Anna acordou naquela manhã sentindo uma pontada no coração. Desde que Lewis veio pessoalmente entregar uma carta de Keenan informando que ele estava doente e precisava de cuidados em outro reino, ela não conseguia encontrar paz.Um mês havia se passado sem nenhuma notícia. Ela temia que seu noivo tivesse contraído a mesma doença que levou o pai dele. Não se lembrava muito bem do ocorrido, mas sabia que Benedict esbanjava saúde antes de cair doente de forma repentina — tudo por causa de um simples resfriado.A aflição não a deixava. Algo lhe dizia que Keenan precisava dela mais do que nunca. Se ao menos soubesse onde ele estava...Da janela do quarto, viu pequenos flocos brancos caindo do céu. A neve sempre tinha algo mágico. Observá-la trazia um conforto momentâneo, quase como uma promessa de renovação. Mas em Forwood, as promessas de dias melhores pareciam tão distantes quanto o brilho de um sol no inverno.A aldeia havia se transformado num lugar tenebroso. Com o duque de Bunterllin
Sinan balançou a cabeça enquanto encarava a última casa no alto da árvore. Reprimiu o desejo de arremessar uma pedra. Aquele idiota não sairia de lá nunca mais? A lembrança da última conversa entre eles surgiu nítida, como uma ferida aberta.Era logo após Keenan ter anunciado a toda aldeia que não vestiria mais o manto do rei dos ladrões.— Que história é essa de deixar de ser o rei dos ladrões? — Sinan irrompeu pela sala de reuniões, a irritação evidente em sua voz.— Não é história, é realidade. Só piorei as coisas — respondeu Keenan, sem olhar para ele. Pegou seu arco e flecha e o estendeu para o primo. — É seu agora.— Eu não quero isso. Tenho o meu próprio arco, você sabe disso.— Então vou queimá-lo.— Keenan! Que droga é essa? Dá para parar com isso? — Sinan explodiu, o tom cortando o ar. — Nada disso foi culpa sua!— Ah, não? — A voz de Keenan ecoou pela sala, carregada de dor. — Não é isso que minha cabeça me diz. Eu condenei Luca à morte... Eu mesmo tive que matá-lo!Sinan o
Os garotos apontaram as flechas para Milo no instante em que ele afirmou saber a identidade de Keenan. Sinan, que ainda mantinha a espada contra a cabeça do rapaz, o agarrou pelo colarinho da beca e o ergueu do chão como se ele não pesasse nada.Ninguém de fora do esconderijo jamais descobrira quem era Keenan. Isso era impossível.— Quem lhe disse isso, rapaz? — Sinan rosnou, o tom carregado de ameaça.Milo arregalou os olhos e segurou nos braços dele, os pés balançando no ar como se tentasse correr sem sair do lugar.— Espera! Eu sou vidente! É por isso que sei!— Vidente? — Sinan repetiu, os olhos semicerrados.— Sim! Por favor, eu posso explicar tudo. Só não me machuque! — suplicou o jovem ex-monge, claramente assustado.Sinan encarou os olhos escuros de Milo, procurando qualquer sinal de mentira. Ao invés disso, viu algo familiar: um brilho estranho, algo que só as pessoas que já perderam alguém carregavam.Ele soltou Milo, que caiu de pé na neve com um suspiro de alívio.— Como p
Quando Keenan finalmente saiu da cabana com o pai, o ar gelado do inverno o atingiu em cheio. Ele olhou para cima, observando o teto de madeira que cobria a aldeia, agora quase todo branco devido à nevasca. A estrutura, construída para protegê-los do frio implacável, permitia que a neve caísse em cascatas em algumas áreas específicas, como no centro do pátio. Ali, crianças brincavam, jogando bolas de neve umas nas outras.— Tio Keenan! — gritou uma voz infantil. — Tio Keenan saiu!Imediatamente, os aldeões pararam o que faziam e se voltaram para ele e Apolo. Keenan sentiu o peso daqueles olhares. Era como se o tempo tivesse congelado junto com o inverno.Ele coçou a barba por fazer, ajeitou os cabelos longos e, hesitante, deu um leve aceno para as crianças antes de seguir pela passarela em direção à casa dos pais.— Amor? — Apolo chamou ao entrar na casa. — Acho melhor você colocar mais um prato na mesa.O aroma da comida encheu o ar, fazendo o estômago de Keenan roncar alto. Ele pres
