Arthur e sua irmã percorrem o Caminho do Bosque na carroça lentamente, evitando fazer barulho. Ainda próximo do início, encontram Marlon caminhando.
Marlon sobe na carroça que volta a se mover.
Marlon escuta. Fica um tempo parado, pensando e juntando cada palavra da frase: “A vila foi invadida” e “procurando sobreviventes”. Pensa “Que história absurda! Totalmente fora da realidade! Nunca houve história de invasão no Vale de Sheear. Vivemos tão longe de tudo, a floresta é tão perigosa, e nossa vila é tão pequena que não há esforço que recompense uma invasão. Não!”. Estas palavras foram repetidas por seus pais e outros adultos da vila em toda sua vida.
Ao terminar de falar, Marlon encara o amigo. Percebe que está calado e com uma expressão estranha. Seus olhos estão tristes. Sua irmã estava acuada e agora com lágrimas no rosto.
A resposta de Arthur fez o diafragma do amigo travar a respiração. Foi uma resposta seca. Um sinal de conflito na amizade. Seu amigo geralmente evita conflitos. Pensou que era melhor não questionar, deixando um silêncio no ar por um instante.
Marlon sente uma inquietação interna, seguida de um vazio. Ainda possui dúvidas sobre a veracidade da história. Assim, sua mente estava confusa, rejeitando qualquer plano de ação. Se for verdade, talvez seria a coisa correta pular da carroça e tentar salvar a sua mãe? Bem, talvez era melhor primeiro encontrar o seu irmão.
"Impossível!", pensou Marlon. "O mundo me engana? De repente tantas novidades que contrariam a realidade? Pensando bem, Arthur nunca foi de ficar inventando lorotas. E Bryan sempre ganha na brincadeira tão rápido, de forma suspeita. Ele e Cleuziou são irmãos. Podem possuir um segredo."
Depois de percorrerem um trecho do caminho, encostaram a carroça entre as árvores. Os três desceram e entraram em uma trilha. Passaram por um caminho inclinado para cima, com o chão de terra um pouco claro. No canteiro da trilha haviam muitas flores vermelhas pequenas, contrastando com a mata verde escura. O aroma era mais frio e agradável. Em poucos minutos, o percurso virou uma descida, cheia de grandes pedras, com raízes de árvores as envolvendo. Toda aquela natureza bela e exuberante acalmou a alma das crianças. Ailin parou de chorar. Finalmente sentiram o cheiro de água. Os sons pareciam ter um efeito mais profundo e contínuo. A terra foi ficando mais escura.
Marlon observa Arthur olhando dentro do lago. Não era possível ver muita coisa. Sua água era bastante turva.
Arthur franze os olhos. Observa peixes na água turva. Folhas grandes verdes flutuando sobre o lago. E, algumas plantas com o caule atravessando a água com suas raízes plantadas no chão submerso. Entre essas plantas, estranhamente havia uma ponta pequena de bambu verde para fora. Arthur começa a andar e olhar pelo chão próximo ao lago. Se agacha, observa o chão mais perto. Sorri! Olha para Marlon e Ailin e ri mais alto.
O silêncio permaneceu. Arthur fica pensativo observando as plantas. Então fala:
Tira a roupa e entra no lago extremamente gelado em um pulo, submergindo todo o seu corpo de uma vez. Sua pele enruga, o frio desce nas articulações e o seu queixo treme. O maior frio era sobre os seus ombros. Desconfortavelmente, nadou até o bambu. Ao abrir os olhos, vê Renan submerso no fundo de olhos fechados, tapando o nariz, e, com a boca no outro lado do bambu, utilizando-o para respirar. Ficou surpreso como ele conseguira ficar esse tempo todo nesse frio sem se mexer. Pela imagem cômica e a raiva por fazê-lo sentir esse frio, Arthur toma o bambu em um bote! Renan abre os olhos no susto. Fica sem ar e se levanta para fora d'água desesperado. Respira assustado e se depara com o amigo revoltado.
Marlon pensa, "ele está deixando-o curioso para não ir embora?". Ailin pensa, "Dois patetas!". Arthur veste a sua roupa rápido, ainda molhado, enquanto Renan sobe em uma árvore.
Renan desce com uma bagageira de pano. Abre-a e retira uma toalha e roupas.
