Capítulo 52

Keenan segurava o pai pelos ombros enquanto Sinan o carregava pelas pernas. Apito e Jordan iam na frente, abrindo caminho. Assim que entraram na aldeia, o grupo no pátio, ainda acordado, se levantou assustado, inclusive Gweneth e Tina.

— Ah, meu Deus! — Gweneth exclamou ao ver Apolo desacordado, com o corpo ensanguentado. — O que aconteceu?

— Acordem o William! Temos que fechar esse sangramento rápido! — gritou Keenan, seguindo direto para a ferraria.

Colocaram Apolo de barriga para baixo sobre uma bancada improvisada. Sinan o segurou pelos lados enquanto Keenan rasgava a camisa do pai e examinava a ferida. Por sorte, a flecha não atingira órgãos vitais. Gweneth apareceu com uma garrafa de bebida alcoólica e, sem hesitar, derramou o líquido na ferida.

Apolo gritou, se contorcendo de dor, mas Keenan e Sinan o mantinham firme.

— Eu estou aqui! — William anunciou, ofegante, ao entrar correndo.

O ferreiro acendeu as brasas, pegou um pedaço de lâmina e jogou bebida sobre ela antes de levá-la ao fogo.

— Fechem a porta! — gritou Sinan.

Jordan e Apito obedeceram, fechando o portão da ferraria. Keenan segurava os ombros do pai, o rosto molhado de lágrimas que ele nem percebera que derramava.

— Vai ficar tudo bem, pai, aguente firme — murmurou, enquanto William trazia a lâmina em brasa.

Quando o ferro tocou a pele, Apolo berrou, o som ecoando pela ferraria. Gweneth ajudava a segurá-lo enquanto a carne queimava. O cheiro era sufocante.

— Está quase — William disse, finalmente afastando a lâmina.

Keenan passou uma pomada gelada na ferida, aliviando a dor que transparecia no rosto do pai.

— Vou preparar um chá para ajudá-lo — avisou Gweneth, saindo às pressas.

Enquanto aplicava a pomada, Keenan sentia o peso da culpa apertar seu peito. Ele não conteve as lágrimas.

— O que aconteceu? — William perguntou.

— Era uma armadilha — respondeu, pesadamente. — O duque sabia o que eu fazia com o ouro do rei.

O ferreiro praguejou.

— Já ouvi histórias terríveis sobre esse homem.

— São mais que histórias — acrescentou Sinan, ácido.

— Meu pai estava com medo dele. — Keenan sussurrou, agora percebendo o quanto aquele temor era justificável. — Quando eu mencionei o duque, ele pediu para recuarmos. Mas eu ignorei... e agora Luca está morto e meu pai quase também.

Sinan se aproximou, firme.

— Keenan, isso não é culpa sua. Todos nós escolhemos ir.

— Escolheram porque eu os arrastei para isso! — rebateu, a voz embargada de dor.

Sinan segurou-o pelos ombros.

— Nenhum de nós teria sobrevivido sem você. Você fez o que achou certo.

Keenan não respondeu, apenas abaixou a cabeça, os soluços escapando de seus lábios.

— Você está exausto. Vai descansar um pouco? — Sinan sugeriu.

— Não. Vou ficar aqui com ele.

Sinan assentiu e saiu para acalmar a aldeia. Keenan sentou-se ao lado do pai, observando-o com atenção. Ele tocou a testa de Apolo, um gesto carregado de arrependimento.

— Me perdoa, pai — sussurrou, as lágrimas voltando. — Eu deveria ter escutado você...

Ele ficou em silêncio, os pensamentos girando. Pela primeira vez em sua vida, tentou rezar.

---

Mais tarde, Gweneth voltou com o chá.

— Como ele está? — perguntou, colocando o chá na colher e dando alguns goles a Apolo.

— Dormindo. A pomada ajudou — respondeu Keenan.

Gweneth o olhou com carinho.

— Seu pai me pediu em casamento... mas achei que você não aceitaria.

Keenan arregalou os olhos, sentindo a culpa apertar ainda mais.

— Vocês se amam. Deveria ter dito sim. Nunca é tarde para o amor.

Ela sorriu, emocionada.

— Você sabe o quanto nos importamos com você, não é? — disse, abraçando-o. — Seu pai vai acordar e dizer que isso não foi sua culpa.

— Ele provavelmente vai começar com um “eu te avisei” — Keenan murmurou, um sorriso fraco nos lábios.

Os dois riram baixinho, o peso aliviado, mesmo que por um momento.

Enquanto isso, Keenan refletia sobre tudo: o sacrifício de Luca, a ameaça do duque e o amor que sentia por Annabeth. Ele sabia que precisava de força para continuar, tanto por sua aldeia quanto por aqueles que haviam perdido tanto.

× ∆ ×

— Keenan! — exclamou June, o rosto pálido de preocupação.

Keenan desceu a passarela, franzindo o cenho.

