● Por Alivia
Mais de um ano. Ela havia ficado em coma por mais de um ano.
A jovem Alivia havia perdido muitas coisas, havia perdido pessoas, pessoas que amava, que faziam parte da sua vida. E que agora estavam mortas e enterradas.
Ainda em estado de choque com as informações, Alivia pediu para que a mãe a deixasse sozinha, precisava pensar, precisava chorar e por pra fora o que sentia o quanto antes.
Após chorar pelo que pareceram horas a fio a jovem dormiu em meio a lembranças, lágrimas e pensamentos, nenhum bom.
Teve um sono conturbado, precisou que ser medicada duas vezes. Pelo que sua mãe havia lhe contado ela havia ficado em coma por exatos um ano e três meses, e como na época do acidente faltava uma semana para seu aniversário de dezessete anos, ela havia perdido além dele o seu aniversário de dezoito também.
Tudo havia mudado, tudo tinha sido destruído em uma única noite. Uma noite que ela não esqueceria. Estava marcada em sua alma para sempre.
Quando acordou, já na metade da manhã do outro dia, Alivia recebeu a visita da mãe, do médico e de Lin Mei, sua única prima.
Lin tinha descendência chinesa por parte do pai, e seus olhos negros eram puxados nos cantos, era uma jovem bonita, inteligente, meiga, e era, depois de Alivia, a melhor amiga de Paul. Era.
Tudo que se referia ao seu irmão estava sendo conjugado no passado.
--- Todos sentimos muito a sua falta!
Lin estava sentada em uma cadeira ao lado da cama onde Alivia estava, ela vestia uma calça jeans preta com uma blusa social branca, simples e bonita.
--- Estou muito feliz por você ter acordado... --- Seus olhos negros ficaram marejados --- Muitos já tinham perdido as esperanças... um ano é muito tempo, diziam.
Lin Mei secou uma lágrima que ameaçou cair, Alivia também tinha os olhos marejados, eles estavam sempre ficando úmidos. O tempo todo.
--- Mas você está aqui acordada e vai mostrar para todos que estavam errados, não vai? --- Lin segurou a mão da prima e a apertou de leve.
Alivia se arrependia de não ter dado tanta atenção a prima antes do acidente, Lin Mei sempre esteve lá para ela, assim como agora, mas... Alivia nunca tinha estado lá para a prima.
--- Eu... --- Ela desviou o olhar para suas mãos, agora ainda mais pálidas, sua aparência era doentia --- Eu não sei se vou conseguir... mas vou tentar. --- Respirou fundo e olhou para a outra --- Não vai ser fácil...
--- Nada nunca é fácil --- Lin sorriu, um de seus sorrisos confortadores, Alivia não sorriu mas suavizou ao máximo sua expressão.
Lin Mei merecia mais do que ela havia dado. Talvez pudesse mudar isso agora, ela queria fazê-lo.
--- Querida? --- Vanessa apareceu na porta com um sorriso de canto, discreto --- Falei com seu médico...
--- E...? --- Alivia e Lin perguntaram em uníssono arqueando a sombrancelha.
Apesar de serem muito diferentes fisicamente, as duas primas eram parecidas no jeito de ser. Parecidas demais para ter tão pouca intimidade.
--- E... daqui a quatro dias você terá alta! --- Exclamou, se aproximando da filha e segurando sua mão --- Vai poder voltar casa... --- Sorriu, mas Alivia não.
A ideia de sair daquele quarto e enfrentar o mundo era assustadora.
--- Eu... não sei se... --- A jovem ponderou por um momento soltando a mão da mãe --- Se estou... pronta, sabe?
--- Você... você não quer voltar, é isso, meu anjo? --- Vanessa tentou ao máximo manter a voz calma ---- Querida você não pode ficar aqui para sempre...
--- É, eu sei --- Alivia suspirou olhando a mãe nos olhos --- Não é que eu não queira voltar, eu quero, só não sei se estou pronta. --- Mordeu o lábio inferior --- Não sei se estou pronta para entrar em casa e não ver meu irmão...
