O SEGREDO DO LOBO
O SEGREDO DO LOBO
Por: Lika
PIETRA - 1

Pietra

— Pietra, tu pode me passar minha outra espátula, por favor? Acabei de deixar cair a minha nessa fenda.

Ao lado da professora Doyle, Ruth — a assistente sênior de graduação

—, deu uma risadinha enquanto observava um crânio de veado pelo teodolito. Dois anos atrás, seria Ruth a estar fazendo buscas e pegar coisas no sítio, mas agora ela era mais experiente que eu, e era eu que corria atrás de nossa professora de mente confusa como um cachorro fiel.

Suspirando alto — porque meu suspiro nunca seria ouvido com a chuva forte do lado de fora da caverna — saí de debaixo da prateleira de pedra que estava usando como abrigo, passei pela abertura direto para a chuva torrencial. Essa era a terceira espátula que Frances havia perdido naquela m*****a fenda em poucos dias, e toda vez que eu enfrentava os elementos para substituí-la, o tempo estava pior.

Mantínhamos todas as ferramentas do local em um baú com fechadura do lado de fora da boca da caverna, o que significava que eu tinha que deitar de bruços e deslizar por um pequeno orifício enquanto a água barrenta escorria pelo meu sutiã e depois sair sob o vento uivante e a chuva forte, tudo para que minha conferencista doida pudesse perder suas ferramentas novamente.

Não era assim que eu imaginava que a arqueologia seria.

Quando comecei minha graduação na Universidade de Loamshire, tive visões em que circulava por locais exóticos de blusa branca e bermuda, ficando bronzeada enquanto descobria joias e tesouros reluzentes de civilizações perdidas há muito tempo. Eu quis tanto me afastar de DownMoor minha vida inteira. Quando adolescente, trabalhei duro para conseguir as melhores notas e fui aceita na Universidade de Cambridge, mas depois que meu pai morreu, tive que desistir da vaga para ficar por perto para cuidar da minha mãe. Desistir da vaga em uma das melhores universidades do mundo para morar com ela foi uma das coisas mais difíceis que já fiz, mas me consolava lembrando que pelo menos iria viajar para localidades remotas como parte da minha formação para desenterrar os restos do passado. Meus sonhos absolutamente não incluíam passar quatro das semanas mais frias da minha vida presa no meio da floresta DownMoor com Frances Doyle, a louca professora de arte rupestre neolítica.

E o pior era que eu só podia culpar a mim mesma. Todos os estudantes de arqueologia do terceiro ano eram obrigados a realizar uma viagem de campo de quatro semanas a um local de sua escolha em qualquer lugar do mundo. A universidade tinha relações com várias escavações em andamento, então tínhamos a nossa escolha de locais… Grécia, Itália, Egito, Equador, Austrália… Era o ponto alto do curso.

Eu solicitei um sítio de villas clássicas na Sicília e fui informada de que consegui a vaga. Mas isso foi antes de Becky Masters, a garota mais estúpida de toda a nossa classe, a garota com o cabelo loiro perfeito, nariz perfeito e risada perfeita, cujas notas passadas vinham apenas do fato de que ela estava transando com o professor de cerâmica clássica, ser atropelada por um ônibus.

Ela não morreu, mas seu nariz pequeno e perfeito teve que ser reconstruído e seu braço foi quebrado em três lugares. Pobre Becky, todos disseram. Presa no hospital com o braço quebrado e o nariz torcido. A pobre Becky, que perdeu a data limite para as inscrições e ficou presa em uma escavação na floresta DownMoor. Pobre Becky que realmente, realmente, queria mais do que qualquer coisa no mundo ir à Sicília com o Professor Hicks para estudar cerâmica clássica in loco… não havia um aluno que pensasse em trocar de lugar com Becky para que ela pudesse continuar o trabalho que a inspirava?

Esse foi o discurso que o professor Hicks me deu quando me chamou em

seu escritório e sugeriu que fosse eu a trocar de lugar com Becky.

— Tu é uma boa aluna, Pietra — ele disse. —Tenho certeza de que tu se destacará onde quer que esteja. Tu faria uma grande gentileza com uma colega, e eu definitivamente levarei isso em consideração quando chegar o momento de fazer sua recomendação para os seus estudos de pósgraduação.

Como eu era muito otária, gostava do professor Hicks e queria agradá-lo, e não queria ser a pessoa cruel que dizia “foda-se” para uma garota que acabou de ser atropelada por um ônibus, Becky pegou meu lugar na escavação da Sicília e, em vez de relaxar ao sol ao lado de um palácio minoico com minha amiga Katie, ou escavar tesouros faraônicos no Vale dos Reis com Sinead, fiquei presa em uma caverna inglesa encharcada, a trinta quilômetros de distância de casa durante o mês mais frio do ano.

Fumegando silenciosamente com a minha situação miserável, levantei a tampa da nossa caixa de ferramentas. Minha mão se fechou em torno de uma das muitas espátulas que tínhamos à disposição. Uma das primeiras lições que aprendi no sítio foi que um arqueólogo nunca iria muito longe sem uma espátula ou dez. Coloquei uma segunda no bolso de trás, sabendo que a professora Doyle precisaria dela inevitavelmente antes que o dia terminasse. O vento cortante chicoteou em meu rosto, o frio picando minha pele imunda.

