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Capítulo 2 - Gianna

Seis meses depois

“Querida Gia,

Se você está lendo esta carta, infelizmente, isso não é um bom sinal. Pedi a Renato que a entregasse apenas em caso da minha morte. Sei que tudo isso pode parecer estranho, especialmente imaginar que eu sabia que isso poderia acontecer. Esta viagem foi muito perigosa, e se você quiser, pode descobrir mais sobre os motivos. Seu pai é contra, e isso me fez guardar nosso segredo por tanto tempo.

O motivo pelo qual estou escrevendo é que tenho algo importante a contar. Seu pai e eu brigamos muito por isso; creio que essa foi a única briga verdadeira que tivemos. Ele não acha que você deve saber, mas eu sim. Vou explicar.

Você sabe que seus avós maternos são russos e que eu perdi sua avó muito cedo. Seu avô ainda está lá e anseia por te conhecer. Porém, existem muitos capítulos nessa história, capítulos que apenas ele pode contar. Nossa família descende de um clã antigo chamado Compiliet. Não há muitas informações sobre a origem, mas posso te assegurar que você e eu fazemos parte disso, descendemos diretamente da terceira família mais importante. É um clã muito diferente, então acalme-se: você não beberá sangue, nem ficará diferente, pelo menos não agora. Embora, por sermos Compiliets, possuímos alguns dons, digamos assim.

Não posso escrever sobre o que significa ser um Compiliet, pois você descobrirá qual é a sua espécie ainda, e sei onde você pode buscar esse conhecimento. Existe uma instituição na Rússia chamada Instituto Internacional Dmitriev, dirigida pelos próprios Dmitrievs, que também fazem parte do nosso clã, sendo a família principal. Como mencionei, não posso dizer muito sobre o assunto; é uma das regras mais importantes que temos. E como já quebrei muitas regras, prometi ao meu pai que falaria com você sobre nossa condição. Infelizmente, não pude fazer isso em vida, por isso a carta.

Caso queira conhecer sua verdadeira essência, encorajo você a embarcar em busca de seu destino. 

Gianna, vá apenas se realmente sentir o desejo de ir. Não quero forçá-la a nada; isso é sobre a sua vida, e por isso acho importante que saiba quem realmente é. Depois, você decide como vai seguir. Procure seu avô; ele sonha em te conhecer.

Se decidir ir, no envelope desta carta você encontrará um telefone e um mapa para chegar ao Instituto. Primeiro, é importante que ligue para esse número e, quando atenderem, diga apenas “Diglaviev”. Sua passagem chegará por e-mail em seguida, com os dados da viagem. Quanto ao mapa, use-o assim que chegar a Moscou. É provável que mandem alguém te buscar, mas leve-o. Não pode contar a ninguém sobre o verdadeiro motivo de ir ao Instituto, querida.

Assim que chegar lá, procure o professor Sidorov, que é um amigo da família e ajudará na sua chegada. Não se preocupe; se decidir não ir, está tudo bem. Apenas não esqueça: é a sua vida, e você decide o que quer fazer. Você é a única que pode!

Não esqueça que te amo e te apoio em tudo o que fizer. Cuide-se, querida. 

Sinto muito, minha Gia, não queria que as coisas acontecessem dessa forma. Apenas saiba que te amamos, seu pai e eu. Queremos que tenha uma vida feliz e plena. Não se prive disso; a vida é muito curta, Gianna. Viva, cometa erros, conserte-os, apaixone-se, mas viva! Não queremos ver nossa filha linda sofrendo pelos cantos por nossa ausência.

Beijos da mamãe e do papai.

Lenore Diglaviev”

Estarrecida. 

