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Capítulo 1 - Gianna

Ao som alto na balada, eu balançava o corpo, perdida na dança. Adorava aquele momento, e mesmo que a música já estivesse batida, era uma das minhas favoritas. A boate estava cheia, e o clima vibrante contagiava a todos.

— Gianna, vou pegar algo para beber! — gritou minha colega Fernanda, tentando se fazer ouvir acima do som.

— Beleza! Deixa eu aproveitar essa música e já vou! — respondi, continuando a dançar. 

A cada instante, surgia um cara para tentar me interromper, mas dispensei todos educadamente. Hoje, eu só queria dançar.

— Oi, gata! Você dança muito bem, sabia? — sussurrou um rapaz em meu ouvido. 

Ele era bonito, mas não estava interessada.

— Obrigada! — sorri e voltei a me perder na música. 

As aulas de dança realmente valeram a pena. Minha mãe sempre me apoiou, e experimentei de tudo: ballet, street dance, dança do ventre, dança de salão... Dançar era a minha paixão.

— Não quer descansar um pouco e beber algo comigo? — insistiu.

— Desculpe, mas hoje não, só quero me divertir com os meus amigos. Mas obrigada, quem sabe na próxima? — pisquei e sorri. 

Ele me encarou por um momento, deu de ombros e se afastou.

Quando a música terminou, fui até o bar e encontrei meus amigos sentados. Diego estava agarrado a Kelly, sua noiva, e Nanda conversava com alguém. Sentei e peguei a coca do meu amigo.

— Gianna, quem era aquele grandão dançando com você? — perguntou Diego, com uma expressão de ciúmes.

— Não sei, não conheço! — dei de ombros, dando um gole na bebida.

— Ele é gato! — Kelly comentou, fazendo Diego me olhar com uma expressão de descontentamento. — O que foi, Diego? Ele é bonito, mas só tenho olhos para você, e sabe disso! — Ela rolou os olhos, e ele sorriu.

— Eu sei, amor. Mas a Gianna não me respondeu. — Ele voltou a me olhar.

— Cuide da sua vida! — brinquei, e todos riram. 

Diego e eu éramos amigos desde sempre, nos conhecemos quando minha família se mudou para Copacabana, e desde então somos vizinhos.

— É o que estou fazendo. Você faz parte da minha vida, Gianna. Enquanto tia Lenore e tio Roberto estiverem longe, vou cuidar de você. — Ele disse com seriedade. 

Meus pais estavam viajando. Por isso ele acha que precisa me proteger.

— E quando estiverem perto também, não é? Porque é isso que você faz. Kelly, case-se logo e leve esse implicante com você! — Me levantei para ir ao banheiro.

— Pode deixar, Gianna, está quase! — Ela riu e beijou Diego.

— Não vai se livrar de mim tão cedo, Gianna! — ele me lembrou.

— Tá, guarda-costas, vou ao banheiro e já volto.

Entrei no banheiro, que parecia um mundo à parte, com o som abafado da música. Olhei no espelho: estava suada e descabelada. Peguei meu shampoo a seco, borrifei e prendi os cabelos em um coque estiloso. Lavei o rosto e retocando a maquiagem, peguei meu celular e vi várias chamadas da minha mãe. 

Retornei a ligação imediatamente.

— Ah, Gia! Que bom que ligou! — A voz dela estava fraca, parecia cansada. 

Minha mãe é russa e ex-modelo, ainda mantinha um leve sotaque que eu achava encantador.

— Está tudo bem? Você parece cansada. — Minha preocupação cresceu.

— Está tudo bem, sim. Que barulho é esse? — ela mudou de assunto, mas não me convenceu.

— Saí com Diego e a Kelly para dançar. Estou estragada, mãe. — Guardei as coisas na bolsa e ouvi ela sorrir do outro lado.

— Que bom que está se divertindo, Gia! Aproveite bastante e mande um beijo para Diego e Kelly. — Minha mãe adorava os meus amigos.

— Mando sim, pode deixar.

— Liguei apenas para saber se você está bem e para matar as saudades um pouquinho.

— Também estou com saudades. E o meu pai? — Geralmente ele estava junto dela nas ligações.