Será que não podia ter um momento de paz?

Havia acabado de deixar o pai em casa, e os problemas já voltavam a assombrá-lo.

— Seja lá o que for, eu não quero saber — declarou, marchando em direção à ferraria.

— Você precisa ir até a floresta do Rei dos Ladrões agora! Jordan e Sinan estão lá. É urgente... é o Luca!

O mundo parou por um instante. Keenan congelou ao ouvir aquelas palavras.

Sem hesitar, subiu a passarela correndo, vestiu-se rapidamente e colocou a máscara. Pegou a aljava e partiu.

Ao chegar à floresta, Keenan subiu em uma árvore, juntando-se a Jordan e Sinan. Quando seus olhos finalmente focaram na cena à frente, seu coração apertou como nunca antes.

No meio da estrada, o corpo de Luca estava estendido em forma de X, preso por cordas. Ele estava desfigurado, o rosto quase irreconhecível. O homem gemia, lutando contra a dor insuportável.

Keenan prendeu a respiração. Nem na guerra ele havia visto algo tão cruel.

— Por favor! — gemeu Luca, engasgando no próprio sangue. — Acabe com isso... eu não aguento mais!

O pedido era claro. Keenan sentiu as mãos tremerem. Seu amigo estava implorando pela morte. Luca ergueu a cabeça com esforço, olhando diretamente para ele.

— Por favor... tem que ser você. Obrigado... por tudo.

Sinan colocou uma mão firme no ombro de Keenan, assentindo.

Com um nó na garganta, Keenan pegou uma flecha da aljava. Posicionou-a no arco e mirou.

— Me perdoe, Luca. É tudo culpa minha...

A flecha voou, certeira, acertando o coração de Luca. O corpo dele relaxou, a cabeça tombando. Silêncio.

Keenan abaixou o arco lentamente, os olhos marejados. Jordan e Sinan também abaixaram as cabeças, em respeito.

Assim que verificaram que a área estava segura, desceram da árvore. Com cuidado, começaram a desamarrar o corpo de Luca. Keenan notou um pergaminho preso em uma das árvores. Pegou-o e leu as palavras com uma raiva crescente.

" Minhas condolências ao chamado Rei dos Ladrões. Que pena por um garoto tão bonito. Espero que esteja satisfeito com suas ações. Lembre-se: cada morte será sua culpa. Desista agora, ou mais sangue será derramado.

Atenciosamente,

Rei Esteban de Forwood."

Keenan amassou o pergaminho com força, os punhos cerrados de fúria. Foi quando ouviram passos apressados. Apito surgiu correndo, a respiração ofegante.

— Não! Não! — gritou Lewis ao se aproximar.

Jordan tentou segurá-lo, mas o garoto se desvencilhou, correndo até o corpo de Luca.

— Acorda, seu idiota! — gritou, sacudindo o corpo do amigo. — Não ouse morrer assim! Vamos, levante!

— Lewis — Keenan chamou com a voz baixa, aproximando-se.

— Ele vai acordar! — insistiu Apito, os olhos desesperados.

— Lewis, acabou... — disse Sinan, firme, mas com tristeza. — Ele está em paz agora.

O garoto cedeu. As lágrimas vieram, violentas.

— Idiota! Eu te odeio! — gritou para Luca. — Por que você se meteu na minha frente?

Keenan se ajoelhou ao lado dele, colocando as mãos em seus ombros.

— Escute, garoto — começou, olhando nos olhos do menino. — A única pessoa culpada aqui sou eu. Qualquer um teria protegido você daquela flecha.

— Era para ser eu... — murmurou Lewis.

— Não. Era para ser ninguém. Mas agora, o que importa é honrar o sacrifício dele. Entendeu?

Apito assentiu, ainda soluçando.

— Vamos tirá-lo daqui. Vamos dar a Luca a despedida que ele merece.

× ∆ ×

A cremação ocorreu ao pôr do sol.

Cada um disparou uma flecha em volta do corpo de Luca antes que o fogo o consumisse. Lewis ficou ao lado das chamas, os olhos fixos, murmurando algo que só ele ouvia.

A aldeia mergulhou em luto. Keenan sentia que o peso daquela morte o esmagava.

— Eu falhei... — murmurou para si mesmo.

A fé se esvaiu. Pela primeira vez, ele havia sido derrotado — não apenas em batalha, mas como homem. Sua arrogância tinha custado a vida de um amigo, e o rei havia conseguido o que queria: destruir não apenas o líder, mas a esperança de todo um povo.

Keenan tirou a máscara e a jogou ao chão.

— Nunca mais... — prometeu.

× ∆ ×

E assim caiu o Rei dos Ladrões.

Um mês depois, o inverno trouxe escuridão para Forwood. A aldeia tornou-se mais sombria que qualquer reino jamais fora.

Com o Rei dos Ladrões derrotado, a esperança também se foi.

E o rei?

Ele sorriu.

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