Capítulo 11Luna Ele puxou um outro monitor e abriu um mapa digital com vários pontos vermelhos marcando locais pela cidade.— Aqui estão as propriedades dele. Algumas no nome de laranjas. Outras disfarçadas em fundos de investimento. Há três principais centros de operação: a transportadora, o escritório da fachada e uma casa no Jardim Europa que ele usa para reuniões mais... íntimas.— E qual é o mais vulnerável?— A transportadora. Muitos funcionários. Muita entrada e saída de produtos. Um lugar perfeito para esconder cargas ilegais, documentos, lavagem de dinheiro. Já fizemos algumas escutas lá. Mas não podíamos agir diretamente, porque não tínhamos alguém confiável.— Até agora.Ele me olhou.— Você está disposta a voltar lá?Engoli em seco. A ideia de voltar para aquele mundo, onde fui enganada por tanto tempo, me fazia querer gritar. Mas ao mesmo tempo, uma parte de mim queria confrontá-lo. Queria que Marcelo me visse. Queria que ele soubesse que eu sabia.— Estou. Mas se eu vo
Capítulo 12DanteEla estava mudada.Eu vi isso nos olhos dela naquela noite — depois da gravação, depois da dor, depois do silêncio. Havia uma fúria nova em Luna Santiago. Uma firmeza que não vinha do medo, mas da escolha. Ela não queria só justiça. Queria derrubar tudo o que Marcelo Rivas construiu… e pisar sobre os escombros.E era exatamente isso que eu precisava.Esperei que amanhecesse. Deixei que ela tivesse suas horas de solidão, que lutasse com seus fantasmas. O poder real nasce do fundo do abismo. E quando Luna emergisse, não seria mais só uma peça no jogo. Seria uma jogadora.Quando a encontrei pela manhã, ela já estava vestida — calça escura, camisa branca, cabelos presos com firmeza, como uma armadura. Não disse bom dia. Não perguntou nada. Apenas me olhou como quem já sabia o que viria.— Tenho algo pra você — falei, oferecendo um envelope pardo. Ela pegou sem hesitar, abriu e leu rapidamente. Quando levantou os olhos, havia cálculo ali. E raiva contida.— Isso é um carr
Capítulo 13MarceloA luz trêmula do projetor iluminava o canto mofado do porão como uma vela acesa em um túmulo. Era a terceira vez que eu assistia ao maldito vídeo naquela manhã, e ainda assim, não conseguia tirar os olhos da tela. O uísque em minha mão já não queimava, só escorria garganta abaixo como um lembrete morno de que eu ainda estava vivo. Vivo… mas morto para o mundo.Luna estava viva.E, pior, estava com Dante.A risada dele no final do vídeo era um soco. Uma gargalhada satisfeita, debochada, logo depois de Luna dizer que queria ver a minha queda. Meu nome na boca dela como um veredito. Um alvo. Joguei o copo com força contra a parede, o vidro explodindo em mil pedaços, como o resto da vida que eu deixei para trás.Eu. Marcelo Rivas. O nome que construí com sangue, acordos e silêncio. O homem que lhe deu um nome limpo, um apartamento confortável, um emprego de confiança. Eu a tirei do nada. A moldei. Dei a ela não só uma vida — dei uma identidade. E agora ela cuspia no pr
Capítulo 14 LunaMarcelo queria que eu duvidasse de tudo. Inclusive de Dante. Que eu visse tudo ruir, como se o mundo que construímos juntos fosse apenas mais um castelo de areia prestes a desmoronar. Talvez fosse. Talvez sempre tivesse sido. E, mesmo assim, naquela noite, naquele silêncio sufocante que envolvia cada parede do apartamento, era dentro de mim que tudo começava a ruir.Dante estava na cozinha, preparando café. Os movimentos dele eram precisos, quase metódicos. Como se fazer algo tão banal fosse uma forma de manter o controle, de não desmoronar junto comigo. Eu o observava do encosto do sofá, meus pés descalços encostando no chão frio, e uma taça de vinho esquecida na mão esquerda. A bebida já não tinha gosto, o mundo já não tinha cor. Só havia o som dos passos dele, e o som da minha respiração — curta, irregular.Ele voltou com duas xícaras, deixando uma na mesa e estendendo a outra para mim. Nossos dedos se tocaram por um segundo. Um mísero segundo. Mas o suficiente pa
