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Capítulo 3 - Gianna

Acordei toda dolorida; aquele sofá acabava com minha coluna. Passei a noite nele, pesquisando em vão sobre os tais Compiliets. Não encontrei nada relevante, apenas um site que mencionava a Instituição Dmitriev, mas sem muitas informações, apenas o ano de construção e algum blá-blá-blá institucional.

Tomei um banho demorado, me vesti e voltei para a sala, encarando nosso apartamento agora vazio. A poltrona favorita do meu pai ainda estava na posição que ele gostava, e ai de quem a mudasse. Ri ao lembrar de como sempre implicava com ele por isso. Inevitavelmente, as lágrimas vieram; não consegui segurar. Diego e Kelly tinham razão: ficar aqui não seria saudável, ao menos por enquanto. Porém, a ideia de ir para uma faculdade estranha, em um lugar desconhecido, sem meus amigos por perto, para descobrir uma loucura sobre os Compiliets, não me animava nem um pouco.

Meu amigo entrou pela porta de repente. Ambos tínhamos acesso livre ao apartamento um do outro. Ele estava de calça de moletom e sem camisa, como sempre.

— Bom dia, Gi! 

— Bom dia! Vai colocar uma camisa, você está noivo, precisa se dar ao respeito! — eu disse, secando os olhos.

— A Kelly gosta… — ele riu da minha reação.

— Que bom para ela, mas essa é a questão, ela gosta, não os outros. Somos como irmãos e por isso digo, vá se vestir! — Me sentei no sofá enquanto ele ficou em pé à minha frente.

— Você está certa, já vou… ah, pedi folga, vou passar o dia todo aqui. E como posso ver que está chorando, acho que foi uma boa ideia.

Ele cruzou os braços, esperando que eu contasse o motivo.

— Foi sim, é apenas saudade.

— Pode ficar lá em casa! Minha mãe vai adorar! — debochou, sorrindo. 

Tia Eva sempre insistia para que me unisse em matrimônio com Diego. Ela gosta da Kelly, mas diz que meu amigo e eu somos almas gêmeas… credo. Tem pessoas que realmente não enxergam pares perfeitos.

— Amo a tia Eva, mas eu passo. — Rimos. — Estava pensando nessa viagem.

— E?

— Sei lá, acho que vou… pelo menos para conhecer e depois voltar. Não quero estudar nem nada; não tenho cabeça para isso. Meu TCC tirou toda a minha vontade de continuar. — Fiz um TCC ótimo, mas passei muitas noites sem dormir e não estava disposta a repetir a dose, pelo menos por enquanto.

— Acho uma boa ideia. Vai te fazer bem respirar os ares frios da Rússia! E, quem sabe, pode ser uma surpresa agradável conhecer seu avô.

— Sim, pode ser. — Me levantei e me estiquei. — Se vai ficar aqui, vai colocar uma roupa decente. Vou preparar o café da manhã.

— Ok, menina implicante, por que tem que ter razão quase sempre, hein? — reclamou, abrindo os braços e fazendo aquela coisa terrível de mexer com o peitoral.

— Sempre tenho razão e pare com isso ou te expulso à base de vassouradas! — Apontei para a porta.

— Tá bom, tá bom. — Ele saiu reclamando algo ininteligível, e eu corri para o quarto. Peguei a carta e disquei o número. 

Chamou apenas uma vez.

— Institut Dmitriyeva, dobroye utro! — Uma voz bonita de mulher soou do outro lado da linha. 

Ela disse bom dia e o nome do instituto. Agradeci em silêncio pelas aulas de russo que minha mãe me deu, escondido do meu pai. Outro mistério que nunca entendi: qual era o problema de aprender a língua nativa da minha mãe?

— Dobroye utro. Diglaviev! — Fiz como minha mãe mencionou na carta. A pessoa do outro lado arfou. Passaram alguns segundos em silêncio.

— Otlichno, skoro uvidimsya! — ela disse rapidamente, o que me pareceu um "ok, até breve", e desligou. 

Não entendi e resolvi voltar para a cozinha, mordi uma maçã e terminei de preparar nosso café. Deixei tudo arrumado na bancada da cozinha mesmo e me sentei, aproveitando o silêncio do imóvel frio e gigantesco. Eu precisaria me acostumar com o silêncio ou talvez… vender o apartamento. Senti um nó na garganta e deixei a maçã de lado, enchi uma xícara de café e me deixei relaxar pelo líquido quente e reconfortante. 