Arthur balança a cabeça sorrindo e com raiva, enquanto sua irmã e Marlon riem. Arthur e Ailin suspendem o riso de cabeça baixa e triste. O garoto pensou: "até nesses momentos ele faz palhaçadas engraçadas que me tiram do sério". Assim, os quatro seguem de volta para a carroça, passando pelo belo caminho de pedras e flores.
O barulho da conversa despertou a atenção de uma miniatura de mulher que voava por ali. Ela se esconde e começa a observar as crianças.
Ao avistar o meio de transporte, Renan pergunta:
Renan sorriu com a pergunta. Sentia-se cínico, mas engraçado. Achou graça do sarcasmo do amigo e da situação. A fada olhou com olhar apático e de desdém, e então voou embora. Já Marlon, que sorria, subitamente, passa a segurar a respiração - nervoso. Haviam pequenas gotas de sangue no cabo da espada. Percebendo que a situação é séria, sua mente deixou de estar vazia e se preenche com preocupações. Seu foco passou a ser achar o seu irmão - o mais rápido possível. Se questiona sobre o que Arthur e Ailin já passaram - até há pouco tempo estavam tristes. O que há na cabeça desses dois? O que eles sabem?
Em menos de 10 minutos, chegaram na trilha do Grande Carvalho. Dessa vez, o chão era coberto por folhas secas. Andaram por 5 minutos em uma descida, onde encontraram as raízes da grande árvore germinando pelo chão - a partir dali, não havia mais nenhuma outra árvore no caminho, somente terra e raízes. Foram caminhando, em direção à origem das raízes. Caminhando mais e mais. As raízes ficaram maiores e mais grossas. Caminharam até que a largura de suas raízes ficaram maiores do que eles. Escalaram um dos ramos e prosseguiram por cima dela. Cada vez mais o caminho se inclinava, tornando-se vertical. Ailin ficou admirada pela forma incomum e gigante que as raízes faziam.
A árvore era tão áspera e grande que sua casca formava entradas fáceis para mãos e pés, as quais ajudavam a escalar. No meio da subida, perceberam que já haviam folhas verdes. Aquele ramo era de tronco e não de raiz. Ele era tão grande que tocava o chão. Depois de 5 minutos subindo, as crianças chegaram a uma parte meio plana da árvore. Era o centro do tronco principal. Havia uma brisa circulando seus corpos. Era possível escutar o eco dessa brisa passando pelas folhas. Também já era possível ver boa parte da floresta. Estavam acima das demais árvores. A vila também era visível. Mas, a visão era tão pequena, que não era possível ver a invasão. Eles estavam cansados.
Haviam dois troncos mais grossos que eles poderiam subir. Renan e Arthur foram para um deles. Marlon e Ailin foram para o outro. Embora os troncos fossem se afastando enquanto subiam, era possível ver uns aos outros. Já estava bastante alto, ao ponto de dar medo da morte. Mas, ao mesmo tempo, era agradável ver os amigos todos juntos ali.
Arthur e Renan encontraram o Laron em pé em um dos galhos, abraçado ao tronco - ele os encara desentendido, com seus olhos amarelos, misturados com a cor do mel. Seu cabelo escuro e ondulado, descia até as orelhas. Arthur pensa "Finalmente! Ele não cansa de ficar em pé?"
Arthur, antes de descer, pensa, "eles não sabem que este pode ser o nosso último momento no Vale de Sheear". Olha para Marlon e Ailin no galho do outro tronco. Observa como o amigo é atencioso à sua irmã. Também observa o ingênuo Renan - é esperto e inocente ao mesmo tempo. Todos são seus amigos de infância. Apesar de tudo, estava tendo um momento agradável. O cheiro parecia com o mesmo cheiro da árvore em que ele estava contando de olhos fechados na brincadeira. Assim, aproveitou para sentir todo o ambiente. Observou a expressão concentrada de seus amigos. Gostou da visão alta, do vento, das folhas, dos galhos e das suas expressões silenciosas e encantadas. Nesse momento de prazer, também surgiu a tristeza e o seu senso de responsabilidade:
Na descida, Renan estava indo muito devagar. No momento, era a criança mais nova do grupo, e o mais lerdo, o qual estava atrasando a todos. Para aliviar a tensão e pressão que sentia por ser o primeiro da fila, ele se agarra em uma das ramificações menores e a escala, permitindo que seus companheiros passem à sua frente. Enquanto escalava, percebeu que havia um fruto amarelo no ramo que ele se segurava. Era perigoso pegá-lo, pois o galho se inclinava horizontalmente. Precisaria se pendurar até lá. Na sua cabeça, vinham duas palavras "morte ou fruto", "morte ou fruto", "morte ou fruto". "Morte!", sorri enquanto se movimenta pendurado na direção do fruto, repetindo apenas "morte" nos seus pensamentos. Se deixou levar pela recompensa. Pendurado apenas pelas mãos, chega à fruta. Ao arrancá-la da árvore, a miniatura da mulher desperta de seu sono. Saí de sua cama voando com suas asas de libélula, abrindo o telhado de sua casa, que se fecha automaticamente como uma tampa. A sua casa fica no alto do grande carvalho, escondida junto ao tronco.
