JOSH - 5

Uma hora depois, eu estava deitado no meu colchão inflável, meu estômago roncando e uma pilha de anotações de campo no meu peito que eu deveria estar estudando. Mas, em vez disso, eu estava olhando para o teto e pensando em Pietra.

Eu fui rude com ela no trailer, quando ela me ofereceu chá. Fui ainda mais rude ao tentar obter informações dela sobre o sítio. Eu até flertei com ela um pouco, só para ver como ela reagiria. Certamente, ela devia sentir a mesma energia entre nós, a mesma atração mortal.

Bem, Pietra podia ser minha companheira, mas ela certamente não sabia disso. Ela era uma coisinha tímida, sempre mordendo o lábio em vez de dizer o que estava em sua mente. Normalmente, eu nunca estaria interessado em uma garota assim, tão ansiosa por agradar, tão desesperada por ser amada que nunca discordava de ninguém. Eu poderia dizer que ela queria me dizer para eu me foder com a minha atitude, ou foder a ela com o meu pau. Mas, em vez disso, ela se desculpava.

E então, quando eu a encurralei sobre sua pulseira, ela caiu em prantos e fugiu. A dor em seus olhos quando colocou a mão na tira de prata me destruiu. Algo a machucara muito, e tinha a ver com aquela pulseira. E, como uma idiota, eu havia forçado o assunto.

Isso nunca vai funcionar, eu disse ao meu cérebro. Não quero ficar com ninguém, muito menos com uma arqueóloga tímida. Fiquei sozinho a vida inteira, e é assim que tem que ser. Eu tenho minha própria dor para lidar. Não preciso de mais ninguém.

Tu é um idiota, meu cérebro sussurrou de volta. Talvez ela seja exatamente o que tu precisa.

**

A professora Doyle preparou um jantar de ensopado e batatas. O ensopado queimou até o fundo da panela e tinha gosto principalmente de carvão. As batatas estavam tão grumosas que poderiam soletrar NÃO ME COMA em braile. A equipe comeu em silêncio, embora estivesse claro em seus rostos que esse era o tipo de refeição que eu poderia esperar enquanto estivesse ali.

Depois do jantar, Frances entregou bebidas da geladeira e cada pessoa se estabeleceu em suas próprias atividades. Eu esperava que essa fosse minha chance de falar com Pietra e me desculpar por incomodá-la, mas quando eu estava prestes a me mover, Ruth se sentou ao meu lado e enfiou uma cerveja debaixo do meu nariz.

— Eu sou tão apaixonada por sustentabilidade — ela falou, enquanto colocava sua sidra em uma xícara de café descartável, que liberaria metano suficiente na atmosfera durante sua inevitável viagem ao fundo de um aterro para transformar a camada de ozônio em torno de sua cabeça estúpida em um guardanapo.

Afoguei meu desprezo e falei com Ruth educadamente, ouvindo com meia orelha enquanto ela tagarelava sobre o projeto Salve as baleias em que esteve envolvida na universidade. Meus olhos continuaram fixos em Pietra, que estava sentada no outro extremo do trailer, debaixo da janela, bebendo cerveja em pequenos goles enquanto enterrava o rosto em um romance de ficção científica. Ela usava um par de óculos de leitura que fazia seus olhos castanhos parecem ainda maiores.

— … e arrecadei dinheiro suficiente para pagar o combustível de um barco de apoio às baleias…

— Com licença — eu interrompi Ruth no meio da frase quando me levantei e fui até onde Pietra estava sentada. Max olhou para cima do jogo que estava jogando com Frances e me lançou um olhar horrorizado que claramente implicava o que ele pensava da minha decisão.

— Posso? — Fiz um gesto para o espaço ao lado dela.

— É um país livre — ela respondeu. Suas bochechas ficaram vermelhas quando eu me joguei ao lado dela, perto o suficiente para respirar seu cheiro intoxicante, mas não perto o suficiente para que realmente nos tocássemos. Ela colocou os óculos no nariz e continuou olhando a página.

— Tu está lendo Heinlein? — Olhei para o título do livro dela. “Um estranho numa terra estranha”. Um nó aumentou na minha garganta ao ler o título. Esse tinha sido um dos livros favoritos de papai.

Pietra assentiu.

— Relendo, na verdade. Eu amo todas as histórias de Heinlein. — Ela corou ainda mais, como se tivesse revelado algum segredo pessoal profundo.

— Eu também — eu disse. A eletricidade entre nós aumentou, me puxando para ela como duas cargas opostas. — Adoro o modo como Heinlen usa o caráter de Smith para forçar o leitor a ver seus próprios preconceitos.