Lá estavam as malditas lágrimas de novo, Alivia precisou passar a mão pelos olhos para afasta-las.
--- Você não vai estar sozinha, Ali... --- Lin sorriu se aproximando um pouco --- Seu irmão não ia querer te ver assim. --- Alivia a encarou por um longo tempo, seus olhos azuis com um forte tom de cinza estavam frios e tristes.
Lin Mei tinha razão. De algum modo, a prima estava sendo um apoio que Alivia não esperava. Isso era bom?
--- Eu não tenho opção, não é? --- Ela olhou para a mãe e depois para a prima --- Se eu não superar, sou superada. --- Repetiu a frase, que muitos julgavam egoísta, dita por sua avó uma vez.
--- Não diga isso... --- Vanessa pediu olhando a filha e se lembrando da própria mãe, então pareceu lembrar de algo --- Filha seu pai ligou, quer falar com você.
Vanessa remexeu na bolsa preta e pegou o celular, entregando para Alivia, que suspirou antes de fazer a ligação, os pais da jovem eram divorciados a sete anos, e sua relação com o pai não era das melhores, mas não era ruim.
Os quatro dias passaram rápido, a hora de receber alta e voltar para casa havia chegado, mas Alivia não estava feliz em voltar para casa, não estava feliz com nada.
Ela não queria ter acordado daquele coma, se não tivesse as pessoas que mais amava ao seu lado por qual motivo continuaria viva? Não achava uma resposta para aquela pergunta, talvez não quisesse achar. Talvez sua mãe fosse a resposta.
Enquanto tomava banho naquela manhã de sábado, Alivia percebeu que agora tinha duas cicatrizes, uma na coxa direita e outra na clavícula, marcas do acidente, mas as marcas de sua alma eram bem maiores.
Ela suspirou e começou a se arrumar, vestiu as roupas que sua mãe havia lhe trazido, um calça jeans preta, um moletom cinza e tênis brancos, saiu do banheiro com o cabelo preso em um rabo-de-cavalo frouxo e mal amarrado.
Não estava mais acostumada com cabelos longos e mal havia conseguido prende-los.
--- Pronta? --- Vanessa perguntou com certa esperança, estava esperando a filha no quarto onde ela ficou por tanto tempo, a mulher vestia uma saia longa cinza e uma blusa preta --- Vamos, filha?
--- Sim. --- Alivia não sabia se estava realmente pronta mas sabia que era isso que sua mãe queria ouvir, então simplesmente disse.
O caminho do hospital até a casa delas foi silencioso, não havia o que conversar. Vanessa parou o carro na entrada da casa e respirou fundo, sabia que seria difícil para a filha voltar a viver depois de mais de um ano em coma, e ainda mais sem as pessoas que mais amava e que mais lhe davam apoio.
Mas ela queria ser esse apoio para a filha.
Alivia não percebeu mas, ao lado de sua casa seus novos vizinhos estavam se mudando. Durante o tempo que ficara em coma a casa ao lado, que estava sempre vaga, havia sido vendida. E alguém a observava.
● Por Joshua
Enquanto tirava suas coisas do porta-malas do carro o rapaz observou o carro da senhora Vanessa parar em frente a casa, a porta do lado do motorista foi aberta e a mulher desceu, depois a porta do carona foi aberta também, e uma jovem desceu.
Por um momento ele ficou ali, parado, com a caixa na mão, nem escutava sua mãe lhe chamando.
A jovem tinha uma palidez impressionante e justamente naquela aparência doentia ele viu beleza, os olhos azuis tristes, sem brilho, as enormes olheiras embaixo dos olhos, o cabelo longo mal preso e as roupas largadas e escuras davam a ela um ar diferente de qualquer coisa que já tinha visto e quando deu por si a jovem já tinha entrado na casa.
--- Nossa... --- Sussurrou para si mesmo saindo do transe e seguindo para dentro da casa.
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