CENA III: VISÕES DE ANJOS
VIDENTE: Eu enxergo a luz do Sol e tudo o que eu quero é ter respostas para todas as minhas perguntas...
SENHOR CEGO: Eu quero ter visões de anjos...
VIDENTE: Impressionante. Quer dizer que você procura por sonhos celestiais?
CAMPONESA: Eu também queria poder ver os anjos. Dizem que eles são invisíveis e somente depois da morte você irá encontrá-los.
SENHOR CEGO: Se você pode prever o futuro, saberia me dizer quando será o Apocalipse?
VIDENTE: Ele está próximo. Quem sabe daqui a três séculos quando as chuvas forem intensas formando dilúvios após as tempestades, quando os terremotos se espalharem por toda a Terra e quando os pecados do homem se tornarem tão latentes que aqui se tornará um verdadeiro inferno. Deus tem ira sobre nossas iniquidades e os ímpios receberão a condenação eterna para que a sua justiça seja feita sobre os homens.
CAMPONESA: Eu queria ver os anjos para ser abençoada. Acredito que eles podem nos livrar da maldição que assola nossa terra!
SENHOR CEGO: Vocês podem não acreditar, mas eu já vi um anjo. Ele tinha conseguia subir e descer dos chãos e voar bem alto com suas asas como pássaros. Era muito iluminado, dele vinha uma luz forte e branca, como a do Sol. Minha pele se tornava mais morna com a sua presença e parece que ele trazia uma mensagem para cada um de nós...
VIDENTE: Uma mensagem para cada um de nós?
CAMPONESA: O que ele disse para você?
SENHOR CEGO: Ele disse assim: “Você não pode ver com seus belos olhos, tão azuis quanto os oceanos, mas poderia descrever como sou com o milagre da fé”.
CAMPONESA: É mesmo? Ó senhor, eu procuro essas visões de anjos!
VIDENTE: Eu também!
CAMPONESA: [Olha para o alto e ora em voz alta]. Ó Senhor que estás nos céus. Alegra nossos corações neste mundo tão envolto pelas trevas. Ilumina meu andar por onde quer que eu vá e me traga as respostas das minhas perguntas com as mensagens de teus anjos!
VIDENTE: [Fala alto para todos ao redor]. E então vocês acreditam em anjos?
[Neste momento ouve-se um trovão e a chuva começa a aparecer].
SENHOR CEGO: [Abre os braços e olha para o alto]. Deus, fale comigo. Mande teus anjos nos protegerem aqui na Terra. Dá consolo para quem precisa. Estende tua mão para quem nada tem. Cuida dos teus servos que imploram por tuas bênçãos. Encontra-me no silêncio e preencha o meu vazio...
CAMPONESA: Que oração linda que você faz, meu senhor... Então quer dizer que temos que clamar pela presença de Deus...
SENHOR CEGO: Fique com o coração aberto, confia Nele e Ele te guiará.
CAMPONESA: Eu creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Amém. Que o Senhor me traga um anjo para me levar uma mensagem...
VIDENTE: Em todos os momentos, nunca imaginei que Deus quisesse ouvir meus prantos, mas desta vez sinto que ele quer falar através de você, meu caro senhor. Você é cego, como consegue descrever essas visões e acreditar que elas não são uma ilusão da mente, do imaginário?
CAMPONESA: Existem aqueles que pensam que Deus é uma ilusão, que o homem que inventou a Deus, mas eu creio que ele existe e quer nos salvar da obscuridade das trevas...
VIDENTE: Dorotéia tenho uma mensagem para ti: tu terás mais um filho um dia e ele precisarás de teus cuidados... Semeie nos campos até que eles possam florescer novamente...
SENHOR CEGO: Pois eu tenho uma mensagem que vem dos céus [pausa]: Quem é o anjo de teus olhos?
CAMPONESA: Essa é uma pergunta que gostaria de ter uma linda resposta, mas ainda não descobri...
VIDENTE: Nem eu... Mas ela soa como se algo etéreo pudesse me alcançar para me levar para algum lugar muito belo, tranquilo e repleto de paz... Talvez nas colinas de um reino, onde jorram águas calmas dos rochedos das mais altas montanhas, ou talvez em estátuas de ouro e pedras preciosas... Onde voam os pássaros mais coloridos com cantos inimagináveis... Não sei... Eu acho que meus olhos jamais viram algo igual... Não há como descrever...
SENHOR CEGO: Eu sou cego, eu nada posso ver, mas posso sentir pelo poder divino de uma benção. Nem os mais estudiosos conseguem muitas vezes responder essa pergunta, porque não acreditam em Deus, mas o anjo de seus olhos pode lhe mostrar...
