Capítulo 7LunaO relógio marcava 10h43 quando Dante me conduziu a um dos andares inferiores da mansão. A escada era de mármore negro, e as luzes suaves dos abajures de parede davam ao ambiente um ar quase sagrado — como se estivéssemos entrando em um templo. Ou em uma câmara de verdades perigosas.Caminhamos em silêncio. Ele não me disse para onde íamos. Eu também não perguntei. Estava ocupada demais tentando conter a sensação de que o chão estava prestes a ruir debaixo dos meus pés.Quando as portas duplas se abriram, dei de cara com uma sala de arquivos. Moderna. Vidros blindados, gavetas digitalizadas, monitores embutidos nas paredes. Parecia mais o centro de controle de uma operação do governo do que parte da casa de um mafioso.— O que é isso? — murmurei, sentindo o estômago apertar.— Seu passado. E talvez, seu futuro — ele respondeu, caminhando até um dos painéis e digitando um código.A tela piscou, revelando um perfil. O meu.Meu rosto. Meu nome completo. Meus dados. Mas con
Capítulo 8LunaEu achava que estava apenas sobrevivendo — me mantendo inteira em um mundo que tentava me consumir. Mas a verdade é que, dia após dia, algo dentro de mim começava a ceder. A mudar. Era sutil, quase imperceptível. Mas era real.A manhã começou como as outras desde que cheguei ali. O sol filtrando pelas cortinas pesadas, o silêncio denso da casa me envolvendo, e Chiara entrando pontualmente com meu café da manhã. Mas havia algo diferente nela naquele dia — um brilho nos olhos, como se estivesse à espera de algo.— Bom dia, senhorita Luna.— Pode me chamar só de Luna, Chiara — respondi, sentando na cama.Ela sorriu de leve. Sempre contida, mas nunca fria. Havia uma doçura escondida por trás daquela postura rígida.— Hoje você terá um dia fora — disse, ajeitando a bandeja sobre a mesa lateral. — O senhor Moretti pediu que se preparasse para sair com ele. Disse que quer que você veja como tudo funciona de verdade."Como tudo funciona." As palavras ecoaram como uma promessa.
Capítulo 9LunaO jantar daquela noite não foi servido na sala de refeições habitual. Em vez disso, Chiara me conduziu até um salão mais amplo no andar inferior da casa, cujas portas de madeira esculpida eu sequer tinha notado antes. Quando se abriram, fui recebida por um ambiente elegante e sombrio — luzes baixas, uma longa mesa de madeira escura e seis homens sentados ao redor dela, todos me observando com atenção.Dante estava de pé na cabeceira, de terno preto e expressão impenetrável.— Boa noite — disse ele, com um aceno sutil. — Senhores, essa é Luna Santiago. A mulher que Marcelo tentou enterrar junto com os segredos dele.A sala ficou em silêncio. O tipo de silêncio que pesa sobre os ombros. Senti meu coração acelerar, mas me mantive firme. Dante se aproximou e puxou a cadeira ao seu lado.— Sente-se. Eles precisam te conhecer... e você precisa ver com quem está lidando.Obedeci. Os olhos dos homens — alguns frios, outros avaliadores — me seguiam com intensidade. Não havia re
Capítulo 10LunaA frase dele ainda ecoava dentro de mim como um trovão contido: “Você é uma sobrevivente.” Eu havia ouvido elogios antes — falsos, vazios, sedutores. Mas aquelas palavras não foram ditas para me agradar. Foram um diagnóstico. Um veredito.Voltei a olhar para a cidade. As luzes dos prédios pareciam estrelas em queda. E por um segundo, desejei que tudo aquilo não fosse real. Mas era. Eu estava ali, ao lado do homem que deveria ser meu inimigo, tentando entender se ele era mais perigo ou mais verdade do que tudo o que já conheci.— Preciso te mostrar uma coisa — disse Dante, a voz firme, sem pausa para dúvidas.Ele me conduziu para dentro, até um dos corredores discretos que ainda não tinha explorado. Ao fundo, havia uma porta de metal com um painel biométrico. Um toque, e ela se abriu com um estalo suave.A sala era pequena, envolta em telas, cabos e equipamentos de vigilância. Uma central de inteligência. De guerra. E ali, em uma das telas, pausado no quadro exato de u