Essa foi a sensação que me dominou após ler e reler a carta que minha mãe deixou para mim. Hoje completam seis meses desde que meus pais morreram em um acidente bizarro de carro na Itália, enquanto passavam suas férias anuais. O estranho é que foi um acidente grave e ninguém noticiou ou mencionou nada sobre isso. Enfim, estou sozinha; não tenho família aqui no Brasil. Meu pai era órfão e lutou muito na vida para se tornar um arquiteto respeitado, enquanto minha mãe era uma modelo russa muito importante, que abandonou tudo quando conheceu meu pai para construir uma vida ao seu lado no Rio de Janeiro. O único parente vivo que sei que tenho, e que nunca conheci, é o senhor Anton Diglaviev, meu avô.

— Ei, posso entrar? — A voz do meu amigo ecoou atrás da porta do meu quarto.

— Claro — sussurrei, ainda rouca, provavelmente de tanto chorar. 

Mesmo depois de meses, a dor continua insuportável.

— Oi, Gi… como você está? A Kelly me ligou e lembrou que hoje é o dia da abertura do testamento. — Ele se aproximou, sentando ao meu lado na cama. — Desculpe, queria chegar mais cedo, mas fiquei preso no escritório.

— Estou bem, acho. Agora sou milionária, acredita? — ironizei, rindo com amargura da minha nova condição financeira.

— Você sempre foi, e não menospreze o patrimônio que seus pais lutaram tanto para te dar. Foi uma conquista árdua — ralhou meu amigo, em tom gentil. 

Meus pais sempre trabalharam muito; apesar de minha mãe vir de uma família rica, meu pai nunca aceitou o dinheiro deles.

— Sim, você tem razão… Entretanto, eu preferiria mil vezes tê-los aqui do que ver todos esses zeros na minha conta. — As lágrimas corriam livremente pelo meu rosto.

— Eu sei, Gianna. Sinto muito, de verdade. Você sabe que estamos aqui para você, não sabe? — Ele me deu um abraço apertado.

— Sim, obrigada, Diego. Você e a Kelly são incríveis.

Depois de um tempo chorando nos ombros do meu amigo, Kelly chegou esbaforida, com o rosto vermelho, como se tivesse corrido uma maratona.

Fico feliz de vê-los juntos e firmes. Esses dois passaram por muitas coisas. Diego é lindo, alto, com belos olhos verdes e um sorriso de modelo. As meninas ficam malucas por ele, pois é, vai entender! 

Ele é como um irmão mais velho para mim. Kelly, por sua vez, é loira, tem olhos azuis incríveis, é baixinha, com um rosto redondinho e lindo como o de uma boneca. Além disso, ama um bom sorvete de creme!

Para os padrões de beleza mundial, esses dois não têm nada a ver, mas eu discordo totalmente. Nunca vi um casal mais harmônico e fofo como eles. Kelly sofreu bastante bullying quando começou a namorar o Diego; chegou a desistir do relacionamento, mas meu amigo a ama de verdade e lutou por ela. Hoje, eles permanecem noivos e fortes.

— Oi, Gianna… desculpe, vim o mais rápido que pude. Liguei para o Diego para que chegasse antes. — Ela deu um selinho nele e se juntou a nós no abraço.

— Está tudo bem. Foi como abrir um envelope e descobrir o que eu já sabia… — Dei de ombros. — Não tenho nenhum irmão escondido por aí.

— Ah, Gianna, sinto muito por tudo isso — Kelly me consolou. — Eu trouxe sorvete de creme e de morango! — riu, fazendo uma careta. Ela detestava sorvete de morango. Eu, no entanto, amava.

— Obrigada, Kels.

— O que é esse envelope? — Diego perguntou, encarando os papéis espalhados na cama.

— Ah, isso… — Comecei a juntá-los, já havia esquecido. — Minha mãe deixou uma carta para mim. — Mais uma lágrima teimosa escorreu.

— O que dizia? — Sua sobrancelha se ergueu. Expliquei o teor da carta, sem mencionar nada sobre os Compiliets. — E você vai? — A expectativa cruzou seu rosto.

— Não sei; ainda não processei as informações. Eu quero conhecer meu avô e entender por que meu pai não queria Anton em nossas vidas.