Ajoelhei-me na entrada da caverna e deslizei para dentro, com os pés primeiro, puxando meu corpo através da abertura. A chuva batia no meu rosto, pingando na gola da minha jaqueta, gotas molhadas rastejando sobre a minha pele.

— Obrigada — disse Frances, mal olhando para mim enquanto agarrava a espátula e continuava a raspar as camadas de terra em seu quadrante. No quadrante oposto ao dela, Ruth e Max, os outros estudantes de graduação, estavam rindo enquanto observavam bordas de uma área de terra enegrecida que significava a posição de uma lareira. Eu fervi por dentro quando notei que as roupas de Ruth estavam quase todas secas e livres de lama.

Estávamos trabalhando em uma área elevada perto da parte traseira do complexo principal da caverna, acima do nível natural da água — assim, mesmo através da entrada era como subir em uma cachoeira, o local em si estava praticamente seco. Ali era claramente um piso para os habitantes neolíticos da caverna — funcionando como uma cozinha, a julgar pelas ferramentas de corte e pelas pilhas de ossos de animais que descobrimos. Raposas, pássaros e até ossos de lobos — de quando os lobos ainda eram comuns na Inglaterra — foram todos arrastados de volta à caverna e comidos. Os hábitos alimentares dos habitantes das cavernas neolíticas eram de particular interesse para Max, que estava concluindo sua tese sobre o assunto. E Ruth ficou satisfeita com as amostras de carvão e as sementes secas que encontramos no interior da lareira, que ela analisaria para sua tese de doutorado assim que voltássemos à universidade. Mas até agora, não tínhamos descoberto nenhum tesouro. Joias brilhantes, vasos gregos e máscaras funerárias douradas não eram abundantes em cavernas neolíticas, e isso significava que eu não conseguiria encontrar muito interesse no sítio.

Inclinei-me para ajudar Frances a raspar a camada restante de solo em seu quadrante. Quando rolei a ponta da espátula sobre a superfície, o canto de um pequeno osso ficou visível. Provavelmente era o osso da costela de uma raposa, a julgar pelo tamanho e formato, mas os ossos de animais não eram exatamente a minha área de especialização. Coloquei-o em uma pequena sacola, escrevi um número e o deixei no lugar para ser filmado com o teodolito — um instrumento de levantamento usado para criar um mapa tridimensional de todos os artefatos e características — uma vez que os outros terminassem de usá-lo em seu quadrante.

Enquanto trabalhava, vi Frances, o cabelo castanho bagunçado caindo do rabo de cavalo e derramando sobre os ombros, o rosto coberto de manchas de terra onde ela coçava o nariz ou empurrava os óculos sobre os olhos. Ela nem usava luvas quando cavava, e suas mãos pareciam estar permanentemente manchadas do solo escuro do chão da caverna.

— Que horas são? — ela perguntou distraidamente enquanto raspava as bordas do quadrante, as mãos enrugadas fazendo um trabalho especializado nos cantos da praça.

—Três e meia — eu respondi, puxando meu telefone do bolso e apertando os olhos para a tela. Não havia nenhuma recepção neste canto remoto da floresta, então meu caro smartphone tornou-se nada além de um relógio portátil pesado. Manchas de lama corriam pela tela de onde eu a observava freneticamente durante todo o dia, esperando ansiosamente o horário para que eu pudesse voltar para o acampamento e tirar minhas roupas encharcadas de lama.

— Oh! Tão tarde já?! Aquele novo guarda deveria estar aqui por volta das três. Ele já pode estar lá fora.

— O que aconteceu com Daniel?

O condado exigia que um guarda florestal nos acompanhasse durante toda

a escavação, ostensivamente para garantir nossa segurança, mas realmente para garantir que não danificássemos nenhum ecossistema florestal frágil. O guarda florestal Daniel Davies estava morando no acampamento conosco nas últimas duas semanas, embora ele não tenha passado muito tempo no local, preferindo passar seus dias inspecionando as trilhas e pontes nesta área da floresta. Ele era um cara alegre e muito divertido de se ter por perto. Ele também foi o guarda florestal que encontrou o corpo de Ben, então eu sentia uma conexão especial com ele.

— Ele recebeu um telefonema outro dia dizendo que seu apartamento havia sido arrombado, então ele teve que voltar para Liverpool — Frances respondeu. — Tu pode encontrar o novo guarda florestal? Ele provavelmente está vagando, se perguntando onde fica a entrada da caverna.

— Ou isso ou nos dando cruzes vermelhas por violações de saúde e segurança — disse Ruth.

Eu endureci com as palavras. A maioria dos arqueólogos tinha uma atitude blasé em relação à saúde e segurança no sítio, acreditando que seu “bom senso” impediria um acidente. Eu era o oposto. Era a única na equipe usando capacete nas cavernas. Eu queria mais procedimentos de segurança, mais palestras, mais equipamentos. Mas eu tinha minhas razões.

Uma centelha de pânico cruzou o rosto de Frances. Se um guarda florestal considerasse um sítio inseguro, ele poderia desativá-lo. Daniel era muito tranquilo, mas quem sabia como era esse novo guarda florestal?

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