A fada, ao se deparar com Renan, raivosa, pergunta com rancor:
Renan fica uns 5 segundos escutando "devolva-me", mas seu cérebro apenas tenta digerir aquela imagem fantástica! A fada é incrivelmente bela! Sua asas são transparentes, seus cabelos eram loiros e seus olhos eram azuis radiantes. Sua cabeça começa a pensar devagar - havia deduzido antes que a voz da fada fosse de Ailin, por isso demorou para se recompor.
Encantado, ele tenta conversar.
A mente da fada travou por alguns instantes. Começou a conversar consigo mesma: "Comer? Ele vai comer e dividir? Está se dando de bandeja? A sorte bate à minha porta? Isso nunca aconteceu antes, por isso fiquei sem reação. É uma criança corajosa por escalar até aqui, e, bondosa por dividir sua comida. Sua alma é de ouro!". A fada muda o seu tom e sua expressão.
Uma alegria enorme tomou a fada. Renan se apaixonou ainda mais pelo seu belo sorriso. Pensava que aquela beleza era suprema tanto quando está com raiva, quanto quando está feliz. Enquanto estava hipnotizado, escuta o seu nome ser gritado: "Renaaan!".
O menino olha para fada, pensa que queria ficar a sós com ela. Mas, também sabe que algo importante está acontecendo com seus amigos. Então ele fala:
A fada diminuiu um pouco mais o seu tamanho e se escondeu dentro da camisa de Renan. Este ficou em euforia e envergonhado. Era muita coisa especial para um só dia. A menina que ele acabou de se apaixonar estava escondida em sua camisa. O menino guardou a fruta na bagageira de couro e desceu da árvore com extrema alegria. Não conseguia parar de sorrir.
Os dois riem. As crianças desceram e foram para a carroça. Andaram até o ponto combinado com o pai de Arthur e Cleuziou.
Você está me dizendo que a vila foi dizimada por um exército estrangeiro que ainda está lá?Sim.Por que só o seu pai sobreviveu?Renan, eu não vi tudo. Fugi!Isso é impossível! Vivemos no meio do nada! Não temos contato com o mundo exterior. E ainda é perigoso andar por aqui. Todo mundo sabe que há muitos lobos do lado de fora da vila.Não sei o porquê o ataque aconteceu. S
Sempre quis matar um semideus - comenta um outro homem parrudo, com ossos e cabeça larga. Suas bochechas rosadas eram chamativas, em contraste com seus olhos, que pareciam se esconder, baixos e fechados. Ele se diferenciava do restante da tropa. Seu cabelo era um loiro transparente avermelhado.Ninguém matará nenhum dos quatro aqui, Egil! Humberct, cuide do barba escura! Se Igvar não pode com ele, só você poderá! Acerte-o com força em regiões não letais: pernas, braço e barriga - diz um homem montado a cavalo, com sua voz imponente. Ele era o único em cima de uma cavalo.Egil se irrita com o comando de Whaldar. Observa Cleoziou. Reconhece que é um sujeito forte. S
Fazem 6 horas que Wilhelm cava com o galho na terra. Ele parou apenas algumas vezes para trocar a forma de pegar no galho, pois sentia dor em seu pulso. Sua dedicação e foco eram sustentados pelo medo. Era uma criança sozinha em um buraco totalmente escuro no meio da mata. Inconscientemente, prendia sua respiração - uma atitude instintiva para não chamar atenção. O medo estava presente nos seus pulmões e nas suas mãos. Cada movimento era ligeiramente discreto.Um raio clareou rapidamente o céu, fazendo-o suspirar. Fez-se um silêncio, seguido de um estrondoso trovão! Começava a chover. Wilhelm respirou fundo. Estava exausto! A criança baixou a cabeça, sentindo tontura. Parou para sentar. No descanso, logo apreciou o cheiro da terra molhada. Gostava desse cheiro. Sempre lhe remetia às brincad