Ela suspirou, e percebi que parecia estar chorando.

— Está dormindo. A viagem está nos deixando exaustos. — Um leve tremor na voz dela me deixou inquieta.

— Mãe, está tudo bem mesmo? Você está chorando? — Apertei o celular contra o ouvido, tentando ignorar o som da boate.

— Está tudo bem, não estou chorando, meu amor. Acho que estou ficando gripada. O clima aqui na Itália está frio demais. Não se preocupe conosco. Vá se divertir e juízo! — ela brincou, mas algo me dizia que havia mais por trás.

— Então já tome um antigripal. Sabe que sou ajuizada! — ri, tentando aliviar a tensão.

— Eu sei, meu bem! Preciso ir. Se cuide. Eu te amo muito, Gianna. Seu pai e eu te amamos demais, não esqueça. — Seu tom era de despedida.

— Eu também amo vocês! Dê um beijo no meu pai e diga que a poltrona dele está intacta no lugar! — brinquei, lembrando do toque do meu pai.

Um silêncio se fez do outro lado, seguido de um suspiro e um fungado.

— Mãe, ainda está aí?

— Sim, meu bem. Vontade de espirrar, mesmo. E nem ouse tocar naquela poltrona, sabe como ele fica esquentadinho! — Ela sorriu.

— Espero que esteja tudo bem com vocês. Amanhã ligo para falar com meu pai. Beijo, mãe. Se cuide. Te amo demais.

— Também te amo, minha Gia! — Ela desligou, e eu sorri ao ouvir o carinho no apelido que só ela me chamava.

Após a conversa, um peso se instalou em meu peito. Não queria mais ficar na boate.

— Gente, acho que vou para casa — avisei aos meus amigos ao retornar.

— Aconteceu alguma coisa? — Diego se levantou, preocupado.

— Não, só estou cansada e com frio.

— Eu vou ficar mais um pouquinho. Nos falamos amanhã, pode ser? — Nanda se despediu, indo para a pista de dança com sua nova conquista.

— Tudo bem, a gente vai agora, amor? — Diego perguntou a Kelly, que sorriu.

— Graças a Deus! Essa batida repetida já estava danificando meu tico e teco! — Ela balançou a cabeça. 

Kelly não era muito de baladas; preferia livros e sorvetes.

— Então partiu! Deixo a Gianna em casa e você dorme comigo — ele provocou.

— Não posso, trabalho amanhã cedo! — Kelly respondeu, já se despediu.

— Então levo você primeiro. — Diego fez beicinho e nos puxou pelas mãos.

Encostei no banco de trás, fechei os olhos e fiquei pensativa durante o trajeto. A conversa com a minha mãe tinha sido estranha...

— Gianna? Gi? — Diego me chamou.

Não ouvi o que eles conversavam e nem percebi quando Kelly desceu do carro.

— Oi, cadê a Kelly?

— Foi para casa. Não quis se despedir achando que você estava dormindo. Quer passar para frente? Ou vai me fazer de chofer e dormir aí atrás? — Ele me encarou com as sobrancelhas erguidas.

— Vou sentar com você. — Saltei e sentei na frente. — Não vi que chegamos na casa dela.

— Amanhã vocês se falam. Mas agora me conta o que aconteceu de verdade? — Ele me conhecia bem.

Contei sobre a conversa com minha mãe.

— Soou esquisito. Contudo, tia Lenore odeia mentiras, mesmo as mais leves. Então, ela deve estar gripada e você está fazendo tempestade em copo d'água. — Ele desviou os olhos da estrada e me encarou. — Relaxa, Gianna. Seus pais viajam todo ano e sempre foi tranquilo. Daqui a pouco estarão de volta e você vai estar reclamando deles como sempre. — Ele lembrou, e sorri com a lembrança.

— É, você está certo. Vou relaxar.

— Eu sempre estou certo, Gianna — ele disse, em tom superior.

Minutos depois, estávamos em casa. Ele seguiu para seu apartamento e eu fui para o meu. Tomei um banho e apaguei. Mas, ao menos no início, tive um pesadelo horrível com meus pais e não consegui dormir mais.

Acordei um trapo.

— Menina do céu! A noite foi ruim? — perguntou Shirley, a senhora fofa que trabalhava em casa.

