Capítulo 26LunaEu ainda sentia o gosto dele nos meus lábios.Aquele beijo não havia sido só um beijo. Foi uma promessa. Um acordo silencioso selado pela intensidade do toque, pela respiração entrecortada e pela certeza de que, depois daquilo, não havia mais retorno. Eu queria mais. Muito mais. Mas Dante... ele se afastou.— Não agora — ele disse, a voz rouca e contida, como se estivesse prendendo o próprio desejo entre os dentes. — Temos uma reunião esta noite. Um jantar com alguém importante. Preciso que esteja pronta. — Fez uma pausa, o olhar descendo pelo meu corpo como se quisesse decorá-lo antes de me soltar. — Você é parte disso, Luna. Vai ao meu lado. Como igual.Aquelas palavras ecoaram em mim com um peso diferente. Um frio na espinha. Um calor no peito.— Com quem? — perguntei, tentando recuperar o ar.— Riccardo Castellani. O velho lobo do norte. É o tipo de homem que só confia quando olha nos olhos. E ele vai querer olhar nos seus esta noite.Assenti em silêncio. Era assim
Capítulo 27LunaO carro deslizava pelas ruas escuras da cidade, um silêncio pesado pairando entre nós. O motor quase não fazia barulho, mas dentro do meu peito, o coração martelava como se quisesse fugir. Minhas mãos estavam frias, os dedos entrelaçados no colo, tentando manter a pose. Tentando fingir que ainda tinha algum controle sobre a situação.Mas os olhos de Dante queimavam em mim desde que saímos do restaurante.Não era só desejo.Era algo mais profundo. Algo que vinha se acumulando desde o primeiro dia em que nos encontramos, naquela sala escura onde fui jogada como moeda de troca em uma guerra que não era minha. Algo que crescia a cada olhar roubado, a cada toque acidental, a cada palavra carregada de duplo sentido.E agora, naquele carro, com sua mão pesada sobre minha coxa, o polegar traçando círculos hipnóticos na minha pele nua, eu sabia que estávamos à beira do precipício.Dante sempre foi um homem que lia silêncios melhor do que palavras. E o meu silêncio agora era um
Capítulo 28LunaTudo começou com um nome esquecido.Um dos arquivos que Dante me deu para revisar mencionava um “Félix Santiago”. Meu sobrenome. O nome do meu avô. A princípio, pensei que fosse apenas coincidência. Mas algo naquela ficha, nos números batendo com memórias borradas de conversas infantis, me fez estremecer. O Félix da ficha não era só um nome morto nos registros, ele era alguém que, aparentemente, teve um papel importante no início da máfia. Alguém que trabalhou com os Moretti. E também com Marcelo Rivas.Passei as horas seguintes vasculhando tudo que podia. Em segredo. Não porque eu não confiava em Dante. Mas porque... eu não queria entregar um pedaço do meu passado até entender o que ele significava. Eu precisava de certezas antes de entregar mais dúvidas.Só que o destino não dá tempo para certezas.Naquela tarde, enquanto voltava de uma rápida ida até a parte externa da casa, senti que estava sendo observada. Um carro estacionado do outro lado da rua. Fiquei parada
Capítulo 29LunaO quarto parecia mais escuro do que o normal, mesmo com as luzes acesas.Dante estava sentado na poltrona próxima à estante, camisa preta semiaberta, os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos entrelaçadas diante do rosto. Um homem inteiro moldado por silêncio. Não levantou a cabeça quando entrei. Apenas respirou fundo, como quem contava os segundos para não explodir.Fechei a porta atrás de mim, sem barulho.Dei dois passos para dentro e parei, como se atravessar aquele cômodo fosse cruzar uma linha que eu ainda não tinha certeza se podia.— Eu não sabia — minha voz saiu baixa, quase frágil. — Não sabia da ligação do meu avô com o Rivas. Nunca ninguém me contou nada.Ele não respondeu. Os olhos fixos no chão. Os dedos cerrados com força.— Dante...— Por que você não veio a mim, Luna? — A voz dele finalmente rompeu, grave e contida, como um trovão segurando a tempestade. — Por que investigou sozinha? Por que me deixou de fora?— Porque eu estava com medo — confessei