— Eu acho que seria bom para você — Kelly disse de repente, recebendo um olhar bravo de Diego.

— O quê? Amor, vai ser bom para a Gianna descobrir sobre sua família, mesmo que seja apenas para conhecer o avô. É o único familiar vivo que ela tem.

— Mas é na Rússia! Longe pra caramba… — Meu amigo se jogou na cama ao meu lado. — Quem vai me ouvir por horas reclamando da minha noiva? — disse brincalhão, e Kelly jogou um travesseiro nele.

— Gente, ainda não sei se vou. Calma… é muito para processar. Vou pensar com calma e depois decido como será.

— Amiga, o que decidir, vou te apoiar. Você sabe que estou aqui para isso. Agora vamos tomar sorvete! — Levantou-se e foi para a cozinha. 

Diego estava fitando o teto.

— O que foi? — perguntei, encarando-o.

— Acho que você deve ir. — Ele deu de ombros. — Você não tem nada que a prenda aqui, não agora. Kelly e eu vamos nos casar no ano que vem e, bem, você ainda está solteira… — Ele riu, mudando parcialmente de assunto.

— Eu tenho vocês dois, embora este apartamento realmente seja grande demais sem meus pais aqui. E se eu for, não pretendo ficar muito tempo, apenas alguns meses. Fala sério! É uma faculdade e já sou formada. No máximo, posso fazer uma pós ou algo assim, mas quero ver meu avô. — Eu havia terminado a faculdade de Letras há um ano e não tinha pretensões de voltar a estudar tão cedo.

— Eu sei que está difícil, Gianna, mas mudar de ares pode fazer bem. Além disso, você vai conhecer tudo sobre sua família. Alguém já disse que você é a cara de uma modelo russa? — brincou meu amigo, fazendo referência à minha mãe.

— Não chego aos pés! — retruquei. 

Minha mãe era esguia, magra, tinha pele clara, longos cabelos castanho-aloirados, olhos azuis e um rosto perfeitamente esculpido. Eu sou o oposto total, apesar do mesmo tom de pele. Tenho olhos castanhos claros, que às vezes ficam esverdeados, vai entender! Mas tenho mais curvas do que ela e os cabelos castanhos escuros como os do meu pai.

— Gianna, você é a cara da tia Lenore. O que muda são os olhos… do tio Roberto só ficou o cabelo mesmo. E está tudo bem; você é linda. Quem sabe um russo importante não te peça em casamento por lá! — Ele levantou-se e me puxou junto.

— Ai, não quero saber disso agora. — Fiz careta.

— Você já tem 24 anos! Vai ficar para a titia. Se bem que prefiro você aqui no Brasil, pertinho da gente. — Ele me abraçou, e caminhamos juntos para a cozinha, rindo.

Shirley e Kelly estavam preparando os copos com sorvete. Shirley me lançou um olhar preocupado.

— Está tudo bem, menina? — perguntou com carinho. 

Shirley era da família. Faltavam dois meses para se aposentar, mas ela disse que ficaria mais tempo se eu precisasse. Claro que não faria isso; ela estava tão ansiosa por sua aposentadoria.

— Estou bem, sim, obrigada, Shirley! E pode ir descansar; você está trabalhando demais. — Dei um beijo em seu rosto, e Diego também. Depois, ele a pegou no colo.

— Menino, me põe no chão ou eu te dou umas palmadas! Comigo não tem idade nem noiva certos — ralhou, mas exibia um sorriso.

— Por mim, pode bater, Shirley — Kelly implicou.

Ele a colocou no chão e tomamos nosso sorvete. Foi um momento bem agradável, o que não acontecia em meses, embora eles estivessem sempre aqui. Acho que a saudade estava amena agora. Horas depois, Shirley foi para casa e meus amigos também. Aproveitei a solidão e me sentei no sofá com meu notebook e comecei a pesquisar sobre o conteúdo da carta da minha mãe.

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