Gerd! Mate-o!
Eu não queria sair dali. Não queria deixar os braços de Arion. Mas precisávamos voltar. Puxei o ar sentindo o frescor da manhã no alto da montanha. Limpei o rosto com as mãos. — Vamos para mansão. Não podemos ficar aqui pra sempre. Arion sorriu. — Bem que eu queria. Aparecemos na sala, mas não havia ninguém ali. Surgimos no quarto de Dami e Iana estava deitada ao seu lado. Os outros estavam em volta. Apesar de não gostar de Iana, meu coração partiu vendo a cena. Arion soltou minha mão e deu a volta na cama para chegar próximo à ela. Eu fiquei ao lado de Dami, com o coração apertado. — O que aconteceu com ela? Vocês não a curaram? — Os ferimentos sim. — Gerd disse. — Mas ela lutou
Eu não queria fazer isso. Queria correr atrás de Krica. Mas deixar Iana morrer não era uma opção. Sentei-me ao seu lado, apoiei meu peso esticando o braço sobre seu corpo e coloquei a mão sobre a cama entre ela e a Srª Ruschel. Inclinei-me devagar, tomando o cuidado de não tocar em nada além de seus lábios. Levei um susto. Levantei o tronco e olhei para o lado. A mão da Srª Ruschel agarrava meu pulso fortemente. Depois de alguns segundos soltou, caindo flácida para o lado. Olhei para os outros. Gerd e Eanes também viram, pois estavam tão assustados quanto eu. Gerd deslocou-se para o lado de Ansur. — Vá buscar Krica. — e vendo a expressão assustada de Ansur que nada entendeu, acrescentou: — Agora! Ansur desapareceu com cara de espanto voltando logo em seguida com Krica. Antes que qualquer um do
Eu estava no ponto de ônibus com minha tia e Bê esperando a condução que os levaria para a casa que alugaram no centro da cidade. Eles haviam ficado em nosso apartamento apertado até que encontraram uma casinha com um aluguel que conseguiriam pagar com o que Be receberia de seu novo emprego como inspetor do Educandário. Eles ficariam bem. Be ainda andava arrumadinho mas, pelo menos, voltara a me chamar de Krica. Tia Odete continuava um pouco triste, mas essa semana eu a vi sorrir com mais frequência. Não o sorriso bobo resultante da hipnose de Jonas. Mas um sorriso sincero. O ônibus encostou e os dois foram embora com promessas de visitas frequentes. Senti a presença de alguém e me virei esperando ver Arion, mas foi Henrique quem estava caminhando em minha direção. Achei aquilo bem estranho. — Oi. Eu fiquei sabendo que
Eu estava no telhado de um prédio amarelo ocre de três andares ao lado de Ansur e a senti chegar. Sentou-se ao meu lado e eu a abracei. Um vazio opressor tomava meu peito sempre que ela estava longe. Eu era completamente dependente da sensação de tê-la junto a mim. Ouvi um ronco conhecido vindo de longe e aproximando-se rápido. Olhei para a estrada e vi a moto amarela passando velozmente, indo em direção ao centro da cidade. Eu ri. — Como pode alguém que sabe levitar, aparecer onde quer na hora que quer, ficar tão apaixonada por uma moto quanto eu? — Krica disse sorrindo.— Elas sabem que não podem ficar gastando energia para ir à cidade. Eanes e Iana finalmente se entenderam. Não eram melhores amigas ainda, mas era um começo. Eu não podia dizer o mesmo em relação a
Eu estava sentada no banco ao lado da porta do diretor aguardando. Minha velha mochila jogada diante dos meus pés era uma afronta à perfeição do corredor imaculado. O piso, apesar de ser de vinil pisoteado através dos anos, brilhava refletindo as luzes das lâmpadas fluorescentes. O cheiro do desinfetante usado na limpeza me fazia lembrar um hospital. Eu não combinava com essa escola. Mas as minhas opções haviam acabado após ter sido expulsa de praticamente todas as escolas da cidade. Porém, para minha desculpa, não havia tantas escolas assim em Belo Dourado. Morava em uma cidade pequena. Pequena o bastante para conhecer a maior parte dos habitantes. Foi na cidade de Belo Dourado que nasci, cresci e vi minha mãe morrer atropelada por nosso vizinho bêbado. Eu acabara de fazer quatorze anos. Não suportei acompanhar o carro fúnebre que seguia em marcha lenta, levand
Era o fim da tarde de uma quinta feira. Olhei para trás e vi o céu tingindo-se de um laranja escuro. Eu adorava essa hora. O sol havia acabado de sumir atrás de nós. O crepúsculo jogando a longa sombra da mansão e das árvores que a circundavam pelo vasto gramado. Fechei os olhos, inspirei e absorvi o cheiro da brisa fria que começava junto com a escuridão, trazendo os aromas da floresta. Nosso ritual precisava da noite. Ainda não sabíamos o porquê. Havia muitas coisas que não sabíamos e minha maior responsabilidade era manter o vale seguro. Mesmo que significasse ficar tateando às cegas a procura de respostas. Nasci para defender e proteger os humanos de forças que nem eles mesmos conhecem. Levando sua vida na total ignorância, nem imaginam os perigos pelos quais passam e são salvos por mim ou por outros como eu. Não h&aa
Eu não me sentia muito bem. Uma dor de cabeça estranha estava se formando. E já era o quarto dia que ela chegava, pouco antes de escurecer. Subi pelas escadas ignorando se a velha rabugenta iria espiar pelo olho mágico de sua porta. Entrar pela janela requeria um pouco mais de esforço do que sair e não estava com saco pra isso. Meu pai ainda não havia voltado para casa. Entrei no banho pretendendo demorar o quanto fosse possível deixando a água quente cair em minha cabeça para amenizar a dor. Mal me molhei e meu pai bateu na porta do banheiro. — Krica, não demore. Preciso conversar com você seriamente. Ignorando, fiquei embaixo da água até meus dedos ficarem murchos. Vesti meu pijama e fui sentar ao lado do meu pai no sofá de tecido grosso marrom desbotado. A velha tv de tubo sobre a pequena estante exibia um comercial de
Ainda estava escuro quando voltamos para casa. Não precisávamos de mais de uma hora de sono para descansar. Quando a luz amarelada entrou pela janela do meu quarto eu já estava de pé. Tomei um banho frio, vesti meu jeans, uma camisa de malha preta e uma jaqueta de couro também preta. Calcei o coturno e desci para cozinha. Os outros ainda não haviam descido. Tomei meu café da manhã sozinho no silêncio que parecia encher todos os enormes cômodos da mansão. Saí fechando a porta suavemente para não acordar os gêmeos e desci a colina em direção ao leste. Queria ver o sol subindo, cobrindo o Vale da Morte com sua luz. Cruzei a estrada asfaltada e segui pelo gramado até o pequeno e frágil muro que dava uma falsa sensação de segurança aos que vinham ali apreciar a vista. A mil e duzentos metros abaixo, no pé de um precipíc