— Oi, Shirley! Na verdade, foi boa, mas o sono nem tanto. — Dei um beijo nela e sentei à bancada da cozinha.

— Ô filha, vou fazer um chazinho de camomila com maracujá. Vai te ajudar a relaxar. — Ela começou a preparar, enquanto eu mordiscava uma torrada.

— Obrigada! O que vou fazer sem você aqui, hein? — brinquei.

— Ah, menina, você foi bem educada. Dona Lenore te ensinou a sobreviver. Você lava, passa e cozinha muito bem, já está prontinha pra casar! Preciso curtir meus netos agora, viver a aposentadoria — falou com carinho.

— Eu sei, mas me referia a saudades, Shirley, não aos afazeres. — Rolei os olhos, e ela caiu na gargalhada.

— Desculpa! Às vezes esqueço o quanto você tem de sua mãe. Seus pais fizeram um bom trabalho na sua criação. Por isso quero ajudar a minha filha com meus netos, mesmo que meu genro não goste muito. — Ela colocou a xícara fumegante e perfumada no balcão. Bebi um pouco; estava bom mesmo.

— Hum, é gostoso. Obrigada, você é demais!

Ela sorriu com meu elogio.

— Se precisar de algo, me chame. Vou limpar a sacada. — Shirley saiu, e ouvi o telefone tocar. — Pode deixar que atendo, tome o seu chá.

Dois minutos se passaram e não ouvi mais a voz dela até que um barulho fez ecoar na sala. Corri e a encontrei em estado de choque, com o fone caído no chão.

— Meu Deus, Shirley! O que aconteceu? —Ajudei-a a sentar.

— Ai, meu Deus, menina… Jesus tenha misericórdia… — Seus olhos se encheram de lágrimas, e eu fiquei tensa.

— Me diga o que aconteceu! — Peguei sua mão fria. 

Ela apenas balbuciava coisas sem nexo sobre meus pais, olhando para mim com tristeza. Corri até o interfone e chamei Diego, que era meu vizinho. Peguei um copo de água para Shirley e coloquei o fone no lugar. 

— Toma, bebe um pouco e tenta se acalmar.

— O que houve, Gi? — meu amigo entrou correndo, despenteado e apenas de moletom.

Parecia ter acordado naquele instante.

— Não sei! A Shirley atendeu uma ligação e ficou assim, não consegue dizer nada.

Diego se aproximou, ajoelhou-se à sua frente.

— Shirloca, o que houve? — Enquanto ele a questionava, o telefone tocou novamente e Shirley se agitou. — Atende, Gianna. Eu cuido dela.

— Alô? — respondi, nervosa.

— Gianna? — A voz rouca do advogado Renato me fez relaxar um pouco.

— Oi, Renato, tudo bem? — Fiz gestos para Diego, indicando que estava tudo sob controle.

— Infelizmente não…

— O que aconteceu? — Meu coração disparou.

— Seus pais, Gianna. Eles sofreram um grave acidente na Itália e… — Ele fez uma pausa que durou uma eternidade. — Infelizmente, faleceram — disse rapidamente, e eu não lembro de mais nada.

Acordei com a cabeça explodindo, deitada no sofá. Diego estava no chão, com a cabeça encostada na minha, os olhos vermelhos e o rosto cansado.

— O que aconteceu? Por que está com essa cara? — Me levantei e senti dores em todo o corpo.

— Não lembra de nada? — Ele se sentou ao meu lado.

Fiz um esforço para lembrar, tudo estava confuso. Um telefonema do advogado e depois desmaiei.

— Eu sonhei, ou melhor, tive um pesadelo… — Parei ao ver a expressão do meu amigo e uma lágrima escorreu pelo seu rosto. — Ah, não, Diego. Não, não, por favor… — desesperei-me, e ele me amparou.

— Eu sinto tanto, Gianna. Sinto muito de verdade. — Ele também chorava.

— Não posso ficar sem eles, não posso… O que vou fazer? Como vou sobreviver? — Meu peito parecia esmagado pela dor.

Senti como se uma parte de mim estivesse sendo arrancada à força.

— Estou aqui, Gianna. Sempre estarei.

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