Capítulo 3
Luna A escuridão que me engoliu foi curta, mas sufocante. Quando acordei, o ar tinha um cheiro novo, couro, madeira polida, e algo mais… perigo. Estava deitada em um sofá de couro escuro, a luz amarelada da luminária ao lado projetando sombras longas nas paredes. Um lugar elegante, silencioso. E estranho demais para ser meu. Me sentei devagar, o coração disparado. Os sapatos tinham sumido. Minha bolsa também. Mas minhas roupas estavam intactas, e isso, por algum motivo, me tranquilizou. Por um instante. — Bom dia, Bella. A voz veio de um canto da sala, baixa, controlada. Dante. Ele estava ali de novo. Sentado em uma poltrona de veludo, um copo de uísque entre os dedos. Terno impecável, cabelo arrumado, olhar predatório. Me encolhi por receio. — Luna, você está com medo? Ele perguntou com a voz rouca, se aproximando devagar de onde estava. Queria sumir, desaparecer, mas reagi com perguntas. . — O que você quer de mim? O que sou para você? — Disse com raiva e curiosidade. Dante parou bem diante de mim. A proximidade era insuportável. Quente. Intensa. Ele se abaixou um pouco, mantendo os olhos nos meus. — Você é a chave. A entrada que eu precisava. Mas, principalmente... você é interessante. E eu não deixo nada interessante escapar. — Mesmo sabendo que mudei de assunto drasticamente, ele respondeu, o que me surpreendeu. O que aquilo significava? Eu não sabia. Mas, naquele instante, o medo e a raiva começaram a se misturar dentro de mim com um sabor perigoso. — O que vai fazer comigo? — Perguntei com um gosto amargo na boca . Ele se afastou, pegando o celular e digitando algo rápido. — Nada que você não permita. — Isso soa pior do que qualquer ameaça. — Mas é a verdade. Você ainda tem escolhas, Luna. Pode colaborar. Pode lutar. Pode fugir, se conseguir. Mas entenda: estamos em guerra. E guerras... não perdoam inocência. Meu corpo ainda tremia, mas por dentro, algo começava a se endurecer. Eu tinha caído naquele mundo sem pedir, mas não ia ser fraca. Não ia ser usada, por Marcelo, por Dante, por ninguém. Levantei-me, encarei-o com tudo o que ainda me restava de orgulho. — Então vamos dançar essa guerra, Moretti. Mas que fique claro: eu caio lutando. O sorriso dele foi quase gentil, mas os olhos não acompanhavam. — É isso que eu espero de você, Bella. E assim começou o jogo. Dante se afastou, deixando o copo de uísque sobre a mesinha de centro antes de caminhar em direção à porta. Eu o segui com o olhar, meus músculos ainda tensos, meu corpo dividido entre o impulso de correr e o de entender mais. Algo me dizia que ele não mentia. Ou, pelo menos, não do jeito tradicional. Ele distorcia a verdade como um artista molda o barro, até ela tomar a forma que lhe convinha. Antes de sair, ele se virou e disse, com a voz baixa: — Você tem um quarto no andar de cima. Suas roupas estão lá. Comida, também. Banheiro privativo. Por enquanto, é melhor não tentar sair. Não por mim... mas pelos que estão do lado de fora. — E então ele desapareceu pelo corredor, deixando-me sozinha. Sentei de novo. Desta vez, com mais controle. Observei cada detalhe da sala: os livros nas estantes, todos alinhados por cor; a pintura de um porto italiano no centro da parede; o carpete grosso sob meus pés descalços. Nada ali era improvisado. Era o covil de alguém meticuloso. E perigoso. Levantei com cautela e explorei o andar superior. O quarto era espaçoso, decorado em tons de cinza e vinho. Sofisticado demais para ser aconchegante. Em cima da cama, uma muda de roupas dobrada com precisão militar: uma calça jeans escura, uma blusa de linho azul-marinho, roupas íntimas novas. Peguei as peças com desconfiança, mas o conforto de um banho quente falou mais alto. Enquanto a água escorria pelo meu corpo, tentei organizar os pensamentos. Marcelo realmente teria me usado? Por que eu? Eu era apenas uma assistente. Uma funcionária eficiente, mas não exatamente indispensável. Ou talvez... exatamente por isso. Discreta. Invisível. Fácil de manipular. A raiva cresceu no fundo da garganta como fel. Me vesti e desci novamente, encontrando a cozinha ao lado de uma área envidraçada que dava vista para um jardim interno. Havia comida sobre a bancada: pães frescos, queijos, frutas e café ainda quente. Sentei com hesitação, sem saber se estava sendo observada. E estava. — Você se move como alguém que está se preparando para fugir — a voz dele cortou o silêncio de novo. Dante estava encostado no batente da porta, braços cruzados, observando como se eu fosse um enigma a ser decifrado. — E você me observa como se fosse um predador esperando o momento certo de atacar. — Talvez eu seja. Mas não por maldade. É instinto. — Ele