Ainda era escuro, prestes ao amanhecer, quando o irmão mais velho saiu de casa com Renan em seu ombro. Sua irmã balança a cabeça fazendo uma careta de reprovação, como reação por não ser ouvida. Quando eles se afastam, ela corre atrás, os alcançando. Caminharam lado a lado por cerca de dez minutos, passando pelas ruas íngremes, até finalmente chegar em uma enorme casa curiosa. Suas paredes eram de pedras. Mas não pedras de formato uniformes como das outras casas. Variam entre cores de creme claro, quase branco, a tons avermelhados. Suas formas e tamanhos também variam. Umas quase poligonais - triangulares, quadrangulares, etc. Já outras, totalmente disformes. Contudo, impressionantemente, todas encaixando umas nas outras, parecendo um quebra-cabeça de pedras
Na noite anterior, a quilômetros de distância, sob o céu escuro, coberto de belas estrelas, Wilhelm escuta um uivar ecoando na floresta. Seus nervos se travam. O medo contrai o seu corpo, tornando a sua pele numa espécie de sensor sensível, conseguindo sentir a mínima brisa da noite com extrema precisão. Ele não sabe o que fazer. Resolve escalar as pedras próximas da cachoeira. No alto, deita no chão encolhido. Fica até a madrugada de olhos fechados, mas acordado, apenas desejando não ser visto, nem cheirado.Na manhã seguinte, Wilhelm acorda com o corpo duro e dolorido. Percebe o malefício que é dormir em cima de pedras. Desce-as ainda com medo. Atento, observa o ambiente em sua volta - muitas árvores, a queda d'água com seu barulho contínuo, e o riacho alimentado pela
Ao pôr do sol, Wilhelm corre veloz por uma estrada coberta de folhas secas - que são levantadas pelo rastro do vento de seu corpo veloz. O caminho é cercado por um corredor de árvores. A fada voa acima de seu ombro, o acompanhando.Lá - a fada aponta para um conjunto de casas de pedra branca no alto de uma pequena colina. - Pare!O menino faz uma parada brusca, levantando poeira. Franze os olhos para observar.Que casas estranhas! São bonitas, mas estranhas - afirma o garoto.Agora é hora de irmos devagar. Não podemos chegar tão rápido. Ir&aa
Mais uma vez, Wilhelm acorda pela manhã atrás da estátua. Ele verifica pela fenda se há alguém por perto. Depois, se levanta, e vai na direção de seu novo emprego. Passa a maior parte do dia trabalhando. Ordenha leite de vacas gordas, brancas com manchas, ou escuras. Enche garrafas de leite. Alimenta galinhas com grãos de ração dura. Mais uma vez, recebe três coxas de frango e um copo de leite no almoço. Mas hoje, ele guardou as três coxas, bebendo apenas um pequeno copo de leite.Depois do almoço, entregou garrafas de leite a todos os clientes. Na volta, parou no caminho, e deu uma coxa de frango para a senhora que pedia esmolas.Olá! Por quê estás no chão, e não trabalhan
Com um saco de pano preto cobrindo a sua cabeça, o garoto via apenas a escuridão. Sua respiração tornava o ar mais quente e abafado. Sentia a necessidade de coçar o nariz. Mas, suas mãos estavam amarradas para trás das costas. Nervoso, ele recolhe o polegar ao centro da palma da mão, reduzindo a largura do punho. Faz força para escapar da firme corda áspera. Se concentra na tarefa. Subitamente, o som do trinco metálico é produzido, seguido de um bater de porta, que ecoa em todo o ambiente. Sons de passos se aproximam. O garoto paralisa junto ao repentino silêncio.Dedos gelados tocam o pescoço de sua nuca. Em surpresa, o saco de sua cabeça é arrancado. A luz incomoda os olhos de Wilhelm - foram muitas horas vendo a escuridão. Quando ele se acostuma com a claridade, percebe que está e