Apesar da amizade forte, Carla visitou Fabíola uma única vez, há dois anos e não era de fato uma visita, de fato não era aquela coisa de almoço de fim de semana ou de visita pelo simples prazer de ter a amiga por perto; era só uma passada para fazer um trabalho. Gostavam mesmo de se ver em festas, baladas, bares, Carla era uma grande entusiasta da bebedeira iniciada na torre de chopp e finalizada no tilintar do gelo no fundo do copo plastico de caipirinha, sempre de morango e bem docinha, obrigada, passar bem! A primeira visita pelo prazer da conversa acompanhada de uma sacola com quatro latinhas, era como a manutenção de uma tradição.
— Adoro duplo malte — Fabíola confessou após o primeiro gole.
— Dois mil reais, no mí
Devia seis mil e cem reais, não só isso, a dívida era maior, aquele valor era só o exigido no momento. Tinha dois mil no cartão e agora receberia mil de Carla, ficariam faltando apenas três mil e cem para completar o valor exigido para não virar puta.— Amiga, foi bom te ver — Carla se espreguiçava, levantou do sofá —, mas eu já tenho que ir.— Tão rápido assim?— É, eu entrei num projeto de iniciação científica e tô fazendo um estágio, então, já viu, né? Tô atarefadíssima.Fabíola a acompanhou até a saída.
Subiu ao próximo andar desobedecendo sua própria regra de não correr nas escadas, entrou em seu quarto batendo a porta, abriu seu guarda roupas e pegou sua latinha de bombons — abriu-a. O cartão de crédito não estava ali, Fabíola gritou bestial com a cabeça erguida, os meninos se assustaram e correram até ela.— O que aconteceu? — Caíque quis saber.— Voltem pro quarto e não saiam, eu volto logo.Fabíola saiu de casa, subiu a rua 13 de maio, virou a esquina na Rua do Orador Cego e seguiu, ademais para o fim da rua, chegou no número cem, numa igreja evangélica. O local estava de portas abertas, apenas o pastor habitava ali em seu lugar no altar, de cabe&cc
Fabíola afastou a mesinha de centro e estendeu um lençol em cima do tapete, colocou as crianças deitadas lá, depois correu até a cozinha e pegou a maior faca e uma cadeira, que arrastou para a frente da escada e sentou-se. Pegou o celular e ligou para a polícia, sua ação foi tão impulsiva, motivada pelo medo, que sequer pensou nas consequências de pedir por esse auxílio, chegou a se arrepender, porém, já estavam a caminho.As autoridades chegaram faltando vinte minutos para às cinco horas da manhã e foram direto ao quarto, depois conferiram o restante da casa; não encontraram nenhum tipo de invasor. Fizeram todos os procedimentos, vasculharam as redondezas, pediram a descrição da invasora e avaliaram os sinais de agressão:
Ainda na rua, antes de sair de dentro do carro de Roberto pôde ver as janelas da cozinha e da sala num brilho dourado, saiu de casa com tanta pressa que esqueceu as lâmpadas acesas, embora jurasse tê-las apagado. Sua relutância de adentrar a moradia fora tão ou mais forte que a resistência de entrar na casa do pai. Poderia dizer: tudo bem, nada saltará para me devorar, entretanto, não devia, sabia que não era verdade. Restava-lhe assumir sua posição de adulta e, numa conduta madura, enfrentar o monstro, mesmo que com medo. Só assim as coisas se arrumariam, não podia esperar que os mais velhos viessem e resolvessem tudo, porque agora ela era o mais velho com pessoas indefesas acreditando em seu discernimento.Como já esperava ser surpreendida, não sobressaltou com o estado da casa quando entrou.
Ela bebeu um litro inteiro de chá de camomila, depois subiram para o primeiro andar. Frente a porta, Fabíola parou, com a mão envolvendo a maçaneta, respirou fundo; estava tremendo.— Deixa que eu faço — Roberto prontificou-se.— Não, eu faço. Preciso fazer — empurrou a porta com a força bruta necessária para assustar a invasora. Viu, na pouca luz amarelada dos postes da rua, sua mãe com a cabeça e braços pendurados na guarnição de alumínio, o tronco no vão entre a janela e o mandacaru, as pernas entrando entre os gomos espinhosos e aquela criatura horrenda com seus pés enormes sobre a barriga e peito de Maria. — Mãe! — estrondou. Roberto levou Maria até seu quarto e a deitou, ela respirava, no entanto não acordava. Fabíola pegou um rolo de papel higiênico, um pano, um pote com água, uma barra de sabão e uma toalha de rosto limpa.— Me ajuda a despir ela — Fabíola pediu. O sangue de Maria encharcou a cama inteira.— Temos que chamar uma ambulância.— Temos, mas não devemos; como vamos explicar isso! Vão achar que torturamos ela.Com a mãe vergonhosamente só em lingerie, Fabíola começou a limpar suas feridas com a toalha e o sabão. Era verdade, poucos vestígios de admiração sagrada sobraram em Fab&XIV
— Desgraçada! — Fabíola agarrou o abajur e ao saltar da cama acertou a coisa.A criatura ficou contra a porta do quarto, trancada. Roberto acordou imediatamente, levantou numa rapidez que lhe deu tonturas, uma enorme espinha já crescia em seu pescoço:— Que droga — sussurrou.— A corda — Fabíola ordenou.Roberto pegou a corda dentro do guarda roupa; encarou a criatura. Aquela coisa estranha se posicionava como um animal preparando o ataque, de gatinhas, os olhos fixados no inimigo.Roberto avançou. Ela se esquivou num salto, fincou as garras no teto, se pendurando por instantes, l
— Ai, desgraçada. Roberto!Ainda um pouco tonto, Roberto conseguiu amarrar os pulsos e pernas da invasora, com uma única corda.Fabíola acendeu a luz do quarto; a mulherzinha se debatia, tentava, igualmente, morder a corda, não tinha dentes, no entanto. Ficava esfregando a gengiva cinza no nó.— Que horror, chega disso — Fabíola pegou um cachecol vermelho e amordaçou a criatura — assim ela não machuca a boca. Pior que na minha cabeça ela tinha presas.— Deve ter sido um sonho — Roberto falou se encostando à parede. Seus olhos estavam inexpressivos.&mda