CENA IV: O GRANDE PROPÓSITOBOBO: Respeitável público! É com grande alegria que estamos apresentando a encenação do bufão! Eis que aqui trago minha generosidade de lhes engrandecer com uma grande descoberta: a de seu grande propósito! Um desígnio que está dentro de seus corações, pedindo para ser acordado, dormindo em algum lugar que não está queimado... Ahrm... Quer dizer, dormindo em algum lugar com preguiça de se levantar! E este o leva ao caminho dos céus se você não deixar tardar!SENHOR CEGO: Há um lugar onde muitos acreditam que irão depois da morte. Lá o vento também balança as águas. Lá os mares são cristalinos como pedras de cristal. Lá criaturas nunca vistas pelos olhos humanos na realidade aparecem e ressurgem d
CENA V: OS BANDIDOSBANDIDO I: Fale comigo sua peste! Onde está o cálice?BANDIDO II: Está em algum lugar bem protegido longe de você...BANDIDO I: Escute aqui, você não está entendendo ou está se fazendo?BANDIDO II: Eu?BANDIDO I: Vai começando com essas e eu corto sua língua, seu bastardo!BANDIDO II: Acho que o fauno já fez o que pedimos...BANDIDO I: O quê?BANDIDO II: Sim, o fauno já recebeu o seu cálice, peste...BANDIDO I: Pois você deixou o cálice de ouro na floresta?BANDIDO I: Sim...BANDIDO II: Sem o meu consentimento?BANDIDO I: Sim...BANDIDO II: Eu não a
CENA VI: O CAVALEIRO DO CEMITÉRIO[O monge está no cemitério orando].MONGE: Ó Senhor Deus, proteja-me de todo o mal que me circunda e deixe minha alma descansar em meu leito de paz como estas almas descansam. Há aqueles que precisam de tua mão para estarem em tua vontade... Tenha misericórdia Pai...[Ouve-se um ruído, uma luz branca e aparece um cavaleiro fantasma].MONGE: Quem está aí?FANTASMA: Às vezes me dá vontade de desistir de tudo...MONGE: [Se assusta]. Quem é você?FANTASMA: Ora, sou eu, o cavaleiro da cabeça perdida.MONGE: Não posso acreditar no que estou vendo...FANTASMA: Não se assuste po
CENA VII: A FLORESTA PROIBIDASENHOR CEGO: Acho que deveríamos procurar o cálice de ouro no Jardim dos Faunos [risos].CAMPONESA: Só pode estar louco.SENHOR CEGO: Dizem por aí que os faunos são reais e existem...CAMPONESA: Eu nunca vi nenhum, nunca entrei na floresta proibida...SENHOR CEGO: Lá é muito perigoso, mas me instiga curiosidade...CAMPONESA: Você não tem medo?SENHOR CEGO: Oh querida, eu sou velho, já enfrentei tantos medos e acho que a coragem é mais válida do que pernas inquietas, corpo trêmulo, dentes rangendo e angústia. Se você não a enfrenta então não há como despistá-la.CAMPONESA: Eu encontrei um túmulo nos cemitério e vi q
CENA VII: O FESTIMBOBO: Quem aqui aposta se há um dragão faminto na floresta proibida?SENHOR CEGO: Ora, quanto você quer apostar?BOBO: Cem soldos.SENHOR CEGO: Tudo isso?BOBO: Sim e tem mais...SENHOR CEGO: Mas há uma questão, para você estar certo, deve ir lá conosco sem deixar o medo possuí-lo.BOBO: Mas será que avistaremos um dragão cheio de fogo por lá?SENHOR CEGO: Aposto cem soldos que ninguém achará um dragão.CAMPONESA: Eu aposto apenas que encontraremos por lá muito seres escondidos do reino: assaltantes e marginais.BOBO: Sinceramente eu temo a morte, eu não quero entrar lá nem morto!SENHOR CEGO: Deixe de ser
CENA IX: A MISSA CLÉRIGO: Respeitáveis senhoras e senhores de nossa Igreja, a ordem do Reino dos Céus. É com grande piedade que estamos aqui para lhes avisar-vos de uma coisa: nosso reino está em crise. Nosso gado está louco, nossas plantações não dão fartura na mesa, nosso pão é escasso. E a matança das árvores, muitas queimadas, continuam ocorrendo. Uma fumaça atinge nossas respirações. Casas foram incendiadas por povos inimigos. E nós continuamos vendendo indulgências, para aqueles que querem alcançar os firmamentos. Nosso livro é a bíblia, temos que honrá-la com toda a força e fé possíveis, mesmo que alguns não saibam ler nem escrever, ou senão vamos para o inferno.PADRE: O nobre coração de
CENA X: A FLORESTA PROIBIDACAMPONESA: Ah eu disse tudo que eu deveria ter falado naquela igreja. Mas discordo profundamente deles... Eu amo os seres encantados, pois eles trazem alegria...SENHOR CEGO: Ora, então por dentro você que é contra as bruxas só pode ser uma!CAMPONESA: Eu não quis dizer isso...SENHOR CEGO: Não se preocupe, o que você diz, fica em segredo...CAMPONESA: E se eu encontrar seres de outro mundo e achar que são reais?SENHOR CEGO: Não há nada demais nisso... Mas e então, você está decidida a entrar na floresta proibida? Enfrentar seus medos? Leve esta armadura e esta espada e ficará segura... Os ladrões têm medo disso e tendo medo de você, irão fugir...CAMPONESA:
CENA XI: NA FLORESTA PROIBIDACAVALEIRO: Até agora não avistamos nada de muito especial ou diferente demais...CAMPONESA: Temos belas árvores, ainda o sol irradia sua luz por entre as árvores que nos cobrem de escuridão. É um bosque parece como qualquer outro.SENHOR CEGO: Vocês tem visão, eu já não tenho... Por acaso não tem um lago aqui onde possamos atravessar?CAVALEIRO: Lembre-se, aqui ninguém pode se banhar nesse lago, pois ele é muito fundo e mortes aconteceram com muitos que tentaram transpassá-lo.[Ouve-se um barulho].SENHOR CEGO: Alguém ouviu isso?CAVALEIRO: Isso o quê?SENHOR CEGO: Silêncio... Não se movam...[Ouve-se um som]