Keenan não sabia de onde vinha a força, mas ao ouvir que sua garota estava em perigo, sentiu-se como um urso prestes a atacar. Mesmo assim, conseguiu resistir à impulsividade de agarrar Milo e exigir respostas imediatas. Não era mais o mesmo homem que agia primeiro e pensava depois. Agora, ele buscava clareza e sabia que perguntar antes de atirar era o melhor caminho.Ele lançou um olhar rápido para os amigos, percebendo que todos pareciam prender a respiração, esperando uma explosão sua. Apenas Apolo, ao seu lado, mantinha uma expressão serena.— O que você sabe sobre Annabeth Riley? — Sua voz saiu calma, mas o olhar severo foi suficiente para fazer o jovem vestido de monge tremer. — Que tipo de perigo ela está correndo?— Eu sei que vocês dois se amam desde pequenos. Sei que ela é filha do ex-xerife. Mas o mais importante agora é você voltar. O rei tem uma certa fascinação por Anna, mas não é amor. Ele é incapaz de sentir isso. Para ele, ela é apenas um objeto de uso.— Aquele desgr
A carruagem parou em frente ao castelo, e Anna sentiu uma vontade irresistível de correr para o lado oposto. Esteban os aguardava na entrada, ansioso. O desprezo que ela sentia por aquele homem era ilimitado. A única coisa boa naquela cena era a ausência do duque, outro que também lhe causava um medo terrível.Como sempre, foi a última a sair da carruagem, relutante. Sabia que, para Esteban, convocar um almoço de última hora não era sinal de coisa boa.— Edward, senhora Riley! É sempre um enorme prazer recebê-los em meu castelo — disse o rei, com uma cortesia falsamente efusiva. Quem o conhecia bem sabia o quão exagerado aquilo era. — Senhorita Riley — completou, dirigindo a ela um sorriso estranho e amplo. — A senhorita é sempre uma visão encantadora.Anna respondeu com uma reverência breve, mas não retribuiu o sorriso. Não tinha intenção de disfarçar que não queria estar ali.— Vamos entrar! — disse Esteban, gesticulando para segui-lo. — Como sempre, aguardaremos na sala de estar en
Enquanto voltavam para casa, Anna abraçou Keenan com mais força, como se sua vida dependesse disso. Enterrou o nariz no pescoço dele e sentiu o cheiro de coco misturado com menta. Como sentia saudade daquele cheiro!Sem conseguir resistir, passou a ponta do nariz pela pele dele, e o sentiu estremecer. Ele havia evitado o caminho da aldeia para não chamar atenção e optou pela estrada mais curta. Anna apenas queria passar um tempo com ele, saber o que acontecera, e encher Keenan de carinho.Para o inferno aquela aposta que fizeram, agora não fazia sentido. A saudade que sentia dele era imensa, e não queria mais perder tempo com brincadeiras. Só o queria por inteiro. Após o aviso do duque, ela temia por tudo.Ao chegarem à mansão, Keenan saltou do cavalo e a segurou pela cintura, ajudando-a a descer. Anna o abraçou novamente e afastou a cabeça apenas para poder observá-lo. Notou as olheiras em volta dos olhos e a expressão cansada, também. Ele havia emagrecido.Podia julgar que ele realm
Milo sempre foi um rapaz alegre, embora sua história não fosse tão feliz assim. Crescera com sua irmã e mãe em um casebre entre a fronteira de Bunterlling e o reino de Gotril. A magia sempre esteve presente entre eles. Amara, sua mãe, os ensinou tudo sobre feitiços e bruxaria, além de explicar seus dons: ele nascera com a marca da Lua, um grande poder para prever o futuro, e sua irmã, Rhoslyn, herdara o poder de luz muito poderoso, o mesmo de Amara.Antes de sua mãe ser exterminada pelas irmãs — as três bruxas velhas das trevas —, ela escondeu ele e Rhoslyn para que as tias não os encontrassem.Isso funcionou durante algum tempo. Ele e a irmã passaram por muitas dificuldades, incluindo fome, até conseguirem se acostumar a viver sem Amara. Porém, quando a magia de Rhoslyn começou a se manifestar e ele começou a ter visões, algo se acendeu como um farol para as bruxas. Foi quando tiveram que se separar, e, quando se reencontraram, ela estava noiva e grávida do duque de Bunterlling.Milo