Capítulo 1LunaTrabalhar para um mafioso nunca foi parte do meu plano de vida, mas planos mudam quando a sobrevivência fala mais alto que a moral. E eu sobrevivo. Sempre. Meu pai dizia que a vida era como um jogo de xadrez. Você não precisa ser a rainha, só precisa saber quando mover suas peças. E eu vinha movendo as minhas com cuidado, desde o dia em que entrei no escritório de Marcelo Rivas: olhos baixos, ouvidos atentos, boca calada. Marcelo era exigente, imprevisível, mas ele confiava em mim. O suficiente para me manter por perto, o suficiente para me fazer sentir indispensável.O relógio marcava 20h47 quando deixei minha mesa, já com os sapatos nas mãos, e segui pelos corredores silenciosos do prédio. Era tarde demais para estar ali, mas um relatório urgente precisava ser entregue antes da reunião da manhã seguinte. A cidade do lado de fora parecia quieta, mas São Paulo nunca dorme de verdade. Sempre há alguém observando, esperando, tramando. E naquela noite, senti isso mais do
Capítulo 2LunaNa manhã seguinte, acordei com a luz dourada atravessando as frestas da cortina, mas não foi a claridade que me tirou do torpor, foi o silêncio. Um silêncio estranho, espesso, como se o mundo lá fora estivesse em pausa e tudo ao meu redor estivesse esperando que eu fizesse o primeiro movimento.Os lençóis ainda estavam macios, os pulsos livres dessa vez, e uma bandeja com café da manhã repousava sobre a mesa ao lado. Frutas cortadas com precisão, suco fresco, croissants quentes. Luxo. Cuidado. Manipulação.Sentei-me com cautela, cada músculo tenso, cada pensamento disparado em direções diferentes. Dante Moretti ainda estava naquele lugar, em algum canto observando. Era o tipo de homem que nunca deixava de ver. Mesmo quando não estava à vista.Peguei uma maçã da bandeja com dedos trêmulos. Morder ou não morder? Comer o que o inimigo te serve era sempre um risco, mas minha fome venceu o orgulho. E no segundo em que dei a primeira mordida, a maçã estalou em minha boca, fr
Capítulo 3 Luna A escuridão que me engoliu foi curta, mas sufocante. Quando acordei, o ar tinha um cheiro novo, couro, madeira polida, e algo mais… perigo. Estava deitada em um sofá de couro escuro, a luz amarelada da luminária ao lado projetando sombras longas nas paredes. Um lugar elegante, silencioso. E estranho demais para ser meu. Me sentei devagar, o coração disparado. Os sapatos tinham sumido. Minha bolsa também. Mas minhas roupas estavam intactas, e isso, por algum motivo, me tranquilizou. Por um instante. — Bom dia, Bella. A voz veio de um canto da sala, baixa, controlada. Dante. Ele estava ali de novo. Sentado em uma poltrona de veludo, um copo de uísque entre os dedos. Terno impecável, cabelo arrumado, olhar predatório.Me encolhi por receio.— Luna, você está com medo? Ele perguntou com a voz rouca, se aproximando devagar de onde estava. Queria sumir, desaparecer, mas reagi com perguntas. . — O que você quer de mim? O que sou para você? — Disse com raiva e curiosid
Capítulo 4LunaA biblioteca de Dante era diferente do resto da casa, mais escura, mais densa, com estantes que iam do chão ao teto, cheias de livros antigos, muitos deles com lombadas em línguas que eu não reconhecia. Ele estava de pé, de costas para mim, olhando pela janela como se o mundo lá fora oferecesse algo melhor que o caos dentro daquela casa.— Já viu o suficiente? — ele perguntou sem se virar.— Vi o suficiente pra saber que você quer me usar tanto quanto Marcelo. — Me aproximei, sem medo. Já tinha ultrapassado essa fase. — A diferença é que você me contou antes. Pontos pela honestidade.Dante virou-se devagar. Seus olhos percorreram meu rosto, meu corpo, como se procurassem sinais de fraqueza. Mas eu estava firme.— Você é rápida. Gosto disso. — Ele apontou para a poltrona à frente da mesa. — Sente-se. Quero te mostrar por que ainda está viva.— Porque sou útil.— Porque é valiosa. E há uma diferença aí, Luna. Uma ferramenta é útil. Mas algo valioso... precisa ser protegi