se aproximou e se serviu de uma xícara de café. — Você tem um bom faro. Vai precisar dele daqui pra frente. Sustentei o olhar dele. — Você vai me obrigar a trabalhar pra você, é isso? — Não. — Ele bebeu um gole antes de continuar. — Vou te dar informações. E você vai decidir o que fazer com elas. Mas saiba que, seja qual for a escolha... não há volta. Silêncio. Dante colocou um envelope sobre a mesa. Meu nome estava escrito à mão na parte da frente. — Quando terminar o café, abra. Depois, venha até a biblioteca. Temos muito o que conversar. Ele saiu sem esperar resposta. O envelope queimava sob meus olhos como um segredo prestes a se revelar. Respirei fundo, terminei o café e, com mãos firmes, o abri. Fotos. Várias. De Marcelo. Em encontros com homens que não pertenciam à nossa organização. Em reuniões noturnas. Com envelopes sendo trocados, malas... armas. E então, meu rosto. Uma foto minha, tirada do alto, entrando no escritório naquela mesma noite. Na legenda: "Pronta para ser descartada". A sala girou por um instante. Mas eu não desmaiei. Não gritei. Apenas... respirei. Profundamente. Como se algo dentro de mim tivesse quebrado. Ou se revelado. Levantei, levei o envelope comigo e fui até a biblioteca. A guerra tinha começado. E se Dante achava que eu era apenas uma chave... ele ainda ia descobrir que eu também podia ser uma arma.Capítulo 4LunaA biblioteca de Dante era diferente do resto da casa, mais escura, mais densa, com estantes que iam do chão ao teto, cheias de livros antigos, muitos deles com lombadas em línguas que eu não reconhecia. Ele estava de pé, de costas para mim, olhando pela janela como se o mundo lá fora oferecesse algo melhor que o caos dentro daquela casa.— Já viu o suficiente? — ele perguntou sem se virar.— Vi o suficiente pra saber que você quer me usar tanto quanto Marcelo. — Me aproximei, sem medo. Já tinha ultrapassado essa fase. — A diferença é que você me contou antes. Pontos pela honestidade.Dante virou-se devagar. Seus olhos percorreram meu rosto, meu corpo, como se procurassem sinais de fraqueza. Mas eu estava firme.— Você é rápida. Gosto disso. — Ele apontou para a poltrona à frente da mesa. — Sente-se. Quero te mostrar por que ainda está viva.— Porque sou útil.— Porque é valiosa. E há uma diferença aí, Luna. Uma ferramenta é útil. Mas algo valioso... precisa ser protegi
Capítulo 5LunaO sol mal começava a nascer quando a porta do meu quarto se abriu com um leve rangido. Nenhuma batida, nenhum anúncio. Apenas uma figura feminina entrando em silêncio com uma bandeja de café da manhã.— Bom dia, senhorita Luna — disse, com um sotaque leve. Cabelos escuros presos em um coque firme, uniforme impecável. Olhos atentos, mas sem julgamento.— Você trabalha para ele? — perguntei, sentando devagar na cama.— Trabalho para esta casa. O senhor Moretti me pediu para garantir que estivesse bem alimentada. Disse que hoje seria um dia importante.“Importante”. A palavra ficou pairando no ar, carregada de peso. Suspirei, empurrando as cobertas para o lado. Vesti o roupão de seda que alguém — provavelmente ela — havia deixado dobrado sobre a poltrona, e caminhei até a bandeja. Café quente, pão fresco, frutas cortadas com perfeição. Nada combinava com a ideia de cárcere. Mas, de alguma forma, tudo era ainda mais perturbador.— Qual seu nome?— Chiara.— E ele... sempre
LunaO carro avançava pelas ruas de São Paulo. Dante dirigia em silêncio, os olhos presos na estrada, mas cada centímetro do seu corpo parecia alerta. Eu observava a cidade passar pela janela, familiar e estranha ao mesmo tempo. Sabia que, ao final daquele dia, tudo poderia mudar de novo.— Para onde estamos indo? — perguntei, finalmente quebrando o silêncio.— Para um dos nossos armazéns. Quero que veja como funciona uma parte do que sustenta essa guerra — ele respondeu, sem tirar os olhos da estrada. — E também quero que conheça algumas pessoas importantes. Pessoas que você talvez precise liderar um dia.Engasguei com a última parte da frase.— Liderar? Está brincando, certo?Ele lançou um olhar rápido na minha direção, um meio sorriso nos lábios.— Estou sempre sério quando se trata de você, Luna.O silêncio voltou, mas dessa vez mais carregado. Quando chegamos ao local, um galpão aparentemente abandonado, guardas armados abriram o portão sem questionar. Lá dentro, a movimentação e