Meu celular apitou e peguei, vi que tinha um novo e-mail. Quase engasguei. Era a passagem só de ida para Moscou, executiva. Tinha todos os meus dados corretos… insano e bizarro! Era como se estivessem aguardando minha ligação há tempos. E o pior, o voo estava marcado para daqui a dois dias, às oito da noite.

Quem eram essas pessoas?

— O que você tem? Está pálida, se engasgou? — Diego entrou na cozinha, servindo-se de uma xícara de café.

— Quase… é que liguei para o tal instituto informando meu interesse em ir.

— E qual é o problema? — Ele levantou a sobrancelha.

— É que já enviaram a passagem — sussurrei, e ele se aproximou. — E o voo está marcado para depois de amanhã!

Ele leu o conteúdo do e-mail e, em seguida, ligou para a empresa aérea para confirmar os dados do voo.

— Tudo certo, Gianna, não é golpe nem nada. — Ele ainda parecia cético. — Será que seu avô planejou tudo?

— Não faço ideia. E agora? — Estava confusa, não esperava partir tão cedo.

— Vamos arrumar suas malas. Pense que vai te fazer bem e que pode voltar quando quiser. — Ele me puxou pela mão em direção ao meu quarto.

— Espero que sim.

Arrumamos uma mala enquanto conversávamos. Não tinha muitas peças de frio, afinal, o Rio de Janeiro é praticamente verão o ano inteiro. Separei um cartão de crédito para comprar algo. 

Diego teve a ideia de irmos às compras e chamou Kelly para nos encontrar no shopping. Foi uma ótima ideia, além de abastecer meu guarda-roupas, assistimos a dois filmes e fizemos todas as refeições do dia no shopping mesmo. No fim da tarde, tomamos sorvete e voltamos para o apartamento onde pedi uma pizza, assistimos a algumas comédias românticas, com direito a zombarias de Diego. Ao preparar mais coisas para a viagem, me certifiquei de deixar tudo preparado e uma chave com Diego, caso precisasse do meu apartamento.

Nos despedimos e liguei para Shirley, avisando que viajaria e que ela poderia descansar. Ela disse que viria durante a semana para cuidar das plantas, que no fim das contas eu dei de presente para ela. Eram da minha mãe, e eu, infelizmente, não conseguiria cuidar. Shirley me deu um monte de recomendações e pediu para ligar sempre que pudesse. Nos despedimos, e eu terminei de preparar minhas coisas, certificando-me de que estava levando tudo o que precisava. Mesmo sem intenções de ficar lá, não seria legal esquecer nada. Foram dois dias de preparação e despedidas, eu estava preocupada, porém, como o Diego disse, posso voltar quando quiser.

No dia da viagem, passamos por horas divertidas e melancólicas, matando a saudade futura. Kelly chegou no fim da tarde e pedimos mais uma pizza para comemorar, não que eu estivesse animada para ir, mas enfim, foi maravilhoso. Fazia tempo que não me sentia em paz assim, mesmo diante das circunstâncias.

— Ansiosa, Gianna? — ela indagou enquanto dividíamos a pia, lavando a louça.

— Um pouco. Será que Anton vai gostar de mim? Ele nunca veio me ver… — Me senti insegura de repente.

— Acho que ele vai amar você, assim como nós a amamos. — Kelly empurrou levemente meus ombros com os dela.

— Também amo vocês e vou sentir falta. — Suspirei, secando uma lágrima intrusa que escapou.

— Pense que será por um tempo. Logo você estará de volta para me ajudar a escolher meu vestido de noiva! — Ela sorriu.

— Hum, falando de casamento, hein? Sem pressão! — Diego entrou e a abraçou por trás, dando um beijo em sua bochecha.

— Você é incorrigível! — falei, guardando as coisas nos armários.

— Sim, e ambas me amam de qualquer forma.

Rimos e conversamos durante boa parte da tarde, até eu ir me trocar. Estava na hora de partir. Vesti um jeans e uma blusa de manga longa preta; estávamos no outono e a noite é bem fresca nessa época do ano aqui no Rio. Deixei os cabelos soltos, já que hoje resolveram colaborar, e os cachos largos das pontas estavam bem definidos.