Capítulo 15LunaO carro ainda estava lá quando voltei para a cama. Mas eu me forcei a deitar, mesmo que o sono não viesse. Fiquei encarando o teto por tempo demais, ouvindo os próprios pensamentos ecoarem. Eles vinham em ondas, como marés imprevisíveis: culpa, desejo, desconfiança. Cada emoção carregando um rosto. O de Marcelo. O de Dante. E o meu — refletido num espelho que já não reconhecia.O beijo ainda queimava nos meus lábios. A memória dele era um peso confortável e perigoso, como um cobertor quente em noite de tempestade. O problema é que eu sabia que não podia me cobrir por completo. Sabia que, em algum momento, o cobertor viraria armadilha.E Dante… Ele tinha sido paciente. Gentil. Não forçou. Disse que esperaria.Mas por quanto tempo?Pela manhã, ele não mencionou nada. Tomamos café juntos em silêncio, como se o que tivesse acontecido na noite anterior tivesse sido apenas um sonho comum. Mas havia algo no olhar dele — uma ternura contida, quase cautelosa — que me dizia que
Capítulo 16MarceloO silêncio do esconderijo era denso como a fumaça do meu charuto cubano, que queimava devagar entre meus dedos. O mundo lá fora seguia sem mim — pelo menos era isso que todos acreditavam. A notícia da minha morte havia circulado pelos becos, pelas bocas sujas que juravam lealdade a quem pagasse mais. Ótimo. Que me enterrassem em paz. O morto agora planejava em silêncio.Mas Luna estava viva.E não apenas viva. Estava com ele.Dante Moretti.O nome tinha gosto de sangue na minha língua. Sempre teve. Um cão raivoso criado no caos, que decidiu desafiar a ordem — a minha ordem. E agora ele tinha ela. A peça que eu formei, moldei, esculpi como uma obra-prima silenciosa. Minha pupila. Minha sombra.E agora, meu erro.— Ela sumiu dos radares — Braga disse ao entrar, a voz baixa, arrastada. — O hacker que contratamos não conseguiu rastrear nem o último IP. Eles sabem se esconder.— Ela aprendeu com o melhor — respondi, sem conseguir disfarçar o veneno na minha própria voz.
Capítulo 17LunaO som da chaleira apitando foi o que me tirou dos pensamentos. Eu estava sentada na cozinha, as mãos envoltas na caneca de porcelana que Chiara tinha preparado minutos antes, e mesmo com o calor do chá contra a pele, ainda sentia um frio estranho por dentro. A sensação de estar à beira de algo. De cair ou de escolher ficar.Chiara desligou o fogo e virou-se para mim com aquele ar calmo que parecia ser tão natural quanto sua postura sempre ereta. Havia algo reconfortante nela, mesmo quando tudo ao nosso redor parecia ameaçar desmoronar.— Você não dormiu bem — disse ela, mais uma constatação do que uma pergunta.Balancei a cabeça em silêncio, soltando o ar devagar.— Foi o beijo? — ela arriscou, com um leve levantar de sobrancelha.Revirei os olhos, mas não consegui esconder o calor subindo pelas minhas bochechas. Chiara era sutil... mas não demais.— Foi tudo. O beijo. A sabotagem. A sensação de que Marcelo está mais perto do que a gente pensa. E... — hesitei — a sens
Capítulo 1LunaTrabalhar para um mafioso nunca foi parte do meu plano de vida, mas planos mudam quando a sobrevivência fala mais alto que a moral. E eu sobrevivo. Sempre. Meu pai dizia que a vida era como um jogo de xadrez. Você não precisa ser a rainha, só precisa saber quando mover suas peças. E eu vinha movendo as minhas com cuidado, desde o dia em que entrei no escritório de Marcelo Rivas: olhos baixos, ouvidos atentos, boca calada. Marcelo era exigente, imprevisível, mas ele confiava em mim. O suficiente para me manter por perto, o suficiente para me fazer sentir indispensável.O relógio marcava 20h47 quando deixei minha mesa, já com os sapatos nas mãos, e segui pelos corredores silenciosos do prédio. Era tarde demais para estar ali, mas um relatório urgente precisava ser entregue antes da reunião da manhã seguinte. A cidade do lado de fora parecia quieta, mas São Paulo nunca dorme de verdade. Sempre há alguém observando, esperando, tramando. E naquela noite, senti isso mais do