Capítulo 7LunaO relógio marcava 10h43 quando Dante me conduziu a um dos andares inferiores da mansão. A escada era de mármore negro, e as luzes suaves dos abajures de parede davam ao ambiente um ar quase sagrado — como se estivéssemos entrando em um templo. Ou em uma câmara de verdades perigosas.Caminhamos em silêncio. Ele não me disse para onde íamos. Eu também não perguntei. Estava ocupada demais tentando conter a sensação de que o chão estava prestes a ruir debaixo dos meus pés.Quando as portas duplas se abriram, dei de cara com uma sala de arquivos. Moderna. Vidros blindados, gavetas digitalizadas, monitores embutidos nas paredes. Parecia mais o centro de controle de uma operação do governo do que parte da casa de um mafioso.— O que é isso? — murmurei, sentindo o estômago apertar.— Seu passado. E talvez, seu futuro — ele respondeu, caminhando até um dos painéis e digitando um código.A tela piscou, revelando um perfil. O meu.Meu rosto. Meu nome completo. Meus dados. Mas con
Capítulo 8LunaEu achava que estava apenas sobrevivendo — me mantendo inteira em um mundo que tentava me consumir. Mas a verdade é que, dia após dia, algo dentro de mim começava a ceder. A mudar. Era sutil, quase imperceptível. Mas era real.A manhã começou como as outras desde que cheguei ali. O sol filtrando pelas cortinas pesadas, o silêncio denso da casa me envolvendo, e Chiara entrando pontualmente com meu café da manhã. Mas havia algo diferente nela naquele dia — um brilho nos olhos, como se estivesse à espera de algo.— Bom dia, senhorita Luna.— Pode me chamar só de Luna, Chiara — respondi, sentando na cama.Ela sorriu de leve. Sempre contida, mas nunca fria. Havia uma doçura escondida por trás daquela postura rígida.— Hoje você terá um dia fora — disse, ajeitando a bandeja sobre a mesa lateral. — O senhor Moretti pediu que se preparasse para sair com ele. Disse que quer que você veja como tudo funciona de verdade."Como tudo funciona." As palavras ecoaram como uma promessa.
Capítulo 9LunaO jantar daquela noite não foi servido na sala de refeições habitual. Em vez disso, Chiara me conduziu até um salão mais amplo no andar inferior da casa, cujas portas de madeira esculpida eu sequer tinha notado antes. Quando se abriram, fui recebida por um ambiente elegante e sombrio — luzes baixas, uma longa mesa de madeira escura e seis homens sentados ao redor dela, todos me observando com atenção.Dante estava de pé na cabeceira, de terno preto e expressão impenetrável.— Boa noite — disse ele, com um aceno sutil. — Senhores, essa é Luna Santiago. A mulher que Marcelo tentou enterrar junto com os segredos dele.A sala ficou em silêncio. O tipo de silêncio que pesa sobre os ombros. Senti meu coração acelerar, mas me mantive firme. Dante se aproximou e puxou a cadeira ao seu lado.— Sente-se. Eles precisam te conhecer... e você precisa ver com quem está lidando.Obedeci. Os olhos dos homens — alguns frios, outros avaliadores — me seguiam com intensidade. Não havia re
Capítulo 10LunaA frase dele ainda ecoava dentro de mim como um trovão contido: “Você é uma sobrevivente.” Eu havia ouvido elogios antes — falsos, vazios, sedutores. Mas aquelas palavras não foram ditas para me agradar. Foram um diagnóstico. Um veredito.Voltei a olhar para a cidade. As luzes dos prédios pareciam estrelas em queda. E por um segundo, desejei que tudo aquilo não fosse real. Mas era. Eu estava ali, ao lado do homem que deveria ser meu inimigo, tentando entender se ele era mais perigo ou mais verdade do que tudo o que já conheci.— Preciso te mostrar uma coisa — disse Dante, a voz firme, sem pausa para dúvidas.Ele me conduziu para dentro, até um dos corredores discretos que ainda não tinha explorado. Ao fundo, havia uma porta de metal com um painel biométrico. Um toque, e ela se abriu com um estalo suave.A sala era pequena, envolta em telas, cabos e equipamentos de vigilância. Uma central de inteligência. De guerra. E ali, em uma das telas, pausado no quadro exato de u
Capítulo 11Luna Ele puxou um outro monitor e abriu um mapa digital com vários pontos vermelhos marcando locais pela cidade.— Aqui estão as propriedades dele. Algumas no nome de laranjas. Outras disfarçadas em fundos de investimento. Há três principais centros de operação: a transportadora, o escritório da fachada e uma casa no Jardim Europa que ele usa para reuniões mais... íntimas.— E qual é o mais vulnerável?— A transportadora. Muitos funcionários. Muita entrada e saída de produtos. Um lugar perfeito para esconder cargas ilegais, documentos, lavagem de dinheiro. Já fizemos algumas escutas lá. Mas não podíamos agir diretamente, porque não tínhamos alguém confiável.— Até agora.Ele me olhou.— Você está disposta a voltar lá?Engoli em seco. A ideia de voltar para aquele mundo, onde fui enganada por tanto tempo, me fazia querer gritar. Mas ao mesmo tempo, uma parte de mim queria confrontá-lo. Queria que Marcelo me visse. Queria que ele soubesse que eu sabia.— Estou. Mas se eu vo