Meus amigos me levaram até o aeroporto e cheguei em cima da hora. Eles me acompanharam até o portão de embarque.

— Gianna, faça uma boa viagem e nos avise quando pousar. — Kelly me abraçou. — Quem sabe não tem alguém especial te esperando na Rússia? — Ela deu uma piscadela. 

Kelly era muito romântica, e eu ri, enquanto as lágrimas já estavam brotando nos meus olhos.

— Olha, Gi, me ligue todos os dias, entendeu? — Diego me abraçou apertado. — Qualquer coisa, me avise que daremos um jeito de te buscar o mais depressa possível!

— Obrigada, Diego, eu amo vocês!

— Também te amamos, Gianna. Volte logo! — Ele beijou o alto da minha cabeça.

E assim deixei uma parte de mim aqui, meus amigos. Virei-me mais uma vez e me despedi antes de embarcar.

Fiz conexão até São Paulo; o voo direto sairia de lá. Aproveitei e comprei alguns casacos e botas para o frio. Apesar de não ser inverno na Rússia, sabia que ainda estaria mais gelado do que no Brasil, com certeza.

Logo embarquei novamente; seria um longo voo. Me acomodei na poltrona e uma menina forte com longos cabelos escuros, pele clara, e muito bonita, sentou ao meu lado, toda desajeitada, cheia de bolsas e com cheiro de chocolates.

— Hello! — ela me cumprimentou em inglês. Bom, era praticamente minha língua nativa; eu amava falar inglês.

— Oi — respondi, e ela abriu um sorriso simpático.

— Sou Sasha Abbott, sou de Nova York! — Sasha acomodou-se na poltrona.

— Gianna Diglaviev, Brasil! — sorri, e ela arregalou os olhos.

— Eu amei seu país! Estava de férias, mas fui convocada para retornar à faculdade. Minha nova colega de quarto está chegando, tenho que apresentar a escola, essas coisas. — Rolou os olhos.

— Obrigada, o Brasil é maravilhoso mesmo.

— Nossa, você é tão bonita! É daqui de São Paulo? — Ela abriu um pacote de chocolate e me ofereceu.

— Obrigada, você também é — agradeci e recusei o chocolate. — Sou do Rio.

— Ah, não acredito! Sou louca para conhecer o Rio. Quem sabe ano que vem? — Sasha deu de ombros. 

Percebi que seria uma viagem divertida, ao menos. 

— Viaja de férias ou tem parentes russos?

— Bem, digamos que tenho família lá. Minha mãe era russa, Lenore Diglaviev.

— Lenore, aquela Lenore? A supermodelo dos anos noventa? — Ela ficou empolgada.

— Sim, a mesma. — Senti meu coração apertar no peito; a dor era recente.

— Me desculpe, Gianna. Sinto muito por sua perda. Sua mãe era linda… Eu soube do acidente; fizeram um memorial na Dmitriev. — Ela abaixou os olhos, e eu me espantei.

— Você estuda no Instituto Dmitriev?

— Sim, na verdade estamos em férias. As aulas recomeçam na próxima semana. Como uma aluna importante vai chegar e será minha colega de quarto, tive que voltar para ajudá-la a se instalar. — Ela abriu outro pacote de chocolate.

— Que coisa… Também estou indo para lá, então nem vou precisar do mapa — balancei o papel e ela arregalou os olhos.

— Menina, esconda isso! — sussurrou. — Ninguém pode ver. Se cair em mãos erradas, só Deus… — Olhou de um lado para o outro. 

Eu guardei o mapa; ao menos isso batia com as informações da minha mãe. 

— Espere um pouco… — Ela tirou o celular do bolso e olhou. 

Me acomodei na poltrona. 

— Você é a aluna importante! Ai, minha nossa! Gianna Diglaviev Ferreira.

— Importante eu não sei, mas sim, sou essa Gianna — brinquei. — Fico feliz em saber que já conheci minha colega de quarto, embora não tenha expectativas de ficar.

— Você vai amar o Instituto, principalmente quando conhecer os irmãos Dmitriev, é impossível estudar lá e não falar sobre eles! — ela ofegou, fazendo-me sorrir. 

Eu gostei da Sasha; era espontânea e revigorante.

Deixei que ela falasse durante todo o voo, e metade do assunto eram os tais Dmitriev, mas até que foi divertido.

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