Ela assentiu, os dedos traçando a borda da página.

— Exatamente. Li este livro pela primeira vez aos quatorze anos. A cada poucos anos, releio. E sempre consigo ver algo diferente. É isso que eu amo em Heinlen. As pessoas pensam que o livro é sobre Heinlen apresentando seu mundo ideal na forma da religião de Smith, mas não é nada disso. Ele está convidando tu a pensar, não a acreditar.

— Sim, é exatamente isso. Isso foi muito perspicaz. De quais outros autores tu gosta?

— Ah, vários. — Ela olhou para mim, então. Os olhos dela brilharam enquanto ela falava. — Li todos os autores clássicos de ficção científica, é claro. Asimov, H.G. Wells, Frank Herbert. Eu amo especialmente ficção científica quando ela se cruza com horror.

— Então, é um grande fã de Lovecraft?

— Definitivamente. Mil vezes Cthulhu do que qualquer vampiro brilhante. — Ela sorriu. — Eu gosto de alguns livros de fantasia. Escritores como Laurell K. Hamilton e Patricia Briggs, que pegam lendas antigas como vampiros e lobisomens e os trazem para o mundo contemporâneo. Há esse incrível autor chamado S. C. Green que escreveu uns livros sombrios de steampunk ambientados em uma Londres georgiana infestada de dinossauros. Meu amigo Derek me indicou. Ele está sempre me dando novos livros para ler. Ele está estudando mitologia, então gosta desse tipo de coisa.

— Qual é a sua criatura favorita?

— Lobisomens — ela disse instantaneamente. — Eu amo como eles são primordiais e protetores. Lobisomens são focados na família. Eu amo isso completamente.

Tu não faz ideia, pensei com tristeza, maravilhado com o destino dessa conversa. Apontei para a capa do livro amassada.

— Então tu tem esse livro desde os quatorze anos?

Pietra balançou a cabeça.

— Comprei esse exemplar em um sebo em DownMoor. Meu pai me deu uma bela cópia de capa dura no meu décimo quarto aniversário. Mas eu não o traria para um sítio. Meus livros são preciosos, especialmente os do meu pai.

— Uma mulher que fala ao meu coração.

Ela sorriu então, um sorriso genuíno que fez meu coração bater contra o meu estômago.

— Ah, é?

— Tenho uma pequena cabana na floresta de Sherwood — eu expliquei. — Eu vou lá quando não estou trabalhando. É muito pequena e muito básica. Não há recepção de celular e tu precisa tomar banho em um pequeno riacho do lado de fora. Mas eu mantenho todos os meus livros lá.

Na minha cabeça, imaginei-a sentada ao meu lado diante do fogo, os pés sobre os meus joelhos enquanto ela se recostava no sofá, um livro aberto no colo, aqueles óculos adoráveis ​no nariz.

Eu não voltei à cabana desde que papai morreu. Tudo ali trazia seu perfume, sua presença inconfundível. Eu não podia enfrentar estar lá sozinho. Mas a ideia de Pietra estar lá comigo fez uma viagem de volta parecer instantaneamente palatável. As coisas que poderíamos fazer naquele rio…

— Parece divino — disse ela, com a voz um pouco melancólica. — Moro com minha mãe em um apartamento em Crooks Crossing. Não há muito espaço, então tenho que guardar meus livros favoritos em caixas embaixo da cama. Mesmo assim, existem várias caixas escondidas no loft.

— Tu mora com sua mãe? Então seus pais são divorciados.

Pietra balançou a cabeça. Meu estômago afundou quando percebi o que isso provavelmente significava. Pietra desviou o olhar, todo o corpo endurecendo. A mão dela voou para o pulso, que a pulseira de prata ainda envolvia desafiadoramente.

— Eu tenho que ir — ela sussurrou, o livro caindo da mão dela e escorregando para o chão.

— Por quê? — A minha decepção foi transparente. Eu estava realmente gostando de conversar com ela. Eu queria descobrir mais sobre quais livros ela gostava, sobre sua família, sobre seus estudos e o que a fez querer ser arqueóloga.

Mas, por alguma razão, a morte de seu pai — porque só podia ser isso — a manteve fechada para mim. Mas não precisava. Estendi a mão para ela, disposto a dizer qualquer coisa para fazê-la ficar e falar comigo.

— Pietra. Eu sei como tu se sente. Meu pai…

— Eu só… Eu não consigo… — Ela pegou o casaco e se levantou, correndo pela porta do trailer e saindo para a noite molhada o mais rápido que suas pernas podiam carregá-la.

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