Capítulo 11Luna Ele puxou um outro monitor e abriu um mapa digital com vários pontos vermelhos marcando locais pela cidade.— Aqui estão as propriedades dele. Algumas no nome de laranjas. Outras disfarçadas em fundos de investimento. Há três principais centros de operação: a transportadora, o escritório da fachada e uma casa no Jardim Europa que ele usa para reuniões mais... íntimas.— E qual é o mais vulnerável?— A transportadora. Muitos funcionários. Muita entrada e saída de produtos. Um lugar perfeito para esconder cargas ilegais, documentos, lavagem de dinheiro. Já fizemos algumas escutas lá. Mas não podíamos agir diretamente, porque não tínhamos alguém confiável.— Até agora.Ele me olhou.— Você está disposta a voltar lá?Engoli em seco. A ideia de voltar para aquele mundo, onde fui enganada por tanto tempo, me fazia querer gritar. Mas ao mesmo tempo, uma parte de mim queria confrontá-lo. Queria que Marcelo me visse. Queria que ele soubesse que eu sabia.— Estou. Mas se eu vo
Capítulo 12DanteEla estava mudada.Eu vi isso nos olhos dela naquela noite — depois da gravação, depois da dor, depois do silêncio. Havia uma fúria nova em Luna Santiago. Uma firmeza que não vinha do medo, mas da escolha. Ela não queria só justiça. Queria derrubar tudo o que Marcelo Rivas construiu… e pisar sobre os escombros.E era exatamente isso que eu precisava.Esperei que amanhecesse. Deixei que ela tivesse suas horas de solidão, que lutasse com seus fantasmas. O poder real nasce do fundo do abismo. E quando Luna emergisse, não seria mais só uma peça no jogo. Seria uma jogadora.Quando a encontrei pela manhã, ela já estava vestida — calça escura, camisa branca, cabelos presos com firmeza, como uma armadura. Não disse bom dia. Não perguntou nada. Apenas me olhou como quem já sabia o que viria.— Tenho algo pra você — falei, oferecendo um envelope pardo. Ela pegou sem hesitar, abriu e leu rapidamente. Quando levantou os olhos, havia cálculo ali. E raiva contida.— Isso é um carr
Capítulo 13MarceloA luz trêmula do projetor iluminava o canto mofado do porão como uma vela acesa em um túmulo. Era a terceira vez que eu assistia ao maldito vídeo naquela manhã, e ainda assim, não conseguia tirar os olhos da tela. O uísque em minha mão já não queimava, só escorria garganta abaixo como um lembrete morno de que eu ainda estava vivo. Vivo… mas morto para o mundo.Luna estava viva.E, pior, estava com Dante.A risada dele no final do vídeo era um soco. Uma gargalhada satisfeita, debochada, logo depois de Luna dizer que queria ver a minha queda. Meu nome na boca dela como um veredito. Um alvo. Joguei o copo com força contra a parede, o vidro explodindo em mil pedaços, como o resto da vida que eu deixei para trás.Eu. Marcelo Rivas. O nome que construí com sangue, acordos e silêncio. O homem que lhe deu um nome limpo, um apartamento confortável, um emprego de confiança. Eu a tirei do nada. A moldei. Dei a ela não só uma vida — dei uma identidade. E agora ela cuspia no pr
Capítulo 14 LunaMarcelo queria que eu duvidasse de tudo. Inclusive de Dante. Que eu visse tudo ruir, como se o mundo que construímos juntos fosse apenas mais um castelo de areia prestes a desmoronar. Talvez fosse. Talvez sempre tivesse sido. E, mesmo assim, naquela noite, naquele silêncio sufocante que envolvia cada parede do apartamento, era dentro de mim que tudo começava a ruir.Dante estava na cozinha, preparando café. Os movimentos dele eram precisos, quase metódicos. Como se fazer algo tão banal fosse uma forma de manter o controle, de não desmoronar junto comigo. Eu o observava do encosto do sofá, meus pés descalços encostando no chão frio, e uma taça de vinho esquecida na mão esquerda. A bebida já não tinha gosto, o mundo já não tinha cor. Só havia o som dos passos dele, e o som da minha respiração — curta, irregular.Ele voltou com duas xícaras, deixando uma na mesa e estendendo a outra para mim. Nossos dedos se tocaram por um segundo. Um mísero segundo. Mas o suficiente pa